Marco
Milani
Texto publicado na Revista Candeia Espírita, nº 45, juni/2025, p. 8-9
A busca pelo conhecimento, em qualquer campo legítimo do saber, deve
ser pautada por critérios racionais, éticos e metodológicos que possibilitem
distinguir entre o que possui valor universal e o que expressa apenas opiniões
particulares. No contexto do Espiritismo, codificado por Allan Kardec, esse
princípio se manifesta de forma particularmente clara no chamado "controle
universal do ensino dos Espíritos".
Longe de ser uma limitação dogmática ou uma recusa ao progresso das
ideias, esse critério se apresenta como um filtro de segurança doutrinária
frente ao caráter subjetivo e por vezes contraditório das comunicações
mediúnicas presentes em mensagens e romances de fonte única. Kardec, lúcido
quanto à natureza falível dos médiuns e à diversidade moral e intelectual dos Espíritos
comunicantes, concebeu esse método como forma de garantir que apenas os
ensinamentos oriundos de múltiplas fontes concordantes e independentes, obtidos
em diferentes lugares e por médiuns diversos, fossem incorporados à estrutura
doutrinária.
É, portanto, um erro epistemológico grave interpretar tal critério
como uma negação da evolução ou uma espécie de conservadorismo religioso. Pelo
contrário, trata-se de uma exigência de maturidade crítica, um exercício de
vigilância racional frente à exaltação e ao entusiasmo acrítico com qualquer
novidade que se diga “revelação espiritual” advinda de médiuns e Espíritos de
estimação.
Kardec reconhecia plenamente o caráter progressivo do conhecimento,
inclusive declarando que o Espiritismo caminharia ao lado da Ciência, ajustando
seus postulados caso fossem contrariados por descobertas sólidas e bem
comprovadas. No entanto, esse progresso não se dá por meio de afirmações
isoladas ou visões pessoais, mas por meio da convergência de inteligências e da
crítica livre e metódica, exatamente como ocorre no progresso científico
legítimo.
Na história do movimento espírita, não é raro encontrar adeptos mais
exaltados que, em nome de um suposto "Espiritismo ampliado" ou
“pós-kardecismo”, promovem a aceitação cega e apaixonada de mensagens
mediúnicas oriundas de fonte única, calcados no apelo à autoridade de quem
assina ou de quem as intermediam. Trata-se de um desvio metodológico que ignora
os fundamentos racionais, substituindo o rigor do controle universal por uma fé
cega e personalista, que tende a instaurar novos dogmatismos sob a aparência de
atualização doutrinária.
A crítica a esse tipo de prática não configura uma recusa ao novo, mas
sim a exigência legítima de critérios confiáveis para que qualquer novo
ensinamento se mostre compatível com os princípios do Espiritismo.
Aceitar indiscriminadamente qualquer mensagem apenas por seu conteúdo
emotivo ou pela fama atribuída ao Espírito comunicante, sem que ela seja
confrontada com a razão, com o bom senso e com a concordância universal, é
retornar ao obscurantismo religioso que o Espiritismo veio justamente superar.
Não se trata de um conflito entre tradição e inovação, mas entre
responsabilidade epistemológica e credulidade.
A Doutrina Espírita, por sua própria natureza, convida ao exame, à
reflexão e à constante depuração de seus conteúdos, desde que o método adotado
respeite a postura analítica que está na base de sua construção.
Portanto, reconhecer o valor do controle universal do ensino dos
Espíritos não é apegar-se a um passado imutável, mas preservar a coerência e a
legitimidade do processo evolutivo do conhecimento espírita. Negar esse
princípio é abrir as portas à desorganização doutrinária, ao personalismo
místico e ao enfraquecimento da autoridade racional que diferencia o
Espiritismo das crenças baseadas na fé cega.
Certamente é possível e esperado que novas informações venham
enriquecer o patrimônio do Espiritismo, desde que se submetam a critérios
metodológicos de validação objetiva. A razão e a comprovação pelos fatos, e não
a autoridade isolada, devem ser sempre o maior critério para julgar o que
merece ou não ser incorporado ao edifício doutrinário.
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