segunda-feira, 2 de junho de 2025

O progresso do Espiritismo requer método


 O progresso do Espiritismo requer método

 

Marco Milani

 

Texto publicado na Revista Candeia Espírita, nº 45, juni/2025, p. 8-9

 

A busca pelo conhecimento, em qualquer campo legítimo do saber, deve ser pautada por critérios racionais, éticos e metodológicos que possibilitem distinguir entre o que possui valor universal e o que expressa apenas opiniões particulares. No contexto do Espiritismo, codificado por Allan Kardec, esse princípio se manifesta de forma particularmente clara no chamado "controle universal do ensino dos Espíritos".

Longe de ser uma limitação dogmática ou uma recusa ao progresso das ideias, esse critério se apresenta como um filtro de segurança doutrinária frente ao caráter subjetivo e por vezes contraditório das comunicações mediúnicas presentes em mensagens e romances de fonte única. Kardec, lúcido quanto à natureza falível dos médiuns e à diversidade moral e intelectual dos Espíritos comunicantes, concebeu esse método como forma de garantir que apenas os ensinamentos oriundos de múltiplas fontes concordantes e independentes, obtidos em diferentes lugares e por médiuns diversos, fossem incorporados à estrutura doutrinária.

É, portanto, um erro epistemológico grave interpretar tal critério como uma negação da evolução ou uma espécie de conservadorismo religioso. Pelo contrário, trata-se de uma exigência de maturidade crítica, um exercício de vigilância racional frente à exaltação e ao entusiasmo acrítico com qualquer novidade que se diga “revelação espiritual” advinda de médiuns e Espíritos de estimação.

Kardec reconhecia plenamente o caráter progressivo do conhecimento, inclusive declarando que o Espiritismo caminharia ao lado da Ciência, ajustando seus postulados caso fossem contrariados por descobertas sólidas e bem comprovadas. No entanto, esse progresso não se dá por meio de afirmações isoladas ou visões pessoais, mas por meio da convergência de inteligências e da crítica livre e metódica, exatamente como ocorre no progresso científico legítimo.

Na história do movimento espírita, não é raro encontrar adeptos mais exaltados que, em nome de um suposto "Espiritismo ampliado" ou “pós-kardecismo”, promovem a aceitação cega e apaixonada de mensagens mediúnicas oriundas de fonte única, calcados no apelo à autoridade de quem assina ou de quem as intermediam. Trata-se de um desvio metodológico que ignora os fundamentos racionais, substituindo o rigor do controle universal por uma fé cega e personalista, que tende a instaurar novos dogmatismos sob a aparência de atualização doutrinária.

A crítica a esse tipo de prática não configura uma recusa ao novo, mas sim a exigência legítima de critérios confiáveis para que qualquer novo ensinamento se mostre compatível com os princípios do Espiritismo.

Aceitar indiscriminadamente qualquer mensagem apenas por seu conteúdo emotivo ou pela fama atribuída ao Espírito comunicante, sem que ela seja confrontada com a razão, com o bom senso e com a concordância universal, é retornar ao obscurantismo religioso que o Espiritismo veio justamente superar. Não se trata de um conflito entre tradição e inovação, mas entre responsabilidade epistemológica e credulidade.

A Doutrina Espírita, por sua própria natureza, convida ao exame, à reflexão e à constante depuração de seus conteúdos, desde que o método adotado respeite a postura analítica que está na base de sua construção.

Portanto, reconhecer o valor do controle universal do ensino dos Espíritos não é apegar-se a um passado imutável, mas preservar a coerência e a legitimidade do processo evolutivo do conhecimento espírita. Negar esse princípio é abrir as portas à desorganização doutrinária, ao personalismo místico e ao enfraquecimento da autoridade racional que diferencia o Espiritismo das crenças baseadas na fé cega.

Certamente é possível e esperado que novas informações venham enriquecer o patrimônio do Espiritismo, desde que se submetam a critérios metodológicos de validação objetiva. A razão e a comprovação pelos fatos, e não a autoridade isolada, devem ser sempre o maior critério para julgar o que merece ou não ser incorporado ao edifício doutrinário.

 

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