Revista espírita — abril/1859
QUADRO DA VIDA ESPÍRITA
Apresentação sintética por tópicos
1) Expectativas sobre a vida futura
“Todos nós, sem exceção, atingimos mais cedo ou
mais tarde o termo fatal da vida. Nenhuma força nos poderia subtrair a essa
necessidade, eis o que é positivo. Muitas vezes as preocupações do mundo nos
desviam o pensamento daquilo que se passa além-túmulo, mas quando chega o
momento supremo, são poucos os que não se perguntam em que se vão transformar,
porque a ideia de deixar a existência sem uma possibilidade de retorno tem algo
de pungente. Com efeito, quem poderia encarar com indiferença a ideia de uma separação
absoluta e eterna de tudo quanto amou? Quem poderia ver sem assombro abrir-se à
sua frente o imenso abismo do nada, em que iriam desaparecer para sempre todas
as nossas faculdades e todas as nossas esperanças? “O que!? Depois de mim, o
nada; nada mais que o vazio; tudo acabado irremediavelmente? Mais alguns dias e
a minha lembrança se apagará da memória dos que sobreviverem a mim; em breve
não restará nenhum traço de minha passagem pela Terra; o próprio bem que eu
tiver feito será esquecido pelos ingratos a quem tiver beneficiado, e nada para
compensar tudo isso; nenhuma outra perspectiva além de meu corpo a ser roído
pelos vermes?!” Este quadro do fim de um materialista, traçado por um Espírito
que tinha vivido esses pensamentos, não tem algo de horrível e de glacial?
Ensina-nos a religião que não pode ser assim, e a razão o confirma. Mas essa
existência futura, vaga e indefinida, nada tem que satisfaça ao nosso amor ao
que é positivo. É isto que gera a dúvida em muitos. Vá lá que tenhamos uma alma.
Mas o que é a nossa alma? Ela tem forma e aparência? É um ser limitado ou
indefinido? Dizem uns que é um sopro de Deus; outros, que uma centelha; outros,
uma parte do grande todo, o princípio da vida e da inteligência. Mas o que
concluímos de tudo isto? Diz-se, ainda, que ela é imaterial. Mas uma coisa
imaterial não poderia ter proporções definidas. Para nós isso não é nada.
Ensina-nos ainda a religião que seremos felizes ou infelizes, conforme o bem ou
o mal que tivermos feito. Mas qual é essa felicidade que nos espera no seio de
Deus?”
2) O Espiritismo esclarece sobre a sobrevivência da alma e a vida
futura
“Será uma beatitude, uma contemplação eterna, sem
outro objetivo além de cantar os louvores ao Criador? As chamas do inferno são
uma realidade ou uma ficção? A própria Igreja o entende nesta última acepção;
mas quais são os sofrimentos? Onde o lugar do suplício? Numa palavra, que é o
que se faz ou se vê nesse mundo que nos espera a todos? Costuma-se dizer que
ninguém voltou para nos dar informações. Isso é um erro, e a missão do
Espiritismo é precisamente esclarecer-nos sobre esse futuro, fazendo-nos, por
assim dizer, tocá-lo e vê-lo, não pelo raciocínio, mas pelos fatos. Graças às
comunicações espíritas, já não se trata de uma presunção ou de uma
probabilidade, sobre a qual cada um imagina à vontade e que os poetas embelezam
com as suas ficções ou repletam de imagens alegóricas que nos enganam. É a
própria realidade que se nos apresenta, pois são os próprios seres de
além-túmulo que nos vêm descrever a sua situação e falar-nos do que fazem,
permitindo-nos, por assim dizer, assistir a todas as peripécias de sua vida
nova, e dessa maneira mostrar-nos a sorte inevitável que nos aguarda, conforme
os nossos méritos e os nossos deméritos. Haverá nisso algo de antirreligioso?
Muito pelo contrário, pois os incrédulos encontram nisso a fé e os tíbios uma
renovação do fervor e da confiança.”
3) Conhecimento sobre a continuidade da vida reanima e oferece
esperança
“O Espiritismo é, pois, o mais poderoso auxiliar da
religião. Se assim é, é que Deus o permite, e o permite para reanimar nossas
esperanças vacilantes e para reconduzir-nos ao caminho do bem, pela perspectiva
do futuro que nos aguarda.”
4) O objetivo deste texto é descrever, resumidamente, a vida após a
morte do corpo, conforme relatado pelos próprios Espíritos
“As conversas familiares de além-túmulo que
publicamos; a descrição que elas encerram da situação dos Espíritos que nos
falam, revelam-nos as suas penas, as suas alegrias, as suas ocupações. São um
quadro animado da vida espírita, e na própria variedade dos assuntos podemos
encontrar as analogias que nos interessam. Vamos tentar resumir o seu
conjunto. Inicialmente consideremos a alma ao deixar este mundo e vejamos o
que se passa nessa transmigração.”
5) O desligamento do Espírito do corpo carnal ocorre pela cessação
da vida orgânica.
“Extinguindo-se as forças vitais, o Espírito se
desprende do corpo no momento em que cessa a vida orgânica.”
6) O processo de desencarnação é variável, podendo se iniciar antes
da cessação completa da vida orgânica e ser finalizado até depois da morte
carnal.
“Mas a separação não é brusca ou instantânea. Por vezes começa antes da
cessação completa da vida e nem sempre é completada no instante da morte.
Sabemos que entre o Espírito e o corpo existe um liame semimaterial, que
constitui o primeiro envoltório. É esse liame que não se quebra subitamente.”
7) Enquanto os laços fluídicos não se desfazem totalmente, o Espírito
fica num estado de perturbação. Esse período é variável, podendo variar de
algumas horas a alguns meses.
“Enquanto subsiste, fica o Espírito num estado de perturbação
comparável ao que acompanha o despertar. Muitas vezes ele até duvida de sua
morte; sente que existe, vê-se e não compreende que possa viver sem seu corpo,
do qual se vê separado. Os laços que ainda o prendem à matéria o tornam
acessível a certas sensações que toma como sensações físicas. O Espírito só se
reconhece quando completamente livre. Até então não compreende a sua situação.
A duração desse estado de perturbação, como já o dissemos em outras ocasiões, é
muito variável: pode ser de algumas horas, como de vários meses, mas é raro que
ao cabo de alguns dias o Espírito não se reconheça mais ou menos bem.
Entretanto, como tudo lhe é estranho e desconhecido, é-lhe necessário um certo
tempo para familiarizar-se com a sua nova maneira de perceber as coisas.”
8) Ao desencarnar, o Espírito é recepcionado por amigos e por quem
por ele simpatizam.
“Solene é o instante em que um deles vê cessar a
sua escravização, pela ruptura dos laços que o prendem ao corpo. Ao entrar no
mundo dos Espíritos é acolhido pelos amigos que vêm recebê-lo, como se voltasse
de penosa viagem. Se a travessia foi feliz, isto é, se o tempo de exílio foi
empregado de maneira proveitosa para si e o elevou na hierarquia do mundo dos
Espíritos, eles o felicitam. Ali reencontra os conhecidos, mistura-se aos que o
amam e com ele simpatizam, e então começa, para ele, verdadeiramente, a sua
nova existência.”
9) O perispírito não tem órgãos e o Espírito percebe tudo ao seu
redor de maneira mais precisa e sutil. Essa percepção é uma faculdade inerente
ao Espírito.
“O envoltório semimaterial do Espírito constitui uma espécie de corpo, de forma definida, limitada e análoga à do corpo físico. Mas esse corpo não tem os nossos órgãos e não pode sentir todas as nossas impressões. Entretanto, percebe tudo quanto percebemos: a luz, os sons, os odores, etc. Estas sensações não são menos reais, embora nada tenham de material; têm, até, algo de mais claro, de mais preciso, de mais sutil, porque lhe chegam sem intermediário, sem passar pela fieira dos órgãos que as embotam. A faculdade de perceber é inerente ao Espírito; é um atributo de todo o seu ser. As sensações lhe chegam por todos os lados, e não através de canais circunscritos. Falando da visão, dizia-nos um Espírito: “É uma faculdade do Espírito e não do corpo. Vedes pelos olhos, mas não é o olho que vê. É o Espírito.
Em virtude da conformação de nossos órgãos,
necessitamos de certos veículos para as sensações. É assim que necessitamos da
luz para refletir os objetos e do ar para nos transmitir os sons. Esses
veículos se fazem inúteis, desde que não tenhamos mais os intermediários que os
tornam indispensáveis. Assim, pois, o Espírito vê sem auxílio de nossa luz e
ouve sem necessidade das vibrações do ar. Eis por que para ele não há
obscuridade. Mas as sensações permanentes e indefinidas, por mais agradáveis
que sejam, com o tempo se tornariam fatigantes, se não lhe fosse possível
subtrair-se a elas. Por isso tem o Espírito a faculdade de suspendê-las. Ele
pode, à vontade, deixar de ver, de ouvir, de sentir tais ou quais coisas e,
consequentemente, não ver, não ouvir, não sentir senão aquilo que queira. Essa
faculdade está na razão de sua superioridade, pois há coisas que os Espíritos
inferiores não podem evitar, pelo que a sua situação se torna penosa.”
10) Há a necessidade de adaptação à nova situação do recém-desencarnado.
“A princípio o Espírito não compreende essa nova
maneira de sentir, da qual só aos poucos se dá conta. Aqueles cuja inteligência
é ainda muito atrasada não a compreendem absolutamente e sentiriam muita
dificuldade em exprimi-la, exatamente como entre nós os ignorantes veem e se
movem, sem saber como nem por quê.”
11) As limitações dos Espíritos em compreender o que está além de
seu alcance, aliadas à fanfarrice de seres inferiores, são fontes de teorias
absurdas manifestas por certos Espíritos.
“Essa impossibilidade de compreender o que está
acima de seu alcance, aliada à fanfarrice, usual companheira da ignorância, é a
fonte de teorias absurdas dadas por certos Espíritos que nos induziriam em erro
se as aceitássemos sem controle e se não estivéssemos seguros, pelos meios
fornecidos pela experiência e pelo hábito de com eles conversar, quanto ao grau
de confiança que merecem.”
12) O Espírito não tem as sensações decorrentes de órgãos físicos,
como fadiga, necessidade de repouso e de alimentação.
“Há sensações que têm por fonte o próprio estado
dos nossos órgãos. Ora, as necessidades inerentes ao corpo não se podem
verificar desde que não exista mais corpo. Assim, pois, o Espírito não
experimenta fadiga, nem necessidade de repouso ou de alimentação, porque não
tem nenhuma perda a reparar. Ele não é acometido por nenhuma de nossas
enfermidades.”
13) As necessidades do corpo determinam necessidades sociais,
que para os Espíritos não existem. Assim, as relações que estruturam a vida em
sociedade no mundo físico não se reproduzem naturalmente no mundo espiritual.
“As necessidades do corpo determinam necessidades
sociais, que para eles não existem. Assim não mais existem as preocupações dos
negócios, as discórdias, as mil e umas tribulações do mundo e os tormentos a
que nos entregamos para suprirmos as nossas necessidades ou as superfluidades
da vida. Eles têm pena do esforço que fazemos por causa de futilidades.
Entretanto, quanto mais felizes são os Espíritos elevados, tanto mais sofrem os
inferiores, mas esses sofrimentos se constituem principalmente de angústias que
embora nada tenham de físico, nem por isso são menos pungentes.”
14) Espíritos inferiores mantêm as paixões e desejos que possuíam
enquanto encarnados e para eles é um sofrimento não conseguir satisfazê-los.
“Eles têm todas as paixões e todos os desejos que
tinham em vida (referimo-nos aos Espíritos inferiores) e seu castigo é o de não
poder satisfazê-los. Isto é para eles uma tortura que julgam eterna, porque sua
própria inferioridade não lhes permite ver o término, o que é também para eles
um castigo.”
15) Os Espíritos se comunicam pelo pensamento, sem qualquer
necessidade de elementos físicos como o som (fala articulada).
“A palavra articulada é uma necessidade de nossa
organização. Como os Espíritos não necessitam de vibrações sonoras para lhes
ferir os ouvidos, compreendem-se pela simples transmissão do pensamento, assim
como por vezes acontece que nos entendemos por um simples olhar. Entretanto, os
Espíritos fazem barulho. Sabemos que podem agir sobre a matéria e que essa
matéria nos transmite o som. É assim que se dão a entender, quer por meio de
pancadas, quer por meio de gritos que vibram no ar. Mas então o fazem para nós
e não para eles. Voltaremos ao assunto em artigo especial, no qual trataremos
da faculdade dos médiuns auditivos.”
16) Os Espíritos se deslocam com a velocidade do pensamento, sem
fadiga e sem obstáculos materiais. Não há semelhança com a vida carnal.
“Enquanto arrastamos penosamente pela terra o nosso
corpo pesado e material, como o condenado as suas cadeias, o dos Espíritos,
vaporoso e etéreo, transporta-se sem fadiga de um lugar para outro; rasga o
espaço com a velocidade do pensamento e tudo penetra, sem encontrar qualquer
obstáculo material.”
17) A percepção dos Espíritos sobre o ambiente em que se encontram é
muito mais acurada e abrangente do que a visão do encarnado.
“O Espírito vê tudo aquilo que vemos, e mais
claramente do que nós. Além disso, vê aquilo que os nossos sentidos limitados
não nos permitem ver. Penetrando, ele mesmo, a matéria, descobre o que a
matéria oculta à nossa visão.”
18) Há uma multidão de Espíritos em torno de nós.
“Os Espíritos não são, pois, seres vagos e
indefinidos, conforme as abstratas definições da alma a que nos referimos
acima. São seres reais, determinados, circunscritos, que gozam de todas as
nossas faculdades e de outras que nos são desconhecidas, porque inerentes à sua
natureza. Eles têm as qualidades da sua matéria peculiar e constituem o mundo
invisível que povoa o Espaço, envolvendo-nos e se acotovelando incessantemente
conosco. Suponhamos desfeito por um instante o véu material que os oculta aos
nossos olhos. Ver-nos-íamos cercados por uma multidão de seres que vão e vêm,
agitam-se em torno de nós e nos observam, do mesmo modo que faríamos se nos
encontrássemos em uma assembleia de cegos. Para os Espíritos, nós somos os
cegos e eles são os videntes.”
19) É normal o estranhamento de parecer algo novo ao desencarnado,
já que ele mesmo habita esse ambiente e já experimentou inúmeras vezes o estado
da erraticidade.
“Dissemos que ao entrar em sua nova vida o Espírito
precisa de algum tempo para se reconhecer; que ali tudo lhe é estranho e
desconhecido. Perguntarão como pode ser assim se ele já teve outras existências
corpóreas. Essas existências foram separadas por intervalos durante os quais
ele habitou o mundo dos Espíritos. Então esse mundo não lhe deve ser
desconhecido, desde que não o vê pela primeira vez.”
20) No período de perturbação após a morte, as ideias do Espírito são
vagas e confusas, não conseguindo distinguir com facilidade a vida espírita da
corpórea. Somente após recobrar a plena consciência suas lembranças das
sensações ali experimentadas afloram.
“Várias causas contribuem para que essas
percepções, embora já experimentadas, lhe pareçam novas. Como dissemos, a morte
é sempre seguida por um instante de perturbação, mas que pode ser de curta
duração. Nesse estado suas ideias são sempre vagas e confusas; a vida corpórea
se confunde, até certo ponto, com a vida espírita e ele ainda não pode
separá-las em seu pensamento. Dissipada a primeira impressão, as ideias pouco a
pouco se aclaram e a ele volta, mas gradativamente, a lembrança do passado,
pois essa memória jamais irrompe bruscamente. Só quando ele se encontra
inteiramente desmaterializado é que o passado se desdobra à sua frente, como um
espectro saindo de um nevoeiro. Só então ele se recorda de todos os atos de sua
última existência, depois das existências anteriores e de suas várias passagens
pelo mundo dos Espíritos. Compreende-se, pois, que durante um certo tempo esse
mundo lhe pareça novo, até que ele se tenha reconhecido completamente e
recuperado de maneira precisa a lembrança das sensações ali experimentadas.”
21) À medida que se eleva e se depura, o horizonte consciencial do
Espírito se amplia e com ele, o círculo de suas ideias e percepções, por isso o
despertar após cada desencarnação pode parecer novo.
“A essa causa, entretanto, deve juntar-se outra,
não menos importante. O estado do Espírito, como Espírito, varia
extraordinariamente na razão de sua elevação e de seu grau de pureza. À medida
que se eleva e se depura, suas percepções e suas sensações se tornam menos
grosseiras; adquirem mais acuidade, mais sutileza, mais delicadeza; vê, sente e
compreende coisas que não poderia ver, sentir ou compreender numa condição
inferior. Ora, cada existência corpórea sendo para ele uma oportunidade de
progresso, lança-o a um meio novo para ele porque, se tiver progredido,
encontra-se entre Espíritos de outra ordem, cujos pensamentos e hábitos são
todos diferentes. Acrescente-se a isso que tal depuração lhe permite, sempre
como Espírito, penetrar nesses mundos inacessíveis aos Espíritos inferiores, do
mesmo modo que nos salões da alta Sociedade não têm acesso as pessoas mal-educadas.
Quanto menos esclarecido, tanto mais limitado é o seu horizonte. À medida que
se eleva e se depura, esse horizonte se amplia e com ele, o círculo de suas
ideias e percepções.
A seguinte comparação pode facilitar-nos a
compreensão. Suponhamos um camponês bruto, ignorante, vindo a Paris pela
primeira vez. Poderá conhecer e compreender a Paris dos meios sábios e
elegantes? Não, porque frequentará apenas as pessoas de sua classe e os bairros
por elas habitados. Mas se no intervalo entre a primeira e uma segunda viagem
esse camponês se desenvolveu e adquiriu instrução e boas maneiras, outros serão
os seus hábitos e as suas relações. Então verá um mundo novo, em nada
semelhante à Paris de outrora.
Dá-se o mesmo com os Espíritos, mas nem todos
experimentam o mesmo grau de incerteza. À medida que progridem, suas ideias se
desenvolvem e a memória se apura. Familiarizam-se previamente com a sua nova
situação e seu regresso ao convívio dos outros Espíritos já nada tem que lhes
cause admiração. Encontram-se novamente em seu meio normal e, passado o
primeiro momento de perturbação, se reintegram quase imediatamente.
Essa é a situação geral dos Espíritos no estado que
chamamos de erraticidade.”
22) Conforme o nível evolutivo e condições psíquicas, os Espíritos encontram-se
de diferentes maneiras e possuem diferentes ocupações nos mundos físico e
espiritual.
“Mas o que fazem nesse estado? Como passam o tempo?
Isto é de um interesse capital para nós. São eles mesmos que vão responder,
como foram eles que deram as explicações que acabamos de transmitir, de vez que
nada disto é fruto de nossa imaginação. Não se trata de um sistema saído de
nosso cérebro. Julgamos pelo que vemos e ouvimos. Posta de lado qualquer
opinião relativamente ao Espiritismo, hão de convir que esta teoria sobre a
vida de além-túmulo nada contém de irracional. Ela apresenta uma sequência e um
encadeamento perfeitamente lógicos, que fariam honra a qualquer filósofo.
Laboraríamos em erro se acreditássemos que a vida espírita é uma vida ociosa.
Ao contrário, ela é essencialmente ativa e todos
nos falam de suas ocupações. Essas ocupações necessariamente diferem, conforme
seja o Espírito errante ou encarnado.”
23) As ocupações dos encarnados decorrem das próprias características
materiais dos mundos em que se encontram.
“No estado de encarnação, elas são relativas à
natureza dos mundos habitados; às necessidades que dependem do estado físico e
moral desses mundos, bem como da organização dos seres vivos. E não é disso que
devemos tratar aqui. Falaremos apenas dos Espíritos errantes.”
24) Durante a erraticidade, os Espíritos atuarão conforme o grau evolutivo
e respectivos interesses e possibilidades. Quanto mais evoluído, maior a sua atuação
no universo, influenciando no progresso de cada mundo. Também podem atuar favoravelmente
a um grupou ou a um encarnado, na condição de Espírito protetor, por exemplo.
Não estão circunscritos a determinado local. Espíritos bons vão a todo lugar
onde sua presença pode ser útil para dar conselhos, inspirar boas ideias,
animar os desesperançados e fortalecer os fracos.
“Entre os que já atingiram certo grau de
desenvolvimento, uns velam pela realização dos desígnios de Deus nos grandes
destinos do Universo; dirigem a marcha dos acontecimentos e concorrem ao
progresso de cada mundo. Outros tomam os indivíduos sob sua proteção,
constituindo-se em seus gênios tutelares e anjos da guarda. Acompanham-nos
desde o nascimento até a morte, buscando encaminhá-los pela estrada do bem.
Sentem-se felizes quando seus esforços são coroados de sucesso. Alguns se
encarnam em mundos inferiores, para neles realizar missões de progresso. Pelo
trabalho, pelo exemplo, pelos conselhos e pelos sentimentos, procuram fazer que
uns progridam nas ciências e nas artes, outros na moral. Então se submetem
voluntariamente às vicissitudes de uma vida corpórea por vezes penosa, com o
objetivo de fazer o bem, e o bem que fazem lhes é contado. Muitos, enfim, não
têm qualquer atribuição especial. Eles vão a todo lugar onde sua presença pode
ser útil para dar conselhos, inspirar boas ideias, animar os desanimados,
fortalecer os fracos e castigar os presunçosos.”
25) O campo de atuação dos Espíritos desencarnados vincula-se,
diretamente, aos encarnados.
“Se considerarmos o número infinito de mundos que
povoam o Universo e o número incalculável de seres que os habitam,
compreenderemos que os Espíritos têm muito em que se ocupar. Essas ocupações,
entretanto, nada têm para eles de penoso. Exercem-nas com alegria,
voluntariamente, sem constrangimento, e sua felicidade é triunfar naquilo que
empreendem. Ninguém pensa numa ociosidade eterna, que seria um verdadeiro
suplício.”
26) Organização dos Espíritos desencarnados superiores se dá no
espaço, não em lugares circunscritos ou determinados. Encarnados emancipados
podem participar, conforme as condições.
“Quando as circunstâncias o exigem, reúnem-se em conselho; deliberam sobre a marcha a seguir, conforme os acontecimentos; dão ordens aos Espíritos que lhes são subordinados e, a seguir, vão para onde o dever os chama. Essas assembleias são mais gerais ou mais particulares, conforme a importância do assunto. Nenhum lugar especial ou circunscrito é escolhido para essas reuniões. O Espaço é o domínio dos Espíritos. Contudo, elas se realizam de preferência nos mundos que lhes são o objeto. Os Espíritos encarnados, que neles estão em missão, delas participam, conforme a sua elevação. Enquanto o corpo repousa, vão receber conselhos dos outros Espíritos e, por vezes, receber ordens relacionadas com a conduta que devem ter como homens. É verdade que ao despertar não guardam lembrança muito nítida daquilo que se passou, mas têm a intuição, que os leva a agir como se fosse por sua própria iniciativa.”
27) Espíritos desencarnados menos evoluídos atuam com maior
limitação, não com a mesma abrangência de seres mais evoluídos, mas limitando
suas ações a determinado mundo e, geralmente, a pessoas. Quanto mais presos às
lembranças mundanas, mas restrita a compreensão sobre a realidade que vivem.
“Descendo na hierarquia, encontramos Espíritos menos
elevados, menos depurados e, consequentemente, menos esclarecidos, mas nem por
isso piores e que, numa esfera de atividade mais restrita, desempenham funções
análogas. Em vez de estender-se a diferentes mundos, sua ação é antes exercida
num mundo especial e relacionada com o seu grau de desenvolvimento. Sua
influência é mais individual e tem como objetivo coisas de menor importância.
Vem a seguir a multidão de Espíritos vulgares, mais ou menos bons, mais ou
menos maus, que pululam em torno de nós. Esses estão ligeiramente acima da
Humanidade, cujas nuanças representam e como que refletem, pois têm todos os
vícios e virtudes que a caracterizam. Em muitos deles encontramos os gostos,
ideias e inclinações que possuíam em vida. Suas faculdades são limitadas, seu
julgamento falível como o dos homens e por vezes errôneo e carregado de
preconceitos.”
28) Sem o entorpecimento dos sentidos provocados pelo corpo físico, os
Espíritos sentem com mais intensidade as consequências morais dos atos
praticados quando estavam encarnados.
“Noutros é mais desenvolvido o senso moral. Mesmo
sem grande superioridade nem grande profundidade, julgam com mais critério, por
vezes até condenando aquilo que fizeram, disseram ou pensaram em vida. Aliás,
há uma coisa notável: é que, mesmo entre os Espíritos mais comuns, de um modo
geral, os sentimentos são mais puros como Espíritos do que como homens. A vida
espírita os esclarece quanto aos seus defeitos e, salvo poucas exceções,
arrependem-se amargamente e lamentam o mal que fizeram, pois sofrem mais ou
menos cruelmente as suas consequências.”
29) Em geral, os desencarnados estão mais propensos a reconhecerem
suas necessidades morais.
“Vimos alguns desses que não eram melhores do que
tinham sido em vida. Nunca, porém, os vimos piores. O endurecimento absoluto é
muito raro e apenas temporário, porque mais cedo ou mais tarde acabam
lamentando a sua posição.”
30) Sem as vestes carnais, os Espíritos desejam com mais veemência o
progresso moral reconhecendo ser esse o caminho necessário para deixarem sua
inferioridade.
“Pode-se, pois, dizer que todos aspiram ao
aperfeiçoamento, porque todos compreendem que é este o único meio de saírem da
sua inferioridade. Instruir-se e esclarecer-se, eis a sua grande preocupação e
eles se sentem felizes quando podem a isto acrescentar pequenas missões de
confiança que os elevam aos seus próprios olhos.”
31) Os desencarnados se reúnem por afinidade, conforme seus
interesses e nível moral. Acompanham diretamente as atividades dos encarnados e,
quando possível, analisam seus comportamentos para prepararem com mais objetividade
a vida futura.
“Também eles têm as suas assembleias, de maior ou
menor importância, conforme a natureza de seus pensamentos. Falam-nos, veem e
observam aquilo que se passa. Participam de nossas reuniões, de nossos jogos,
de nossas festas e de nossos espetáculos, assim como de nossas ocupações
sérias. Escutam as nossas conversas, os mais levianos como divertimento ou para
rir à nossa custa, ou ainda para nos pregarem uma peça, desde que o possam; os
outros, a fim de instruir-se.
Observam os homens, analisam o seu caráter e fazem
aquilo a que eles chamam estudo dos costumes, com o fito de escolherem a sua
existência futura.”
32) A compreensão do contexto após a desencarnação, depende da
extensão do período de perturbação em que se encontra o Espírito. Quanto mais
evoluído moral e intelectualmente, mais rápida é a adaptação. Espíritos ainda
presos nas paixões e sensações da matéria possuem maior dificuldade de
adaptação, pois gostariam de saciar suas paixões, mas não conseguem.
“Vimos o Espírito no momento em que, deixando o
corpo, entra em sua vida nova. Analisamos as suas sensações e seguimos o seu desenvolvimento
gradual das ideias. Os primeiros momentos são empregados em reconhecer-se e
compreender o que se passa com ele. Numa palavra, ele, por assim dizer,
experimenta as próprias faculdades, como a criança que pouco a pouco vê
crescerem-lhe as forças e os pensamentos. Falamos dos Espíritos vulgares, pois
os outros, como já dissemos, estão de certo modo e previamente identificados
com o estado espírita, que nenhuma surpresa lhes causa senão a alegria de se
encontrarem livres dos entraves e dos sofrimentos corporais. Entre os Espíritos
inferiores muitos sentem saudades da vida terrena, porque sua situação como
Espíritos é cem vezes pior. Eis porque buscam distrair-se com a visão daquilo
com que outrora se deliciavam. Essa visão, contudo, lhes é um suplício, porque
sentem desejos mas não podem satisfazê-los.”
33) A necessidade de progredir moral e intelectualmente incentiva os
desencarnados ao trabalho para o próprio aprimoramento. Alguns já estão mais
conscientes sobre essa necessidade de progresso do que outros, mas
invariavelmente todos a perceberão.
“Entre os Espíritos é geral a necessidade de
progresso. Isto os excita ao trabalho por seu melhoramento, de vez que
compreendem que é esse o preço de sua felicidade. Mas nem todos sentem essa
necessidade no mesmo grau, principalmente no início. Alguns chegam mesmo a
comprazer-se numa espécie de vagabundagem, aliás de pouca duração; logo a
atividade se torna para eles uma necessidade imperiosa, à qual, aliás, são
arrastados por outros Espíritos que neles estimulam os sentimentos do bem.”
34) Espíritos desequilibrados pelo desejo do mal tentam atingir
encarnados moralmente frágeis.
“Vem a seguir o que se pode chamar de escória do
mundo espírita, constituída de todos os Espíritos impuros, cuja preocupação
única é o mal. Sofrem e desejariam que todos sofressem como eles. A inveja lhes
torna odiosa toda superioridade. O ódio é a sua essência. Não podendo culpar
disso os Espíritos, investem contra os homens, atacando os que lhes parecem
mais fracos. Excitar as paixões ruins; insuflar a discórdia; separar os amigos;
provocar rixas; fazer que os ambiciosos pavoneiem o seu orgulho, pelo prazer de
abatê-los em seguida; espalhar o erro e a mentira, numa palavra, desviar do
bem, tais são os seus pensamentos dominantes.”
35) O nível evolutivo da Terra ainda atrai, por afinidades, Espíritos
com o desejo do mal. Ninguém, entretanto, está desamparado do auxílio de Espíritos
benévolos. Basta persistimos no bem para se aumentar a afinidade com os Bons Espíritos
e afastar os Espíritos ainda desequilibrados no mal.
“Mas por que permite Deus que assim seja? Deus não
tem que nos prestar contas. Dizem-nos os Espíritos superiores que os maus são
provações para os bons e que não há virtude onde não há vitória a conquistar.
Aliás, se esses Espíritos malfazejos se acham na Terra, é que aqui encontram
eco e simpatias. Consola-nos o pensamento de que acima deste lodo que nos cerca
existem seres puros e benevolentes que nos amam, nos sustentam, nos encorajam e
nos estendem os braços, atraindo-nos, a fim de nos conduzirem a mundos
melhores, onde o mal não encontra acesso, desde que saibamos fazer o que for
preciso para merecê-lo.”
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