terça-feira, 2 de abril de 2024

Leitura (ou não) das obras fundamentais de Allan Kardec por dirigentes espíritas

 


Leitura (ou não) das obras fundamentais de Allan Kardec por dirigentes espíritas

 

Marco Milani

 

Texto publicado na Revista Candeia Espírita, nº 31, abril de 2024, p. 9-10

 

Conforme levantamento realizado com 115 dirigentes espíritas (MILANI FILHO, 2022), constatou-se uma situação preocupante com relação à divulgação doutrinária: em média, apenas 56,5% dos respondentes afirmaram ter lido, integralmente e pelo menos uma vez, todas as 5 obras consideradas fundamentais do Espiritismo, de autoria de Allan Kardec.

Na Tabela 1, observa-se a frequência de respostas, por tempo declarado pelo dirigente de adesão ao Espiritismo.

 

Tabela 1 – Leitura integral das obras fundamentais

                         Fonte: Milani Filho, 2022

 Legenda

LE – O livro dos espíritos;  LM – O livro dos médiuns; ESE – O evangelho segundo o espiritismo; CI – O céu e o inferno; GEN – A gênese.

 

            Entre todos os respondentes, as obras mais lidas são: O livro dos espíritos (93,0%) e O evangelho segundo o espiritismo (91,3%). As obras menos lidas, por sua vez, são: O livro dos médiuns (78,3%), O céu e o inferno (70,4%) e A gênese (69,9%).

Conforme o esperado, os respondentes com mais tempo de vivência espírita apresentam maior familiaridade com as obras indicadas. Por exemplo, 71,2% dos dirigentes com mais de 30 anos declarados de adesão ao Espiritismo já leram todas as obras fundamentais, entretanto, isso significa que 28,8% desse grupo experiente não leram esse conjunto de livros. Certamente, essa ausência de leitura pode implicar desconhecimento de conteúdo doutrinário relevante.

A participação dos respondentes com tempo inferior a 5 anos de adesão é pequena (3,5%), mas verifica-se que desses, 50% nunca leram uma das obras fundamentais de maneira integral, 25% leram todas e os demais 25% leram, ao menos uma delas, de maneira completa.

            No grupo com tempo entre 6 e 10 anos de adesão, representando 8,7% do total da amostra, 90% já leram integralmente ao menos uma das obras, ou seja, 10% não leram integralmente nenhuma delas. Quase os mesmos percentuais do grupo de 11 a 20 anos.

            Na faixa de 21 a 30 anos, 52,0% leram todas as obras e, consequentemente, 48,0% desses dirigentes espíritas não leram pelo menos uma das cinco obras fundamentais em sua totalidade.

            O fato de 56,5% dos respondentes não terem lido integralmente ao menos uma das obras fundamentais pode sinalizar um problema na argumentação doutrinária, principalmente pelo fato dessas pessoas ocuparem posições de dirigentes em casas espiritas. Diante da frequência de leitura inferior de obras como O livro dos médiuns, O céu e o inferno e A gênese, a própria compreensão dos princípios e valores doutrinários fica comprometida.

            O desconhecimento das cinco obras fundamentais, sem contar o restante dos livros com riquíssimo conteúdo doutrinário que deveriam ser leitura obrigatória a qualquer um que realmente queira conhecer e praticar o Espiritismo, como a coleção da Revista Espírita, O que é o Espiritismo, Viagem espírita de 1862 etc., faz com que alguns adotem narrativas compensatórias para relativizar a relevância do estudo. Ao justificar, por exemplo, que o importante é fazer o bem e não ficar preocupado em estudar sobre a natureza, a origem e o destino dos Espíritos, assim como sobre as suas relações com o mundo corporal, aquele que se autodeclara espírita e não conhece os princípios da doutrina que supõe abraçar, pode desorientar alguém que realmente deseja conhecer o Espiritismo com ideias fantasiosas, místicas e supersticiosas se estiver na posição de dirigente de uma instituição espírita.

      Na edição de dez/1868 da Revista Espírita, ao apontar os riscos de cismas no Espiritismo, Allan Kardec destacou que o personalismo e as interpretações equivocadas do conteúdo doutrinário seriam algumas de suas causas.

          Ressaltando-se que a clareza e a objetividade do ensino deveriam ser os fatores relevantes para a unidade doutrinária, os diferentes graus de compreensão do Espiritismo, aliados às paixões pessoais de alguns supostos adeptos, podem promover a disseminação de ideias divergentes dos princípios doutrinários e provocar a desunião.

Desde sua origem, não faltaram no movimento espírita propostas fantasiosas feitas por místicos que desafiavam a lógica em nome do ocultismo e revelações exclusivas. Sempre “em nome do bem”. Todos foram, com fraternidade e firmeza, contra-argumentados por Kardec, o qual demonstrava a falta de coerência doutrinária e de sustentação filosófica e científica dessas propostas mirabolantes e supersticiosas.

            Ao dirigente espírita, portanto, não basta a boa vontade, mas o conhecimento para desempenhar seu papel orientador de maneira coerente. Estudar as obras de Kardec é fundamental.

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*MILANI FILHO, M. A. F. Coerência doutrinária espírita: limites e desafios. In: FONSECA, A. Coerência doutrinária na pesquisa espírita. 1ª ed. São Paulo: CCDPE, 2022. Cap. 1, p. 21-51.


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