segunda-feira, 11 de novembro de 2024

A prudência doutrinária perante romances mediúnicos

 

A prudência doutrinária perante romances mediúnicos


 Marco Milani


 Texto publicado na Revista Dirigente Espírita, Ed. 202, set/out 2024, p. 33-34


Não é raro, principalmente entre neófitos, encontrar quem considera a vasta literatura romanceada e ficcional voltada ao mercado editorial espírita como sendo parte integrante da Doutrina Espírita. Ao equiparar romances mediúnicos às obras doutrinárias, comete-se um equívoco metodológico significativo. Allan Kardec adotou um critério de validação das informações obtidas por diferentes médiuns e em diferentes locais, denominado Controle Universal do Ensino dos Espíritos, o qual consistia em identificar o conteúdo convergente nas comunicações mediúnicas obtidas em diferentes grupos, por médiuns que não se conheciam entre si. Somente as informações que fossem corroboradas por múltiplas fontes, de maneira coerente e universal, eram aceitas como ensino dos Espíritos, integrantes do Espiritismo. Esse método não limitava a validade de princípios e valores a um único médium ou Espírito desencarnado.

Por outro lado, textos escritos por uma única fonte espiritual ou mediúnica podem expressar, isoladamente, apenas a opinião do Espírito comunicante.

Os romances mediúnicos merecem ser apreciados e estudados. O próprio Kardec incluiu vários deles no Catálogo Racional para se fundar uma biblioteca espírita, sugerindo ao estudioso espírita que tomasse contato com eles. Embora possam trazer informações e reflexões valiosas sobre a vida espiritual, não passam pelo mesmo rigor metodológico. Eles são frequentemente o produto da interpretação e das vivências de um determinado Espírito. Por isso, esses livros apresentam visões parciais, mais focados em impressões particularizadas do que em conhecimentos universais.

Certamente, os romances ditos “mediúnicos” são muito populares, ocupando lugar de destaque no gênero dos livros mais comercializados. Utilizando uma linguagem próxima do cotidiano e contando com histórias emocionantes que facilitam a identificação do leitor com as experiências narradas, romances ficcionais sensibilizam. Além disso, como são obras mais recentes, alguns chegam a acreditar que elas ofereceriam uma visão mais atualizada do mundo espiritual. Essa percepção, no entanto, tende a ser enganosa, pois a validade das informações não depende da data em que foram transmitidas, mas sim do método pelo qual foram verificadas. A história envolvente e convincente desses romances, atrelada à simpatia e à idoneidade dos médiuns, também pode levar muitos leitores a aceitarem essas obras como relatos fidedignos do mundo espiritual, sem o devido ceticismo ou análise crítica.

Especular que os romances mediúnicos sejam realistas e doutrinariamente mais robustos do que as obras de Kardec, baseando-se em argumentos de autoridade (quem assina a comunicação, quem foi o médium etc.) sem a necessária validação metodológica, é uma imprudência grave, que fere a esperada fé raciocinada. Tudo deve ser questionado e não se deve aceitar cegamente as informações mediúnicas de fonte única.

Assim, é relevante aos adeptos do Espiritismo distinguir entre o valor literário e moral dos romances mediúnicos e a Doutrina Espírita propriamente dita. Os romances podem ser motivacionais e úteis para reflexões pessoais, inclusive para a formulação de hipóteses descritivas da realidade espiritual, mas não devem ser confundidos com a doutrina estabelecida através do CUEE. Essa falta de distinção e a aceitação irrefletida de informações supostamente mediúnicas como verdades objetivas podem levar a distorções na compreensão do Espiritismo e à perpetuação de crenças não fundamentadas.

              Leiamos o que quisermos, mas com as lentes da razão.


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