Possessão e Obsessão
Marco Milani
Apesar de naturalmente compreensível
para os estudiosos do Espiritismo, pode parecer estranho àqueles que não se
aprofundaram adequadamente no tema as seguintes afirmações: Possessão é um
fenômeno possível e este não é, invariavelmente, uma obsessão.
Este entendimento requer uma consulta
criteriosa à Codificação, pois se trata de assunto que o próprio Kardec revisou
durante sua obra e, diante de fatos, desenvolveu o sentido que aparentemente
havia firmado desde 1857 n’O Livro dos Espíritos (LE). Somente a partir de
1863, na Revista Espírita, o Codificador reviu o conceito de possessão,
admitindo a sua existência não mais como subjugação, mas em seu sentido exato.
Sobre o caso verificado da Srta. Julie (RE - Dez/1863), Kardec se expressou da
seguinte maneira:
“Temos dito que não havia possessos (ver LE-473, por exemplo) no sentido
vulgar do vocábulo mas somente subjugados. Voltamos a esta asserção absoluta
porque agora nos é demonstrado que pode haver verdadeira possessão, isto é,
substituição, posto que parcial, de um Espírito errante a um encarnado.”
Kardec, como pesquisador sério e
responsável, retomou um conceito que ele, inicialmente, considerava já definido,
mas que se evidenciou, através de fatos comprovados e pelo crivo racional, com
diferente acepção. Este é um exemplo do dinamismo da Doutrina, que só pode
ocorrer quando validado pela razão e demonstrado irrefutavelmente.
Para melhor diferenciação, devemos
conceituar estes termos conforme encontramos n’A Gênese (GEN - Cap XIV - itens
45 a 49):
a) Obsessão é a ação persistente que um mau Espírito
exerce sobre um indivíduo. Apresenta caracteres muito diferentes, desde a
simples influência moral sem sinais exteriores sensíveis até a perturbação
completa do organismo e das faculdades mentais.
b) Possessão é a ação que um Espírito exerce sobre um
indivíduo encarnado, substituindo-o temporariamente em seu próprio corpo
material. Esta ação não é permanente considerando que a união molecular do
perispírito ao corpo opera-se somente no momento da concepção.
A diferença no processo de comunicação
entre os fenômenos de psicofonia e de possessão também pode ser evidenciada. No
primeiro, o Espírito comunicante transmite seus pensamentos ao encarnado e este
se encarrega de retransmitir conforme seus próprios recursos; no segundo caso,
é o próprio desencarnado que se serve (apossa-se) diretamente do corpo material
e transmite a sua mensagem (o Espírito encarnado afasta-se mas ainda permanece
ligado ao seu envoltório físico).
Esclarecendo objetivamente que a
possessão pode ser promovida por um Espírito bom, encontramos (GEN – Cap. XIV –
item 48):
“A obsessão sempre é o resultado da atuação de um
Espírito malfeitor. A possessão pode ser o feito de um bom Espírito que quer
falar e, para fazer mais impressão sobre os seus ouvintes, toma emprestado o
corpo de um encarnado, que este lhe cede voluntariamente tal como se empresta
uma roupa. Isto se faz sem nenhuma perturbação ou incômodo e, durante este
tempo, o Espírito se encontra em liberdade como num estado de emancipação e
freqüentemente se conserva ao lado de seu substituto para o ouvir.”
Obviamente, a possessão também pode
ocorrer através de um Espírito malfeitor e neste caso caracteriza-se um
processo obsessivo. Assim ocorre quando a vítima não possui força moral para
resistir à agressão e é obrigada a afastar-se temporariamente de seu corpo
(obs: mais uma vez é importante ressaltar que nestes momentos a vítima
permanece ligada ao corpo mas sem o seu domínio).
Considerando o presente nível moral da
humanidade não é de se estranhar que há muito mais casos de possessões
obsessivas do que aquelas com finalidades edificantes.
O Espiritismo, mais uma vez, lança luzes
sobre males ainda considerados pelas ciências materialistas como de causa
patológica. Não descartando esta possibilidade (anormalidade orgânica) a
Doutrina Espírita faz conhecer outras fontes das misérias humanas, mantidas
pela fragilidade moral dos seres. Inteligência e Amor são as armas para se combater
desequilíbrios.
Geralmente se referem a experiências
individuais (como a da Srta. Julie, citada anteriormente) mas Kardec também
relata ocorrências de possessão coletiva (ver RE – 1862/63 – casos em Morzine e
Tananarive).
Assim, contribuindo para o real
entendimento deste processo, devemos distinguir os fenômenos de possessão e
obsessão. A possessão ocorre e pode ser boa ou má; a obsessão sempre é má.
Portanto, nem toda possessão é obsessão.
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