Equilíbrio financeiro dos centros espíritas
Marco Milani
(Texto publicado na Revista Sendas, ed. 220,
mar/abr 2023)
A gestão de organizações sem fins
lucrativos, como os centros espíritas, apresenta particularidades operacionais
que desafiam os respectivos administradores e exigem domínio das técnicas e
ferramentas gerenciais do processo decisório, assim como ocorre em empresas
comerciais de diferentes portes.
O equilíbrio financeiro, obtido quando
as receitas cobrem as despesas, é uma condição estratégica para a sobrevivência
da organização. O denominado ponto de equilíbrio é uma relação que expressa a
igualdade monetária dos recursos recebidos pelo centro espírita com os seus
gastos totais em determinado período.
Conhecer qual é o ponto de equilíbrio
é essencial para se planejar as ações para a obtenção dos recursos necessários
ao desenvolvimento das atividades regulares e extraordinárias da instituição.
Felizmente, a
maioria dos gestores de casas espíritas, mesmo sem vivência profissional
anterior na área financeira corporativa, procura agir com prudência na
administração dos recursos conforme a dinâmica de gastos operacionais, porém, diante
de situações que exigem maior compreensão da real capacidade da instituição em
cobrir suas despesas futuras, faz-se premente contar com informações técnicas e
financeiras adequadas.
Temerariamente, alguns voluntários,
alçados a posições com responsabilidade decisória estratégica, afastam-se da
racionalidade exigida para a função e depositam a esperança de que os recursos
necessários para cobrir os gastos da instituição serão obtidos por ações
promovidas pelos amigos desencarnados. Alegam que se deve ter fé.
Certamente, o envolvimento e apoio de
Espíritos benfeitores aos trabalhos voltados ao bem do próximo é uma certeza,
porém cabe aos encarnados agirem com ponderação e bom senso. A fé deve ser
raciocinada, e não cega. Se assim não fosse, não haveria registros de casas
espíritas que fecharam por desequilíbrio financeiro.
Na obra Viagem espírita de 1862, Allan
Kardec apresentou um modelo de regulamento para uso dos grupos e pequenas
sociedades espíritas. No item 17 do referido documento, destaca-se:
“As
despesas havidas com a Sociedade, se houver, serão cobertas por uma cotização,
cuja cifra, emprego e forma de pagamento ela mesma fixará. Neste caso, a
Sociedade nomeará o seu tesoureiro. Fica expressamente estipulado que essa
cotização será paga somente pelos membros propriamente ditos da Sociedade e
que, em nenhum caso e sob qualquer pretexto, será exigida ou solicitada uma
retribuição qualquer aos ouvintes ou visitantes eventuais, como direitos de
entrada.”
Kardec orienta que as despesas
deveriam ser cobertas pelas contribuições dos próprios componentes ou
associados da entidade espírita, sem cobrar de participantes esporádicos das
reuniões promovidas. Obviamente, a estrutura e atividades das sociedades
espíritas eram mais simples, basicamente centradas nas reuniões mediúnicas e
serviços de secretaria e divulgação, mas a responsabilidade pela manutenção dessas
tarefas recai sobre os próprios trabalhadores voluntários.
Ao enfatizar a gratuidade da entrada aos
convidados (ouvintes e esporádicos), caracteriza-se a mediunidade como prática
caridosa, rechaçando-se a mercantilização do intercâmbio mediúnico.
Na edição de dezembro/1868 da Revista
Espírita, ao tratar do Comitê Central do Espiritismo, Kardec amplia as
atividades de coordenação do movimento espírita e prevê diversas atividades
vinculadas à divulgação doutrinária, além das próprias reuniões mediúnicas.
Nesse sentido, a necessidade de obtenção de recursos pelos encarnados (e não
uma ilusória esperança de que surgirão magicamente) é uma preocupação crucial
para o sucesso de qualquer projeto. Uma recomendação operacional constante no
respectivo texto é o cuidado com o equilíbrio financeiro ao destacar que “seria
uma falta de previdência que um dia poderíamos lamentar” se as despesas fixas
fossem cobertas com recursos eventuais. Em outras palavras, Kardec destaca o
que qualquer administrador sensato deve fazer ao planejar cobrir gastos fixos
com receitas fixas.
Não é incomum, ainda hoje, alguns
gestores de casas espíritas agirem inversamente ao que a prudência recomenda,
quando optam pela realização de eventos esporádicos para cobrir os gastos
fixos. Essa ação funciona até o dia em que houver alguma intercorrência que
impeça a realização do evento ou os recursos obtidos forem aquém do necessário,
gerando desequilíbrio financeiro.
Para que a casa espírita seja
sustentável, as fontes de recursos devem ser planejadas e ter o desempenho
acompanhado cuidadosamente conforme as expectativas de receitas frente aos
gastos estimados.
Uma classificação útil, assim como
Kardec mencionou, é identificar as fontes fixas ou regulares de receitas (como,
por exemplo, associados, livraria, lanchonete, estacionamento, convênios
públicos etc.) e diferenciá-las de fontes esporádicas (como, por exemplo,
doações públicas e privadas, eventos etc.). A cobertura dos gastos fixos deve
ser planejada contando-se com os recursos obtidos de fontes regulares.
Os recursos obtidos por fontes
eventuais são muito bem-vindos, porém, ao criar-se uma dependência dos mesmos, gera-se insegurança
no fluxo de caixa sem a possibilidade de planejamento de ações de longo prazo,
afetando-se a sustentabilidade organizacional.
Ainda que existam diversos relatos de
instituições que tradicionalmente sobrevivem com recursos eventuais há décadas,
também há casos em que tudo parecia bem até ocorrer o primeiro (e último)
imprevisto, desequilibrando financeiramente a casa espírita.
Momentos atípicos, como foi a
interrupção generalizada das atividades presenciais, fazem com que as casas com
mais fontes regulares absorvam os impactos negativos de maneira menos danosa,
mas não deixam de representar desafios aos gestores. A análise do ponto de
equilíbrio da casa favorece o planejamento das medidas a serem tomadas.
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