domingo, 10 de maio de 2015

Controle Universal do Ensino dos Espíritos

O concurso de quantos médiuns será necessário para se ter o Controle Universal?

Paulo da Silva Neto Sobrinho
paulosnetos@gmail.com
Belo Horizonte, MG (Brasil)

(publicado na revista eletrônica O Consolador - edições 412 e 413)

Dentre os grandes problemas que surgem, ao se falar em Controle Universal do Ensinamento dos Espíritos – CUEE, um deles é o de que as opiniões dão ideia (ou são no sentido) de que é preciso a confirmação de milhares de Espíritos, e que todos falem da mesma forma sobre o mesmo fato.
Muitos companheiros, que exigem a aplicação do CUEE para determinadas revelações, quase que massacram o médium que as recebeu, chegam a ponto de taxar de pseudossábio determinado Espírito que ousou trazê-las, ainda que não tenha sido o primeiro a revelá-las, o que muitas vezes esses companheiros nem ao menos sabem disso.
Parece-nos que esses discípulos querem ser maiores que o Mestre, pois Kardec, diante de Os quatro evangelhos, não desqualificou seu autor e nem os supostos Espíritos que os ditaram, como se tem feito por aí, em relação a dois determinados Espíritos. Vejamos este trecho do artigo “Os evangelhos explicados”, publicado por Kardec na Revista Espírita 1866
O autor dessa nova obra acreditou dever seguir um outro caminho; em lugar de proceder por graduação, quis alcançar o objetivo de um golpe. Tratou, por certas questões que não julgamos oportuno abordar ainda, e das quais, consequentemente lhe deixamos a responsabilidade, assim como aos Espíritos que os comentaram. Consequente com o nosso princípio, que consiste em regular a nossa caminhada sobre o desenvolvimento da opinião, não daremos, até nova ordem, às suas teorias, nem aprovação, nem desaprovação, deixando ao tempo o cuidado de sancioná-las ou de contradizê-las. Convém, pois, considerar essas explicações como opiniões pessoais dos Espíritos que as formularam, opiniões que podem ser justas ou falsas, e que, em todos os casos, têm necessidade da sanção do controle universal, e até mais ampla confirmação não poderiam ser consideradas como partes integrantes da Doutrina Espírita. (KARDEC, 1993i, p. 190-191, grifo nosso.) 
É certo que Kardec aborda um ponto específico da obra, qual seja o fato de se advogar um corpo fluídico para Cristo; entretanto, elegantemente, e sem nenhum tipo de desprezo, e nem com acrimônia, comenta: 
Dissemos que o livro do Sr. Roustaing não se afasta dos princípios de O Livro dos Espíritos e o dos médiuns; nossas observações levam, pois, sobre a aplicação desses mesmos princípios à interpretação de certos fatos. É assim, por exemplo, que dá ao Cristo, em lugar de um corpo carnal, um corpo fluídico concretizado, tendo todas as aparências da materialidade, e dele faz um agênere. Aos olhos dos homens que não teriam podido compreender, então, sua natureza espiritual, teve que passar EM APARÊNCIA, essa palavra é incessantemente repetida em todo o curso da obra, para todas as vicissitudes da Humanidade. Assim se explicaria o mistério de seu nascimento: Maria não teria tido senão as aparências da gravidez. Este ponto, colocado por premissa e pedra angular, é a base sobre a qual se apoia para explicação de todos os fatos extraordinários ou miraculosos da vida de Jesus.
Sem dúvida, não há aí nada de materialmente impossível para quem conhece as propriedades do envoltório perispiritual; sem nos pronunciar pró ou contra essa teoria diremos que ela é ao menos hipotética, e que, se um dia ela fosse reconhecida errada, a base sendo falsa, o edifício desmoronaria. Esperamos, pois, os numerosos comentários que ela não deixará de provocar da parte dos Espíritos, e que contribuirão para elucidar a questãoSem prejulgá-la, diremos que já foram feitas objeções sérias a essa teoria, e que, na nossa opinião, os fatos podem perfeitamente se explicar sem sair das condições da Humanidade corpórea.
Estas observações, subordinadas à sanção do futuro, não diminuem nada a importância dessa obra que, ao lado das coisas duvidosas do nosso ponto de vista, delas encerra, incontestavelmente, boas e verdadeiras, e será consultada proveitosamente pelos espíritas sérios. (KARDEC, 1993i, p. 191-192, grifo nosso.) 
Observamos que Kardec foi prudente, não condenou, deixando para que os Espíritos, no futuro, pudessem se manifestar sobre o tema. Foi além, recomendando a sua leitura pelos Espíritas sérios, o que certamente deixarão alguns confrades pasmos.
Em A Gênese, no item “Desaparecimento do corpo de Jesus” temos algumas considerações sobre a questão do corpo fluídico, que julgamos procederem, se não diretamente dos Espíritos, foram via indireta, provavelmente por inspiração, ditadas a Kardec.
Ao fechar este artigo, Kardec diz: 
Se o fundo de um livro é o principal, a forma não é de se desdenhar, e entra também por alguma coisa no sucesso. Achamos que certas partes são desenvolvidas muito longamente, sem proveito para a clareza. Na nossa opinião, se, limitando-se ao estrito necessário, ter-se-ia podido reduzir a obra em dois, ou mesmo em um único volume, teria ganhado em popularidade. (KARDEC, 1993i, p. 192.) 
Ou seja, na opinião de Kardec houve prolixidade na obra, mas não recomendou a ninguém que não a lesse, nem, muito menos, fez qualquer artigo contestando-a ponto a ponto.
Um pouco à frente, nessa mesma obra, encontramos algo que, alhures, já mencionamos; mas é necessário voltarmos a ela para bem nos situarmos aqui nesse estudo: “O Livro dos Espíritos não é um tratado completo do Espiritismo; não faz senão colocar-lhe as bases e os pontos fundamentais, que devem se desenvolver sucessivamente pelo estudo e pela observação”. (KARDEC, 1993i, p. 223, grifo nosso.)
Se a principal obra da Codificação – O Livro dos Espíritos –, que se desdobra em novas publicações – O Livro dos Médiuns, O Evangelho segundo o Espiritismo, A Gênese e O Céu e o Inferno –, cada uma delas esmiuçando uma de suas quatro partes, não é um tratado completo de Espiritismo, importa concluir, por óbvio, que novas coisas podem surgir fora das bases inamovíveis que são os seus princípios básicos, entre eles: mediunidade, influência dos Espíritos em nossas vidas, lei do progresso, reencarnação, mundo espiritual, pluralidade dos mundos habitados etc.
Completamos com essa outra fala de Kardec, publicada na Revista Espírita 1868: 
O programa da Doutrina não será, pois, invariável senão sobre os princípios passados ao estado de verdades constatadas; para os outros, ela não os admitirá, como sempre o fez, senão a título de hipóteses até a confirmação. Se lhe for demonstrado que ela está no erro sobre um ponto, ela se modificará sobre esse ponto. (KARDEC, 1993j, p. 377, grifo nosso.) 
Ora, do jeito que as coisas andam, ao que tudo indica, não há a mínima possibilidade de vir nada mais, já que se está fazendo com a Doutrina Espírita o que os cristãos fizeram com as revelações divinas, fechando-as num livro – a Bíblia, no nosso caso, nessas cinco obras mencionadas.
É óbvio que não podemos aceitar qualquer novidade sem antes passá-la pelo crivo do CUEE, conforme orienta Kardec no artigo “Autoridade da Doutrina Espírita – Controle Universal do Ensinamento dos Espíritos” (KARDEC, 1993h, p. 99-105); pois aí descambaremos para uma credulidade cega, ou seja, enquanto não for aceita como racional pela maioria, não devemos considerar como coisa definida. Não é o caso do que acontece, principalmente, no Brasil – uns aceitando facilmente, outros condenando sistematicamente; não havendo prudência de nenhuma das partes.
A não ser que tenhamos passado batido, em nenhum lugar foi estabelecido um número líquido e certo de médiuns/Espíritos para que se possa considerar como exercido o CUEE. Entretanto, aponta algumas condições imprescindíveis para tal empreendimento, que as resumimos nesses três pontos de controle:
1º controle: o da lógica e da razão;
2º controle: o da uniformidade de opinião da maioria dos Espíritos;
3º controle: concordância das revelações vindas por vários médiuns, estranhos uns aos outros e de várias localidades, de preferência que não tenham conhecimento do que os outros disseram antes.
Do artigo “A minha primeira iniciação no Espiritismo”, constante de Obras Póstumas, transcrevemos este pequeno trecho: 
Não me contentei, entretanto, com essa verificação; os Espíritos assim mo haviam recomendado. Tendo-me as circunstâncias posto em relação com outros médiuns, sempre que se apresentava ocasião eu a aproveitava para propor algumas das questões que me pareciam espinhosas. Foi assim que mais de dez médiuns prestaram concurso a esse trabalho. Da comparação e da fusão de todas as respostas; coordenadas, classificadas e muitas vezes retocadas no silêncio da meditação, foi que elaborei a primeira edição de O Livro dos Espíritos, entregue à publicidade em 18 de abril de 1857. (KARDEC, 2006a, p. 301, grifo nosso.) 
Da obra O Livro dos Espíritos – primeira edição de 18 de abril de 1857, publicada pelo IPECE – Instituto de Ensino e Pesquisa da Cultura Espírita, encontramos essa informação: 
[…] Pode-se considerar que todo o texto que forma primeira edição de “O Livro dos Espíritos” foi obtido apenas com a participação da mediunidade de efeitos físicos, pertinentes a três médiuns adolescentes: Julie, 12 anos; Japhet, 15 anos; e Caroline, 14 anos. Isso porque os enxertos que o professor Rivail fez nos textos compilados, com a ajuda de cerca de uma dezena de médiuns de efeitos intelectuais, foram sendo sucessivamente corrigidos pela plêiade de Espíritos desencarnados que atuava nas residências dos Srs. Roustan e Baudin, através de Julie, Caroline e Japhet, e por ela suprimidos. […]. (KARDEC, 2004, p. 23). 
Na Revista Espírita 1858, Kardec publica um artigo intitulado “Da pluralidade das existências corpóreas”, do qual extraímos esse parágrafo: 
[…] Temos ainda uma outra refutação a opor é de que não foi ensinada somente a nós; ela o foi em muitos outros lugares, em França e no estrangeiro; na Alemanha, na Holanda, na Rússia etc. e isso antes mesmo da publicação de O Livro dos EspíritosAcrescentamos ainda que, desde que nos entregamos ao estudo do Espiritismo, tivemos comunicações por mais de cinquenta médiuns, escreventes, falantes, videntes etc., mais ou menos esclarecidos, de uma inteligência normal ou menos limitada, alguns mesmo completamente iletrados, e por consequência inteiramente estranhos às matérias filosóficas, e que, em nenhum caso, os Espíritos foram desmentidos sobre essa questão; ocorre o mesmo em todos os círculos que conhecemos, onde o mesmo princípio foi professado. Esse argumento não é sem réplica, nós o sabemos, por isso nele não insistiremos mais que o razoável. (KARDEC, p. 295, grifo nosso.)
Pelo que entendemos, Kardec buscou confirmar a informação sobre a pluralidade de existências em mensagens recebidas por mais de cinquenta médiuns. Entretanto, não se trata de ponto novo, como poder-se-ia pensar, pois, já em abril de 1857, esse princípio constava da primeira edição de O Livro dos Espíritos. Provavelmente, Kardec, por ainda não ter se convencido plenamente da reencarnação, resolveu insistir nesse ponto.
Tomemos agora a Revista Espírita 1864, para vermos novas informações. A primeira consta do artigo “Da perfeição dos seres criados”: 
A questão dos animais pede alguns desenvolvimentos. Eles têm um princípio inteligente, isto é incontestável. De que natureza é esse princípio? Que relações tem com o do homem? É estacionário em cada espécie, ou progressivo passando de uma espécie à outra? Qual é para ele o limite do progresso? Caminha paralelamente ao homem, ou bem é o mesmo princípio que se elabora e ensaia a vida nas espécies inferiores, para receber mais tarde novas faculdades e sofrer a transformação humana? São tantas questões que ficaram insolúveis até este dia, e se o véu que cobre esse mistério não foi ainda levantado pelos Espíritos, é que isso teria sido prematuro: o homem não está ainda maduro para receber tanta luz. Vários Espíritos deram, isto é verdade, teorias a esse respeito, mas nenhuma tem um caráter bastante autêntico para ser aceita como verdade definitiva; não se podem, pois, considerá-las, até nova ordem, senão como sistemas individuais. Só a concordância pode dar-lhes uma consagração, porque aí está o único e verdadeiro controle do ensino dos Espíritos. É por isso que estamos longe de aceitar como verdades irrecusáveis tudo o que ensinam individualmente; um princípio, qualquer que seja, para nós não adquire autenticidade senão pela universalidade do ensinamento, quer dizer, pelas instruções idênticas dadas sobre todos os pontos por médiuns estranhos uns aos outros e não sofrendo as mesmas influências, notoriamente isentos de obsessões e assistidos por Espíritos bons e esclarecidos, é preciso ouvir aqueles que provam a sua superioridade pela elevação de seus pensamentos, a alta importância de seus ensinos, não se contradizendo jamais, e não dizendo jamais nada que a lógica mais rigorosa não possa admitir. Foi assim que foram controladas as diversas partes da doutrina formulada em O Livro dos Espíritos  e  em O Livro dos Médiuns. […].
Em geral, não se poderia trazer muita prudência em fato de teorias novas sobre as quais pode-se iludir; também quantas delas se viram, desde a origem do Espiritismo, que, prematuramente entregues à publicidade, não tiveram senão uma existência efêmera! Assim o será com todas aquelas que não tiverem senão um caráter individual e não tiverem sofrido o controle da concordância. Em nossa posição, recebendo as comunicações de perto de mil centros Espíritas sérios, disseminados sobre os diversos pontos do globo, somos capazes de ver os princípios sobre os quais essa concordância se estabelece; foi essa observação que nos guiou até este dia, e será igualmente a que nos guiará nos novos campos que o Espiritismo está chamado a explorar. É assim que, há algum tempo, notamos nas comunicações vindas de diversos lados, tanto da França quanto do exterior, uma tendência a entrar numa via nova, pelas revelações de uma natureza toda especial. Essas revelações, frequentemente feitas com palavras veladas, passaram desapercebidas para muitos daqueles que as obtiveram; muitos outros acreditaram só eles tê-las; tomadas isoladamente, seriam para nós sem valor, mas a sua coincidência lhes dá uma alta seriedade, da qual será capaz de julgar mais tarde, quando chegar o momento de entregá-las à luz da publicidade. (KARDEC, 1993h, p. 68-69, grifo nosso.) 
Aqui vemos um dos pontos importantes do Controle Universal que é o de serem os médiuns estranhos uns aos outros.
Kardec afirma ter recebido comunicações (correspondências?) de perto de mil centros espíritas sérios e que pôde perceber “os princípios sobre os quais essa concordância se estabelece”, o que, dentro do contexto, está relacionado com a questão do princípio inteligente nos animais. Lembremos que nessa época já havia sido publicada a segunda edição de O Livro dos Espíritos (18.03.1860), portanto, parece-nos que para assuntos “espinhosos” Kardec ampliava cada vez mais sua base de consulta, até mesmo porque, com abertura de novos centros espíritas, pôde ter condições mais favoráveis de estudar estes casos através do intercâmbio com eles.
O segundo artigo, dessa revista, tem o título de “Autoridade da Doutrina – Controle Universal do Ensinamento dos Espíritos”. Vejamos este trecho: 
Por grande, bela e justa que seja uma ideia, é impossível que ela una, desde o início, todas as opiniões. Os conflitos que dela resultam são a consequência inevitável do movimento que se opera; são mesmo necessários para melhor fazer ressaltar a verdade, e é útil que ocorram no começo, para que as ideias falsas sejam mais prontamente gastas. Os Espíritas que concebam algumas delas, tementes, devem, pois, estar perfeitamente tranquilos. Todas as pretensões isoladas cairão, pela força das coisas diante do grande e poderoso critério do controle universal. Não é à opinião de um homem que se unirá, é à voz unânime dos Espíritos; não será um homem, não mais nós do que um outro, que fundará a ortodoxia espírita; não será, não mais, um Espírito vindo se impor a quem quer que seja: será a universalidade dos Espíritos se comunicando sobre toda a Terra por ordem de Deus; aí está o caráter essencial da Doutrina Espírita; aí está a sua força, aí está a sua autoridade. Deus quis que a sua lei se assentasse sobre uma base inabalável, foi por isso que não a fez repousar sobre a cabeça frágil de um único homem. (KARDEC, 1993h, p. 104-105, grifo nosso.) 
Fica, portanto, claro que o questionamento deve mesmo surgir, e a discussão, além de ser algo saudável, pode evitar que sigamos por uma trilha cheia de pedregulhos. Entretanto, o que temos visto é confrades querendo impor suas opiniões ou achando-as ser as únicas que devem prevalecer, sem se darem conta de que também as opiniões deles são individuais, e que, além de não terem força de lei, podem ser justas ou não.
Avancemos. Agora temos em mãos a Revista Espírita 1867, da qual transcreveremos trechos de dois artigos. O primeiro é, na verdade, uma pequena nota em que se menciona o jornal Progrès Espiritualiste
Novo jornal aparecendo duas vezes por mês, desde 15 de abril, no formato do antigo Avenir, ao qual ele anuncia suceder. O Avenir foi feito o representante de ideias às quais não podíamos dar a nossa adesão. Não é uma razão para que essas ideias não tenham seu órgão, a fim de que cada um esteja de modo a apreciá-las, e que se possa julgar de seu valor pela simpatia que elas encontram na maioria dos Espíritas e sua concordância com o ensino da generalidade dos Espíritos. O Espiritismo não adotando senão os princípios consagrados pela universalidade do ensino, sancionado pela razão e pela lógica, sempre caminhou, e sempre caminhará com a maioria; é o que faz a sua força. Não há, pois, nada a temer das ideias divergentes; se elas são justas, prevalecerão, e serão adotadas; se são falsas, cairão. (KARDEC, 1999, p. 191, grifo nosso.) 
Queremos chamar a atenção para o “sempre caminhará com a maioria”, pois pensam alguns que Universalidade signifique unanimidade do ensino, até mesmo porque esta palavra, algumas vezes, é utilizada parecendo ter este sentido; mas, ao nosso modo de ver, significa a “maioria” e não “todos”.
Das considerações de Kardec no artigo “Fernande – novela espírita”, transcrevemos: 
Espanta-se, enfim, de ver Fernande, Espírito avançado, sustentar esta proposição de um outro tempo: “Laura se torna mãe; Deus teve piedade dela, e chamou a ele essa criança. Às vezes ela vem revê-la. Ela é triste, porque estando morta sem batismo, não gozará jamais da contemplação divina”. Assim, eis um Espírito que Deus chama a ele, e que é para sempre infeliz e privado da contemplação de Deus, porque não recebeu o batismo, quando não dependeu dele recebê-lo, e que a falta é do próprio Deus que o chamou muito cedo. Foram essas doutrinas que fizeram tantos incrédulos, e se esperam fazê-las passar com o favor das ideias espíritas que tomam raízes, enganam; aceitar-se-ão as ideias espíritas do que é racional e sancionado pela universalidade do ensino dos Espíritos. Se há ainda aí da transação, ela é inábil. Colocamos a esse respeito que, sobre mil centros espíritas onde as proporções que acabamos de criticar seriam submetidas aos Espíritos, delas novecentos e noventa serão resolvidas em sentido contrário.
Foi a universalidade do ensino, sancionada, além disso, pela lógica, que fez e que completará a Doutrina Espírita. Esta doutrina haure, nessa universalidade do ensino dado sobre todos os pontos do globo, por Espíritos diferentes, e em centros completamente estranhos uns aos outros, e que não sofrem nenhuma pressão comum, uma força contra a qual lutariam em vão as opiniões individuais, seja dos Espíritos, seja dos homens. A aliança que se pretendia estabelecer das ideias espíritas com ideias contraditórias não pode ser senão efêmera e localizada. As opiniões individuais podem ligar alguns indivíduos, mas forçosamente circunscritas, elas não podem ligar a maioria, a menos de ter a sanção dessa maioria. Repelidas pelo maior número, são sem vitalidade, e se extinguem com os seus representantes.
Isto é o resultado de um cálculo todo matemático. Se, sobre mil centros, há 990 deles onde se ensina a mesma lição, e dez de uma facção contrária, é evidente que a opinião dominante será a de 990 sobre 1000, quer dizer, a quase unanimidade. Pois bem! Estamos certos de fazer uma parte muito ampla nas ideias divergentes, levando-as a um centésimo. Não formulando um princípio antes de estar assegurado pelo consentimento geral, estamos sempre de acordo com a opinião da maioria. (KARDEC, 1999, p. 230-231, grifo nosso.) 
Reforça o fato de que não é questão de unanimidade, mas, sim, de “a maioria”, para se considerar algo novo, especialmente como um ponto doutrinário.
Em A Gênese, no artigo “Doutrina dos anjos decaídos e da perda do paraíso” há a seguinte nota explicativa: 
Quando, na Revue Spirite de janeiro de 1862, publicamos um artigo sobre a interpretação da doutrina dos anjos decaídos, apresentamos essa teoria como simples hipótese, sem outra autoridade afora a de uma opinião pessoal controvertível, porque nos faltavam então elementos bastantes para uma afirmação peremptória. Expusemo-la a título de ensaio, tendo em vista provocar o exame da questão, decidido, porém, a abandoná-la ou modificá-la, se fosse preciso. Presentemente, essa teoria já passou pela prova do controle universal. Não só foi bem aceita pela maioria dos espíritas, como a mais racional e a mais concorde com a soberana justiça de Deus, mas também foi confirmada pela generalidade das instruções que os Espíritos deram sobre o assunto. O mesmo se verificou com a que concerne à origem da raça adâmica. (KARDEC, 2007e, p. 262, grifo nosso.) 
Muito interessante Kardec dizer, na sua justificativa, que “Não só foi bem-aceita pela maioria dos espíritas”, pois valoriza a opinião também dos encarnados sobre determinado ponto, provavelmente, ligada à questão da lógica e da razão. Essa certamente é a razão pela qual sempre publicava alguma coisa esperando ver a reação que ela provocaria nos espíritas.
Novamente ressaltamos que “generalidade” não é unanimidade, para que fique bem entendida essa questão.
Acreditamos que duas outras falas de Kardec, que o confrade Elio Mollo, site Era do Espírito (www.eradoespirito.net), nos lembrou, via e-mail, podem acrescentar algo importante ao nosso estudo. A primeira consta de O Livro dos Médiuns, cap. III, item 35: 
[…] Os que desejem tudo conhecer de uma ciência devem necessariamente ler tudo o que se ache escrito sobre a matéria, ou, pelo menos, o que haja de principal, não se limitando a um único autor. Devem mesmo ler o pró e o contra, as críticas como as apologias, inteirar-se dos diferentes sistemas, a fim de poderem julgar por comparação.
Por esse lado, não preconizamos, nem criticamos obra alguma, visto não querermos, de nenhum modo, influenciar a opinião que dela se possa formar. Trazendo nossa pedra ao edifício, colocamo-nos nas fileiras. Não nos cabe ser juiz e parte e não alimentamos a ridícula pretensão de ser o único distribuidor da luz. Toca ao leitor separar o bom do mau, o verdadeiro do falso. (KARDEC, 2007b, p. 53, grifo nosso.) 
A fala com que Kardec fecha o texto merece uma boa reflexão por todos nós: “não alimentamos a ridícula pretensão de ser o único distribuidor de luz”.
A segunda encontra-se na obra Catálogo Racional – obras para se fundar uma biblioteca espírita; isso deve parecer grego para muitos espíritas; mas, sim, caro leitor, Kardec publicou uma obra com este título. Vejamos o que ele diz no início do capítulo “Obras Contra o Espiritismo”: 
Proibir um livro é sinal de que se o teme. O Espiritismo, longe de temer a divulgação dos escritos publicados contra si e proibir-lhes a leitura a seus adeptos, chama a atenção destes e do público para tais obras, a fim de que possam julgar por comparação. […]. (KARDEC, 2004, p. 85, grifo nosso.) 
Nessas duas falas, destacam-se esses pontos: “é proibido proibir”; “não se deve criticar (negativamente) obra alguma”; “não se limitar à leitura de um só autor”; “ler tudo, seja a favor ou contra”; “devemos julgar por comparação” e “cabe ao leitor separar o joio do trigo”. Infelizmente, nada disso é observado pela grande maioria dos espíritas dessa terra dos tupiniquins.
Acreditamos que, aqui, temos boas informações sobre as quais devemos refletir com mais carinho, pois, quase todos nós, estamos, de forma alguma, querendo impor nossas ideias aos outros sobre essa questão do CUEE.
Para nós, ficou bem clara a questão de não podermos desconsiderar a opinião de eminentes estudiosos, devemos ouvi-los, sim, mas isso não querer dizer que sempre estejam certos, apenas que devemos dar uma maior atenção ao que dizem. E que muitos companheiros, sem terem opiniões contrárias de outros Espíritos, negam os pontos apresentados por outros, combatem certas ideias vindas por alguns deles, contrariando o que o Codificador orienta.
Por outro lado, quando apresentamos a uma pessoa dessas, ou seja, a um estudioso da doutrina, para justificar algum ponto que achamos correto, vemos uma negação sistemática do que ele pensa, para com isso, fazer prevalecer a opinião de quem nega o ponto, é algo como que um tiro pela culatra, pois, se quem nega não aceita a opinião de um estudioso, por que nós, que lhe ouvimos ou lemos, deveremos aceitar a dele, já que também o que pensa é uma opinião individual?
Infelizmente, não poucos os que se comportam como sendo os donos da verdade; a esses, dirigimos esta frase de Kardec: “O homem que julga infalível a sua razão está bem perto do erro”. (KARDEC, 2007a, p. 38.)

Referências bibliográficas:
KARDEC, A. A Gênese. Rio de Janeiro: FEB, 2007e.
KARDEC, A. Catálogo racional – obras para se fundar uma biblioteca espírita. São Paulo: Madras: USE, 2004.
KARDEC, A. O Livro dos Espíritos – primeira edição de 18 de abril de 1857. São Paulo: IPECE, 2004.
KARDEC, A. O Livro dos Espíritos. Rio de Janeiro: FEB, 2007a.
KARDEC, A. O Livro dos Médiuns. Rio de Janeiro: FEB, 2007b.
KARDEC, A. Obras Póstumas. Rio de Janeiro: FEB, 2006a.
KARDEC, A. Revista Espírita 1858. Araras, SP: IDE, 2001a.
KARDEC, A. Revista Espírita 1864. Araras, SP: IDE, 1993h.
KARDEC, A. Revista Espírita 1866. Araras, SP: IDE, 1993i.
KARDEC, A. Revista Espírita 1867. Araras, SP: IDE, 1999.


Fonte: Revista eletrônica O Consolador, edições 412 e 413


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