Desistiu
sem saber...
Marco
Milani
Recentemente, foi disponibilizado um vídeo no Youtube intitulado “Por
que desisti do espiritismo?”[1],
em que uma pessoa trajada com um tipo de veste religiosa na cor branca discorre
sobre sua trajetória de vida, informando que ingressou na Ordem Rosacruz ao 16
anos de idade e, simultaneamente, passou a frequentar um centro espírita. O depoente
afirma que, com o passar do tempo, o Espiritismo deixou de atender às suas
expectativas e, segurando um exemplar de O livro dos espíritos para aparentar
conhecimento sobre o assunto, elenca os três motivos que o fizeram se afastar
da doutrina espírita.
O 1º motivo é que, segundo ele,
haveria uma aceitação destemperada das dificuldades e das dores como
consequências de erros do passado, levando a uma acomodação dos indivíduos.
Seria uma aceitação passiva da dor e do sofrimento, diferentemente da postura de
resistência e transformação que ele afirmou existir em algumas escolas “iniciáticas”
e gnósticas.
Certamente o autor do vídeo não compreendeu
a proposta libertadora do Espiritismo com relação ao protagonismo do ser
perante seu próprio futuro em um ambiente regido pelas leis de Justiça, Amor e Caridade
e que valoriza-se o esforço do próprio aprimoramento moral e intelectual. Em
momento algum o Espiritismo propõe o comodismo e o apassivamento do indivíduo,
ao contrário. O ensino dos Espíritos nos permite compreender a Justiça divina
no processo reencarnatório em que cada um depara-se com as consequências de
suas próprias ações e é incentivado pelas leis naturais a progredir. Não
existem milagres ou fórmulas místicas e mágicas que definam o futuro de alguém,
a não ser ele mesmo interagindo com leis perfeitas e imutáveis. Sem esforço,
não se progride. Não se revoltar perante as mazelas da vida, sabendo que tudo
tem uma causa justa, não significa aceitação passiva, mas conhecimento que
afasta o inconformismo raivoso contra Deus e sua Justiça. Se o autor do vídeo tivesse
lido com mais atenção o Capítulo V da obra O evangelho segundo o espiritismo,
por exemplo, dentre inúmeras outras passagens doutrinárias que explicitam a
responsabilidade de nossas ações e suas consequências, talvez tivesse uma outra
abordagem sobre o assunto.
O 2º motivo alegado é que o
Espiritismo teria uma visão eurocêntrica e cristã, desmerecendo ou ignorando
que todos os povos do mundo possuem seus próprios caminhos e mestres, não sendo
nenhum deles melhor que os demais. Para o autor, o Espiritismo se colocaria
numa posição de primazia perante outras filosofias e essa seria uma atitude
arrogante.
Novamente, o autor do vídeo
parece não ter compreendido a proposta universal do ensino dos Espíritos, uma
vez que as leis divinas são as mesmas em qualquer lugar. Por uma questão lógica
de coerência, não se pode importar conceitos com significados próprios de doutrinas
variadas, ocidentais ou orientais, e aplicá-los com outras conotações, ainda
que a essência possa se assemelhar em alguns aspectos, mas diferencia-se em
outros. Em momento algum o Espiritismo desvaloriza as diferentes filosofias e
culturas não cristãs existentes na humanidade, pois todas refletem determinado grau
de compreensão local e temporal da realidade em que vivemos, mas não é por isso
que renegará o avanço do conhecimento
gerado por uma nova abordagem metodológica decorrente de comunicações
mediúnicas obtidas não somente na França, mas em diferentes países com os quais
Kardec se correspondia, inclusive em outros continentes. Igualmente, destacará as
instruções e o exemplo de Jesus, apontado pelos Espíritos como o tipo de
perfeição moral que o homem pode aspirar na Terra.
O 3º motivo apontado pelo autor
do vídeo seria um menosprezo do Espiritismo às tradições esotéricas e gnósticas.
Considerando que o autor do vídeo
demonstrou compartilhar crenças respeitáveis, porém místicas, como na Ordem
Rosacruz, não é de se estranhar que exista um incômodo quanto às incompatibilidades
de posturas. No Espiritismo, por exemplo, não se tem qualquer nível iniciático
ou abraça-se hábitos de como se vestir, ou adota-se amuletos e talismãs, muito
menos reserva-se segredos e informações restritas apenas a alguns. Apontar-se a
ineficácia de tais práticas não significa desrespeitar quem as aprecia.
Entretanto, um motivo que o autor
não explicitou, mas transparece em seu desconforto com a não aceitação do
misticismo pelo Espiritismo, é o fato de que ele elabora e comercializa “mapas
numerológicos pessoais”, como anunciado no próprio vídeo que fez. Por acreditar
que exista um significado oculto nos números que influenciam o comportamento e o
destino dos homens, além de vender produtos a isso relacionados, não surpreende que tenha se afastado de uma doutrina que desmistifica essas práticas
e não estimula o ganho financeiro com elas.
Como se costuma dizer: "os pingos nos ís" fundamentados nos preceitos espíritas. No geral quando nos sentimos incomodados com certos conceitos que ferem frontalmente nosso modo de pensar, viver e articular interesses pessoais, vamos para a crítica e o ataque, buscando conforto ao nosso desconforto, saídas estratégicas para justificar os termos. Vai levando a semente da clareza e lógica espírita, doutrina que não é proselitista e muito menos castradora de liberdade. O Espiritismo é um processo libertador de consciência, que atinge a meta, na medida da vontade, capacidade e motivação de quem se deleita em suas propostas. As justificativas apresentadas pelo autor do artigo, fecham a questão.
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