domingo, 1 de setembro de 2024

A boa nova trazida pelo Espiritismo

 


A boa nova trazida pelo Espiritismo

 

Marco Milani


 Texto publicado na Revista Candeia Espírita, nº 36, setembro de 2024, p. 9-11


A palavra Evangelho (em grego, Euangelion), etimologicamente é composta por dois elementos: Eu, que significa bom ou boa, e Angelion, que significa mensagem ou notícia. Portanto, Evangelho significa boa notícia, boa mensagem ou boa nova.

Na cultura cristã, Evangelho passou a ser utilizado genericamente para designar a mensagem central trazida por Jesus, referente à salvação do homem e ao Reino de Deus. A expressão “boa nova”, portanto, está tradicionalmente associada ao Evangelho de Jesus, sendo entendida como uma mensagem de esperança e um roteiro de conduta à humanidade.

As principais fontes históricas dos ensinos cristãos sãos os Evangelhos cujas autorias são atribuídas a Mateus, Marcos, Lucas e João, ainda que tais registros estejam sujeitos a questionamentos críticos como a incerteza sobre a real origem e datação dos textos, a confiabilidade das fontes utilizadas e algumas discrepâncias nos relatos. Além disso, a influência das intenções teológicas dos autores e o contexto sociocultural da época impactam a objetividade desses registros. A tradição oral antes da escrita e a comparação com outras fontes históricas contemporâneas também são analisados modernamente para avaliar a precisão e a autenticidade dos relatos evangélicos.

Na perspectiva espírita, essa boa nova ganha uma dimensão ampliada, pois o Espiritismo não só reafirma os ensinamentos morais de Cristo, como também os reinterpreta à luz da razão e da ciência.

Apresentado ao mundo por Allan Kardec no século XIX, o Espiritismo surgiu como um marco na evolução do pensamento filosófico, oferecendo uma nova perspectiva sobre a “natureza, origem e destino dos Espíritos, assim como suas relações com o mundo corporal”[1]. Sendo uma doutrina filosófica com consequências morais, Jesus foi apontado como a referência máxima de conduta e, ainda, seus ensinamentos foram esclarecidos e desenvolvidos sob novas luzes.

Ao propor uma visão mais abrangente do Evangelho, o Espiritismo destaca a importância da evolução espiritual contínua, em diferentes encarnações, bem como da responsabilidade individual perante a leis divinas.

Uma das principais concepções da boa nova espírita é a abordagem da preexistência e imortalidade da alma em um ambiente regido por leis naturais perfeitas. Enquanto muitas filosofias e doutrinas apresentam a origem do ser e a vida após a morte como mistérios ou dogmas inquestionáveis, o Espiritismo as trata como uma realidade natural, passível de estudo e compreensão. Por meio da mediunidade, fenômeno amplamente documentado e estudado da doutrina espírita, é possível estabelecer valiosas comunicações com os seres desencarnados, demonstrando a continuidade da vida além do corpo físico e nutrir-se dos esclarecimentos proporcionados diretamente sob a ótica espiritual. Esse entendimento não só alivia o medo da morte, mas também oferece uma visão consoladora sobre o destino da alma, integralmente fundamentada na justiça e bondade divina.

A reencarnação, como elemento central na boa nova espírita, justifica o fato de que cada indivíduo vive múltiplas experiências objetivando o seu progresso moral e intelectual. Com uma explicação lógica para as desigualdades e sofrimentos humanos, o Espiritismo aponta a inúmeras oportunidades de aprimoramento espiritual. Sendo o principal mecanismo da justiça divina, em que cada ser depara-se com os resultados de suas escolhas, acertadas ou não, o fenômeno reencarnatório reforça a ideia de responsabilidade pessoal, como também promove uma visão otimista e evolutiva da existência, onde as dificuldades enfrentadas na vida alinham-se a um propósito educativo e transformador do ser.

Outro aspecto relevante da boa nova espírita é o axioma de que todo efeito possui uma causa, vinculando as ações realizadas ou intencionadas pelo indivíduo com as consequências, positivas ou negativas, refletidas em sua vida atual ou em futuras encarnações. A compreensão desse axioma estimula o desenvolvimento de uma consciência ética mais profunda, onde a prática do bem se torna não apenas uma virtude, mas uma necessidade para a construção de um futuro melhor.

A moral cristã, fundamentada na caridade, na humildade e no perdão, é outro ponto fundamental da boa nova sob a perspectiva espírita. No entanto, ultrapassa a simples adesão a esses princípios, propondo uma aplicação prática e cotidiana. O Espiritismo incentiva o autoconhecimento e o aperfeiçoamento constante do indivíduo pela prática do bem. Essa transformação é essencial para o progresso espiritual e para a construção de uma sociedade mais justa e fraterna. A caridade, em particular, é enfatizada no ensino dos Espíritos como a base de todas as virtudes, sendo considerada o verdadeiro caminho para a harmonia e a paz interior.

Ao promover valores como a liberdade e a solidariedade, o Espiritismo alinha-se com as propostas que valorizam os direitos individuais, as ações voluntárias humanistas e a liberdade de consciência.

Por fim, é importante destacar a relação do Espiritismo com a ciência, especificamente pelo pensamento crítico e racional que lhe permite ressaltar um de seus pilares: a fé raciocinada. Ao contrário de muitas linhas religiosas que veem a ciência como uma ameaça à fé, o Espiritismo a considera uma aliada na busca pela verdade. Por meio do estudo dos fenômenos mediúnicos e das investigações sobre a natureza da alma, o Espiritismo concilia fé e razão, oferecendo uma visão coerente e integrada do universo. Essa abordagem lógica permite que a doutrina espírita seja acessível a diferentes públicos, independentemente de crenças religiosas ou culturais, promovendo um diálogo aberto sobre as grandes questões da existência.

A boa nova trazida pelo Espiritismo representa, sinteticamente, um avanço no conhecimento revigorando os valores cristãos, condizentes com as necessidades e os desafios do mundo contemporâneo. Combinando ética, ciência e espiritualidade, o Espiritismo oferece uma mensagem de esperança e progresso para a humanidade, baseada na compreensão da pré-existência e da imortalidade da alma, na reencarnação, no axioma de causa e efeito e na prática do amor e da caridade. Essa nova visão do Evangelho, profundamente racional e fraterna, se coloca como um farol para aqueles que buscam um sentido maior na vida e um caminho para a evolução pessoal.

 



[1] Ver O que é o Espiritismo – Preâmbulo, de Allan Kardec.


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