O concurso de quantos médiuns será necessário
para se ter o Controle Universal?
Paulo da Silva Neto Sobrinho
paulosnetos@gmail.com
Belo Horizonte, MG (Brasil)
(publicado na revista eletrônica O Consolador - edições 412 e 413)
Dentre os grandes problemas que surgem, ao se falar em Controle Universal do Ensinamento dos Espíritos – CUEE, um deles é o de que as opiniões dão ideia (ou são no sentido) de que é preciso a confirmação de milhares de Espíritos, e que todos falem da mesma forma sobre o mesmo fato.
Dentre os grandes problemas que surgem, ao se falar em Controle Universal do Ensinamento dos Espíritos – CUEE, um deles é o de que as opiniões dão ideia (ou são no sentido) de que é preciso a confirmação de milhares de Espíritos, e que todos falem da mesma forma sobre o mesmo fato.
Muitos companheiros, que exigem a aplicação do
CUEE para determinadas revelações, quase que massacram o médium que as recebeu,
chegam a ponto de taxar de pseudossábio determinado Espírito que ousou
trazê-las, ainda que não tenha sido o primeiro a revelá-las, o que muitas vezes
esses companheiros nem ao menos sabem disso.
Parece-nos que esses discípulos querem ser
maiores que o Mestre, pois Kardec, diante de Os quatro evangelhos,
não desqualificou seu autor e nem os supostos Espíritos que os ditaram, como se
tem feito por aí, em relação a dois determinados Espíritos. Vejamos este trecho
do artigo “Os evangelhos explicados”, publicado por Kardec na Revista
Espírita 1866:
O autor dessa nova obra acreditou dever seguir
um outro caminho; em lugar de proceder por graduação, quis alcançar o objetivo
de um golpe. Tratou, por certas questões que não julgamos oportuno abordar
ainda, e das quais, consequentemente lhe deixamos a responsabilidade,
assim como aos Espíritos que os comentaram. Consequente com o nosso princípio,
que consiste em regular a nossa caminhada sobre o desenvolvimento da opinião, não
daremos, até nova ordem, às suas teorias, nem aprovação, nem desaprovação,
deixando ao tempo o cuidado de sancioná-las ou de contradizê-las. Convém,
pois, considerar essas explicações como opiniões pessoais dos Espíritos que as
formularam, opiniões que podem ser justas ou falsas, e que, em todos os casos,
têm necessidade da sanção do controle universal, e até mais ampla confirmação
não poderiam ser consideradas como partes integrantes da Doutrina Espírita.
(KARDEC, 1993i, p. 190-191, grifo nosso.)
É certo que Kardec aborda um ponto específico
da obra, qual seja o fato de se advogar um corpo fluídico para Cristo;
entretanto, elegantemente, e sem nenhum tipo de desprezo, e nem com acrimônia,
comenta:
Dissemos que o livro do Sr. Roustaing não se
afasta dos princípios de O Livro dos Espíritos e o dos
médiuns; nossas observações levam, pois, sobre a aplicação desses mesmos
princípios à interpretação de certos fatos. É assim, por exemplo, que dá ao
Cristo, em lugar de um corpo carnal, um corpo fluídico concretizado, tendo
todas as aparências da materialidade, e dele faz um agênere. Aos
olhos dos homens que não teriam podido compreender, então, sua natureza
espiritual, teve que passar EM APARÊNCIA, essa palavra é
incessantemente repetida em todo o curso da obra, para todas as vicissitudes da
Humanidade. Assim se explicaria o mistério de seu nascimento: Maria não teria
tido senão as aparências da gravidez. Este ponto, colocado por premissa e pedra
angular, é a base sobre a qual se apoia para explicação de todos os fatos
extraordinários ou miraculosos da vida de Jesus.
Sem dúvida, não há aí nada de materialmente
impossível para quem conhece as propriedades do envoltório perispiritual; sem
nos pronunciar pró ou contra essa teoria diremos que ela é ao menos hipotética,
e que, se um dia ela fosse reconhecida errada, a base sendo falsa, o edifício
desmoronaria. Esperamos, pois, os numerosos comentários que ela não deixará
de provocar da parte dos Espíritos, e que contribuirão para elucidar a questão. Sem
prejulgá-la, diremos que já foram feitas objeções sérias a essa teoria, e
que, na nossa opinião, os fatos podem perfeitamente se explicar sem sair das
condições da Humanidade corpórea.
Estas observações, subordinadas à sanção do
futuro, não diminuem nada a importância dessa obra que, ao lado das coisas
duvidosas do nosso ponto de vista, delas encerra, incontestavelmente, boas e
verdadeiras, e será consultada proveitosamente pelos espíritas sérios. (KARDEC, 1993i, p.
191-192, grifo nosso.)
Observamos que Kardec foi prudente, não
condenou, deixando para que os Espíritos, no futuro, pudessem se manifestar
sobre o tema. Foi além, recomendando a sua leitura pelos Espíritas sérios, o
que certamente deixarão alguns confrades pasmos.
Em A Gênese, no item
“Desaparecimento do corpo de Jesus” temos algumas considerações sobre a questão
do corpo fluídico, que julgamos procederem, se não diretamente dos Espíritos,
foram via indireta, provavelmente por inspiração, ditadas a Kardec.
Ao fechar este artigo, Kardec diz:
Se o fundo de um livro é o principal, a forma
não é de se desdenhar, e entra também por alguma coisa no sucesso. Achamos que
certas partes são desenvolvidas muito longamente, sem proveito para a clareza.
Na nossa opinião, se, limitando-se ao estrito necessário, ter-se-ia podido
reduzir a obra em dois, ou mesmo em um único volume, teria ganhado em
popularidade. (KARDEC, 1993i, p. 192.)
Ou seja, na opinião de Kardec houve prolixidade
na obra, mas não recomendou a ninguém que não a lesse, nem, muito menos, fez
qualquer artigo contestando-a ponto a ponto.
Um pouco à frente, nessa mesma obra,
encontramos algo que, alhures, já mencionamos; mas é necessário voltarmos a ela
para bem nos situarmos aqui nesse estudo: “O Livro dos Espíritos não é um
tratado completo do Espiritismo; não faz senão colocar-lhe as bases e os
pontos fundamentais, que devem se desenvolver sucessivamente pelo estudo e pela
observação”. (KARDEC, 1993i, p. 223, grifo nosso.)
Se a principal obra da Codificação – O
Livro dos Espíritos –, que se desdobra em novas publicações – O
Livro dos Médiuns, O Evangelho segundo o Espiritismo, A Gênese
e O Céu e o Inferno –, cada uma delas esmiuçando uma de suas
quatro partes, não é um tratado completo de Espiritismo, importa concluir, por
óbvio, que novas coisas podem surgir fora das bases inamovíveis que são os seus
princípios básicos, entre eles: mediunidade, influência dos Espíritos em nossas
vidas, lei do progresso, reencarnação, mundo espiritual, pluralidade dos mundos
habitados etc.
Completamos com essa outra fala de Kardec,
publicada na Revista Espírita 1868:
O programa da Doutrina não será, pois,
invariável senão sobre os princípios passados ao estado de verdades constatadas; para os outros, ela
não os admitirá, como sempre o fez, senão a título de hipóteses até a
confirmação. Se lhe for demonstrado que ela está no erro sobre um ponto,
ela se modificará sobre esse ponto. (KARDEC, 1993j, p. 377, grifo nosso.)
Ora, do jeito que as coisas andam, ao que tudo
indica, não há a mínima possibilidade de vir nada mais, já que se está fazendo
com a Doutrina Espírita o que os cristãos fizeram com as revelações divinas,
fechando-as num livro – a Bíblia, no nosso caso, nessas cinco obras
mencionadas.
É óbvio que não podemos aceitar qualquer
novidade sem antes passá-la pelo crivo do CUEE, conforme orienta Kardec no
artigo “Autoridade da Doutrina Espírita – Controle Universal do Ensinamento dos
Espíritos” (KARDEC, 1993h, p. 99-105); pois aí descambaremos para uma
credulidade cega, ou seja, enquanto não for aceita como racional pela
maioria, não devemos considerar como coisa definida. Não é o caso do que
acontece, principalmente, no Brasil – uns aceitando facilmente, outros
condenando sistematicamente; não havendo prudência de nenhuma das partes.
A não ser que tenhamos passado batido, em
nenhum lugar foi estabelecido um número líquido e certo de médiuns/Espíritos
para que se possa considerar como exercido o CUEE. Entretanto, aponta algumas
condições imprescindíveis para tal empreendimento, que as resumimos nesses três
pontos de controle:
1º controle: o da lógica e da razão;
2º controle: o da uniformidade de opinião da
maioria dos Espíritos;
3º controle: concordância das revelações vindas
por vários médiuns, estranhos uns aos outros e de várias localidades, de
preferência que não tenham conhecimento do que os outros disseram antes.
Do artigo “A minha primeira iniciação no
Espiritismo”, constante de Obras Póstumas, transcrevemos este
pequeno trecho:
Não me contentei, entretanto, com essa
verificação; os Espíritos assim mo haviam recomendado. Tendo-me as
circunstâncias posto em relação com outros médiuns, sempre que se apresentava
ocasião eu a aproveitava para propor algumas das questões que me pareciam
espinhosas. Foi assim que mais de dez médiuns prestaram concurso a esse
trabalho. Da comparação e da fusão de todas as respostas; coordenadas,
classificadas e muitas vezes retocadas no silêncio da meditação, foi que
elaborei a primeira edição de O Livro dos Espíritos, entregue à
publicidade em 18 de abril de 1857. (KARDEC, 2006a, p. 301, grifo nosso.)
Da obra O Livro dos Espíritos –
primeira edição de 18 de abril de 1857, publicada pelo IPECE – Instituto de
Ensino e Pesquisa da Cultura Espírita, encontramos essa informação:
[…] Pode-se considerar que todo o texto que
forma primeira edição de “O Livro dos Espíritos” foi obtido apenas com a
participação da mediunidade de efeitos físicos, pertinentes a três médiuns
adolescentes: Julie, 12 anos; Japhet, 15 anos; e Caroline, 14 anos. Isso porque
os enxertos que o professor Rivail fez nos textos compilados, com a ajuda de
cerca de uma dezena de médiuns de efeitos intelectuais, foram sendo
sucessivamente corrigidos pela plêiade de Espíritos desencarnados que atuava
nas residências dos Srs. Roustan e Baudin, através de Julie, Caroline e Japhet,
e por ela suprimidos. […]. (KARDEC, 2004, p. 23).
Na Revista Espírita 1858, Kardec
publica um artigo intitulado “Da pluralidade das existências corpóreas”, do
qual extraímos esse parágrafo:
[…] Temos ainda uma outra refutação a opor é
de que não foi ensinada somente a nós; ela o foi em muitos outros lugares, em
França e no estrangeiro; na Alemanha, na Holanda, na Rússia etc. e isso antes
mesmo da publicação de O Livro dos Espíritos. Acrescentamos
ainda que, desde que nos entregamos ao estudo do Espiritismo, tivemos
comunicações por mais de cinquenta médiuns, escreventes, falantes,
videntes etc., mais ou menos esclarecidos, de uma inteligência normal ou menos
limitada, alguns mesmo completamente iletrados, e por consequência inteiramente
estranhos às matérias filosóficas, e que, em nenhum caso, os Espíritos
foram desmentidos sobre essa questão; ocorre o mesmo em todos os círculos que
conhecemos, onde o mesmo princípio foi professado. Esse argumento não
é sem réplica, nós o sabemos, por isso nele não insistiremos mais que o
razoável. (KARDEC, p. 295, grifo nosso.)
Pelo que entendemos, Kardec buscou confirmar a
informação sobre a pluralidade de existências em mensagens recebidas por mais
de cinquenta médiuns. Entretanto, não se trata de ponto novo, como poder-se-ia
pensar, pois, já em abril de 1857, esse princípio constava da primeira edição
de O Livro dos Espíritos. Provavelmente, Kardec, por ainda não ter
se convencido plenamente da reencarnação, resolveu insistir nesse ponto.
Tomemos agora a Revista Espírita 1864,
para vermos novas informações. A primeira consta do artigo “Da perfeição dos
seres criados”:
A questão dos animais pede alguns
desenvolvimentos. Eles têm um princípio inteligente, isto é incontestável. De
que natureza é esse princípio? Que relações tem com o do homem? É estacionário
em cada espécie, ou progressivo passando de uma espécie à outra? Qual é para
ele o limite do progresso? Caminha paralelamente ao homem, ou bem é o mesmo
princípio que se elabora e ensaia a vida nas espécies inferiores, para receber
mais tarde novas faculdades e sofrer a transformação humana? São tantas
questões que ficaram insolúveis até este dia, e se o véu que cobre esse
mistério não foi ainda levantado pelos Espíritos, é que isso teria sido
prematuro: o homem não está ainda maduro para receber tanta luz. Vários
Espíritos deram, isto é verdade, teorias a esse respeito, mas nenhuma tem um
caráter bastante autêntico para ser aceita como verdade definitiva; não se
podem, pois, considerá-las, até nova ordem, senão como sistemas individuais. Só
a concordância pode dar-lhes uma consagração, porque aí está o único e
verdadeiro controle do ensino dos Espíritos. É por isso que estamos
longe de aceitar como verdades irrecusáveis tudo o que ensinam individualmente; um
princípio, qualquer que seja, para nós não adquire autenticidade senão pela
universalidade do ensinamento, quer dizer, pelas instruções idênticas dadas
sobre todos os pontos por médiuns estranhos uns aos outros e não
sofrendo as mesmas influências, notoriamente isentos de obsessões e assistidos
por Espíritos bons e esclarecidos, é preciso ouvir aqueles que provam a sua
superioridade pela elevação de seus pensamentos, a alta importância de seus
ensinos, não se contradizendo jamais, e não dizendo jamais nada que a lógica
mais rigorosa não possa admitir. Foi assim que foram controladas as diversas
partes da doutrina formulada em O Livro dos Espíritos e
em O Livro dos Médiuns. […].
Em geral, não se poderia trazer muita prudência em
fato de teorias novas sobre as quais pode-se iludir; também quantas delas
se viram, desde a origem do Espiritismo, que, prematuramente entregues à
publicidade, não tiveram senão uma existência efêmera! Assim o será com
todas aquelas que não tiverem senão um caráter individual e não tiverem sofrido
o controle da concordância. Em nossa posição, recebendo as
comunicações de perto de mil centros Espíritas sérios, disseminados sobre os
diversos pontos do globo, somos capazes de ver os princípios sobre os quais
essa concordância se estabelece; foi essa observação que nos guiou até este
dia, e será igualmente a que nos guiará nos novos campos que o Espiritismo está
chamado a explorar. É assim que, há algum tempo, notamos nas comunicações
vindas de diversos lados, tanto da França quanto do exterior, uma tendência a
entrar numa via nova, pelas revelações de uma natureza toda especial. Essas
revelações, frequentemente feitas com palavras veladas, passaram desapercebidas
para muitos daqueles que as obtiveram; muitos outros acreditaram só
eles tê-las; tomadas isoladamente, seriam para nós sem valor, mas a sua
coincidência lhes dá uma alta seriedade, da qual será capaz de julgar mais
tarde, quando chegar o momento de entregá-las à luz da publicidade.
(KARDEC, 1993h, p. 68-69, grifo nosso.)
Aqui vemos um dos pontos importantes do
Controle Universal que é o de serem os médiuns estranhos uns aos outros.
Kardec afirma ter recebido comunicações
(correspondências?) de perto de mil centros espíritas sérios e que pôde perceber
“os princípios sobre os quais essa concordância se estabelece”, o que, dentro
do contexto, está relacionado com a questão do princípio inteligente nos
animais. Lembremos que nessa época já havia sido publicada a segunda edição de O
Livro dos Espíritos (18.03.1860), portanto, parece-nos que para
assuntos “espinhosos” Kardec ampliava cada vez mais sua base de consulta, até
mesmo porque, com abertura de novos centros espíritas, pôde ter condições mais
favoráveis de estudar estes casos através do intercâmbio com eles.
O segundo artigo, dessa revista, tem o título
de “Autoridade da Doutrina – Controle Universal do Ensinamento dos Espíritos”.
Vejamos este trecho:
Por grande, bela e justa que seja uma ideia, é
impossível que ela una, desde o início, todas as opiniões. Os conflitos que dela
resultam são a consequência inevitável do movimento que se opera; são mesmo
necessários para melhor fazer ressaltar a verdade, e é útil que ocorram
no começo, para que as ideias falsas sejam mais prontamente gastas. Os Espíritas
que concebam algumas delas, tementes, devem, pois, estar perfeitamente
tranquilos. Todas as pretensões isoladas cairão, pela força das coisas diante
do grande e poderoso critério do controle universal. Não é à opinião de um
homem que se unirá, é à voz unânime dos Espíritos; não será um homem, não
mais nós do que um outro, que fundará a ortodoxia espírita; não será, não
mais, um Espírito vindo se impor a quem quer que seja: será a universalidade
dos Espíritos se comunicando sobre toda a Terra por ordem de Deus; aí está o
caráter essencial da Doutrina Espírita; aí está a sua força, aí está a sua
autoridade. Deus quis que a sua lei se assentasse sobre uma base inabalável,
foi por isso que não a fez repousar sobre a cabeça frágil de um único homem.
(KARDEC, 1993h, p. 104-105, grifo nosso.)
Fica, portanto, claro que o questionamento deve
mesmo surgir, e a discussão, além de ser algo saudável, pode evitar que sigamos
por uma trilha cheia de pedregulhos. Entretanto, o que temos visto é confrades
querendo impor suas opiniões ou achando-as ser as únicas que devem prevalecer,
sem se darem conta de que também as opiniões deles são individuais, e que, além
de não terem força de lei, podem ser justas ou não.
Avancemos. Agora temos em mãos a Revista
Espírita 1867, da qual transcreveremos trechos de dois artigos. O primeiro
é, na verdade, uma pequena nota em que se menciona o jornal Progrès
Espiritualiste:
Novo jornal aparecendo duas vezes por mês,
desde 15 de abril, no formato do antigo Avenir, ao qual ele
anuncia suceder. O Avenir foi feito o representante de ideias
às quais não podíamos dar a nossa adesão. Não é uma razão para que essas ideias
não tenham seu órgão, a fim de que cada um esteja de modo a apreciá-las, e que
se possa julgar de seu valor pela simpatia que elas encontram na maioria dos
Espíritas e sua concordância com o ensino da generalidade dos Espíritos. O
Espiritismo não adotando senão os princípios consagrados pela universalidade do
ensino, sancionado pela razão e pela lógica, sempre caminhou, e sempre
caminhará com a maioria; é o que faz a sua força. Não há, pois, nada a
temer das ideias divergentes; se elas são justas, prevalecerão, e serão
adotadas; se são falsas, cairão. (KARDEC, 1999, p. 191, grifo nosso.)
Queremos chamar a atenção para o “sempre
caminhará com a maioria”, pois pensam alguns que Universalidade signifique
unanimidade do ensino, até mesmo porque esta palavra, algumas vezes, é
utilizada parecendo ter este sentido; mas, ao nosso modo de ver, significa a
“maioria” e não “todos”.
Das considerações de Kardec no artigo “Fernande
– novela espírita”, transcrevemos:
Espanta-se, enfim, de ver Fernande, Espírito
avançado, sustentar esta proposição de um outro tempo: “Laura se torna mãe;
Deus teve piedade dela, e chamou a ele essa criança. Às vezes ela vem revê-la.
Ela é triste, porque estando morta sem batismo, não gozará jamais da
contemplação divina”. Assim, eis um Espírito que Deus chama a ele, e que é para
sempre infeliz e privado da contemplação de Deus, porque não recebeu o batismo,
quando não dependeu dele recebê-lo, e que a falta é do próprio Deus que o
chamou muito cedo. Foram essas doutrinas que fizeram tantos incrédulos, e se
esperam fazê-las passar com o favor das ideias espíritas que tomam raízes,
enganam; aceitar-se-ão as ideias espíritas do que é racional e sancionado
pela universalidade do ensino dos Espíritos. Se há ainda aí da transação,
ela é inábil. Colocamos a esse respeito que, sobre mil centros
espíritas onde as proporções que acabamos de criticar seriam submetidas aos
Espíritos, delas novecentos e noventa serão resolvidas em sentido contrário.
Foi a universalidade do ensino, sancionada,
além disso, pela lógica, que fez e que completará a Doutrina Espírita. Esta doutrina
haure, nessa universalidade do ensino dado sobre todos os pontos do
globo, por Espíritos diferentes, e em centros completamente estranhos uns aos
outros, e que não sofrem nenhuma pressão comum, uma força contra a qual
lutariam em vão as opiniões individuais, seja dos Espíritos, seja dos homens. A
aliança que se pretendia estabelecer das ideias espíritas com ideias
contraditórias não pode ser senão efêmera e localizada. As opiniões
individuais podem ligar alguns indivíduos, mas forçosamente circunscritas, elas
não podem ligar a maioria, a menos de ter a sanção dessa maioria. Repelidas
pelo maior número, são sem vitalidade, e se extinguem com os seus
representantes.
Isto é o resultado de um cálculo todo matemático.
Se, sobre mil centros, há 990 deles onde se ensina a mesma lição, e dez de uma
facção contrária, é evidente que a opinião dominante será a de 990 sobre 1000,
quer dizer, a quase unanimidade. Pois bem! Estamos certos de fazer uma
parte muito ampla nas ideias divergentes, levando-as a um centésimo. Não
formulando um princípio antes de estar assegurado pelo consentimento geral,
estamos sempre de acordo com a opinião da maioria. (KARDEC, 1999, p. 230-231,
grifo nosso.)
Reforça o fato de que não é questão de
unanimidade, mas, sim, de “a maioria”, para se considerar algo novo,
especialmente como um ponto doutrinário.
Em A Gênese, no artigo “Doutrina
dos anjos decaídos e da perda do paraíso” há a seguinte nota explicativa:
Quando, na Revue Spirite de
janeiro de 1862, publicamos um artigo sobre a interpretação da doutrina
dos anjos decaídos, apresentamos essa teoria como simples hipótese, sem
outra autoridade afora a de uma opinião pessoal controvertível, porque nos
faltavam então elementos bastantes para uma afirmação peremptória. Expusemo-la
a título de ensaio, tendo em vista provocar o exame da questão, decidido,
porém, a abandoná-la ou modificá-la, se fosse preciso. Presentemente,
essa teoria já passou pela prova do controle universal. Não só foi
bem aceita pela maioria dos espíritas, como a mais racional e a mais
concorde com a soberana justiça de Deus, mas também foi confirmada pela
generalidade das instruções que os Espíritos deram sobre o assunto. O mesmo
se verificou com a que concerne à origem da raça adâmica. (KARDEC, 2007e, p.
262, grifo nosso.)
Muito interessante Kardec dizer, na sua
justificativa, que “Não só foi bem-aceita pela maioria dos espíritas”, pois
valoriza a opinião também dos encarnados sobre determinado ponto,
provavelmente, ligada à questão da lógica e da razão. Essa certamente é a razão
pela qual sempre publicava alguma coisa esperando ver a reação que ela
provocaria nos espíritas.
Novamente ressaltamos que “generalidade” não é
unanimidade, para que fique bem entendida essa questão.
Acreditamos que duas outras falas de Kardec,
que o confrade Elio Mollo, site Era do Espírito (www.eradoespirito.net), nos
lembrou, via e-mail, podem acrescentar algo importante ao nosso estudo. A
primeira consta de O Livro dos Médiuns, cap. III, item 35:
[…] Os que desejem tudo conhecer de uma ciência
devem necessariamente ler tudo o que se ache escrito sobre a
matéria, ou, pelo menos, o que haja de principal, não se limitando a um
único autor. Devem mesmo ler o pró e o contra, as críticas como as
apologias, inteirar-se dos diferentes sistemas, a fim de poderem
julgar por comparação.
Por esse lado, não preconizamos, nem
criticamos obra alguma, visto não querermos, de nenhum modo, influenciar a
opinião que dela se possa formar. Trazendo nossa pedra ao edifício,
colocamo-nos nas fileiras. Não nos cabe ser juiz e parte e não alimentamos a
ridícula pretensão de ser o único distribuidor da luz. Toca ao leitor
separar o bom do mau, o verdadeiro do falso. (KARDEC, 2007b, p. 53, grifo
nosso.)
A fala com que Kardec fecha o texto merece uma
boa reflexão por todos nós: “não alimentamos a ridícula pretensão de ser o
único distribuidor de luz”.
A segunda encontra-se na obra Catálogo
Racional – obras para se fundar uma biblioteca espírita; isso deve parecer
grego para muitos espíritas; mas, sim, caro leitor, Kardec publicou uma obra
com este título. Vejamos o que ele diz no início do capítulo “Obras Contra o
Espiritismo”:
Proibir um livro é sinal de que se o teme. O Espiritismo,
longe de temer a divulgação dos escritos publicados contra si e proibir-lhes a
leitura a seus adeptos, chama a atenção destes e do público para tais obras, a
fim de que possam julgar por comparação. […]. (KARDEC, 2004, p. 85, grifo
nosso.)
Nessas duas falas, destacam-se esses pontos: “é
proibido proibir”; “não se deve criticar (negativamente) obra alguma”; “não se
limitar à leitura de um só autor”; “ler tudo, seja a favor ou contra”; “devemos
julgar por comparação” e “cabe ao leitor separar o joio do trigo”. Infelizmente,
nada disso é observado pela grande maioria dos espíritas dessa terra dos
tupiniquins.
Acreditamos que, aqui, temos boas informações
sobre as quais devemos refletir com mais carinho, pois, quase todos nós,
estamos, de forma alguma, querendo impor nossas ideias aos outros sobre essa
questão do CUEE.
Para nós, ficou bem clara a questão de não
podermos desconsiderar a opinião de eminentes estudiosos, devemos ouvi-los,
sim, mas isso não querer dizer que sempre estejam certos, apenas que devemos
dar uma maior atenção ao que dizem. E que muitos companheiros, sem terem
opiniões contrárias de outros Espíritos, negam os pontos apresentados por
outros, combatem certas ideias vindas por alguns deles, contrariando o que o
Codificador orienta.
Por outro lado, quando apresentamos a uma
pessoa dessas, ou seja, a um estudioso da doutrina, para justificar algum ponto
que achamos correto, vemos uma negação sistemática do que ele pensa, para com
isso, fazer prevalecer a opinião de quem nega o ponto, é algo como que um tiro
pela culatra, pois, se quem nega não aceita a opinião de um estudioso, por que
nós, que lhe ouvimos ou lemos, deveremos aceitar a dele, já que também o que
pensa é uma opinião individual?
Infelizmente, não poucos os que se comportam
como sendo os donos da verdade; a esses, dirigimos esta frase de Kardec: “O
homem que julga infalível a sua razão está bem perto do erro”. (KARDEC, 2007a,
p. 38.)
Referências
bibliográficas:
KARDEC,
A. A Gênese. Rio de Janeiro: FEB, 2007e.
KARDEC,
A. Catálogo racional – obras para se fundar uma biblioteca espírita.
São Paulo: Madras: USE, 2004.
KARDEC,
A. O Livro dos Espíritos – primeira edição de 18 de abril de 1857.
São Paulo: IPECE, 2004.
KARDEC,
A. O Livro dos Espíritos. Rio de Janeiro: FEB, 2007a.
KARDEC,
A. O Livro dos Médiuns. Rio de Janeiro: FEB, 2007b.
KARDEC,
A. Obras Póstumas. Rio de Janeiro: FEB, 2006a.
KARDEC,
A. Revista Espírita 1858. Araras, SP: IDE, 2001a.
KARDEC,
A. Revista Espírita 1864. Araras, SP: IDE, 1993h.
KARDEC,
A. Revista Espírita 1866. Araras, SP: IDE, 1993i.
KARDEC,
A. Revista Espírita 1867. Araras, SP: IDE, 1999.
Fonte:
Revista eletrônica O Consolador, edições 412 e 413
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