Marco Milani*
Segundo
os autores, as pessoas tendem a ter visões excessivamente favoráveis de suas
habilidades em muitos domínios sociais e intelectuais. Essa superestimação do
próprio saber decorre, em parte, porque as pessoas não qualificadas nesses
domínios desconhecem a real complexidade dos objetos que se propõem a discutir.
Nesse sentido, elas chegam a conclusões errôneas e fazem escolhas infelizes.
Inversamente, pessoas mais versadas e que até possuem um pleno domínio sobre
determinados objetos tendem a reconhecer seus próprios limites e assumem uma postura
mais prudente e modesta sobre o próprio saber.
O
EDK explica, por exemplo, a vasta gama de pseudoespecialistas sobre os mais
variados assuntos, inclusive com relação àqueles de alta complexidade teórica.
Basta uma rápida visita nas redes sociais virtuais para se deparar com
comentários, geralmente infundados e sem respaldo técnico-científico, mas que
se propõem a revelar à humanidade a verdade de como as coisas são e funcionam.
Certamente,
é direito de todos opinar e expressar-se sobre a realidade. É esse impulso
questionador e argumentativo que faz o conhecimento humano progredir. O
reconhecimento das próprias limitações, entretanto, é essencial para se evitar
deslizes e prejuízos conceituais e práticos.
Não
é diferente com relação à temática espírita. Aquele mais familiarizado com as
diretrizes claras e seguras presentes no ensino dos Espíritos, apresentado por
Allan Kardec, reconhece as próprias deficiências e limites cognitivos.
Concomitantemente, procura se aprofundar nos princípios e valores que estruturam
o corpo teórico do Espiritismo e exemplificar as próprias convicções lastreadas
na fé raciocinada.
O
EDK se manifesta, todavia, em maior ou menor grau durante discussões
doutrinárias. Alguém que construiu o seu saber sobre o Espiritismo em fontes
outras que não seja nas obras de Allan Kardec assume o risco de defender
conceitos e práticas que se afastam do ensino dos Espíritos e, tragicamente,
distorcem ou deturpam esses conceitos.
O
intercâmbio fraterno e embasado de ideias e opiniões sobre a temática espírita
é sempre bem-vindo, pois colabora para se identificar e analisar eventuais
divergências interpretativas e se apontar caminhos para a reflexão sobre os
tópicos discutidos. Deve existir, porém, uma referência doutrinária segura para
se afastar das consequências deletérias do relativismo, o qual supõe que tudo
seja lícito e válido.
Allan
Kardec, educador por excelência, sempre insistiu na clareza e objetividade das
ideias para se reduzir os problemas do relativismo e se chegar ao um
denominador comum pela observação dos fatos e pelo uso da razão.
Interessantemente,
mesmo com a preocupação didática de Kardec para que o conteúdo espírita fosse
plenamente conhecido, não há como se negar os diferentes graus de maturidade
cultural e doutrinária de cada um. Quanto menos sólido for o conhecimento
doutrinário, graças ao EDK, mais supostas certezas e verdades desconectadas da
realidade tendem a ser apresentadas com convicção pelo adepto, o qual pode se
sentir confortável e confiante em defender tais suposições porque não
vislumbrou a complexidade dos assuntos envolvidos.
Nota
(1)
Kruger, J., & Dunning, D. (1999). Unskilled and unaware of it: How
difficulties in recognizing one's own incompetence lead to inflated
self-assessments. Journal of Personality and Social Psychology, 77(6),
1121–1134. https://doi.org/10.1037/0022-3514.77.6.1121
* Diretor do Departamento de
Doutrina da USE-SP e Presidente da USE Regional de Campinas
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