quarta-feira, 14 de maio de 2025

Além do carisma: reflexões sobre o fim de uma era de grandes médiuns

 

Além do carisma: reflexões sobre o fim de uma era de grandes médiuns

 

Marco Milani

 

A desencarnação de Divaldo Pereira Franco, ocorrida neste 13 de maio de 2025, representa um marco histórico ao movimento espírita brasileiro e mundial. Mais do que o encerramento de uma trajetória pessoal notável, testemunhamos o fim de uma era caracterizada por médiuns cuja projeção pública e longevidade conferiram ao Espiritismo uma visibilidade e uma respeitabilidade únicas, embora não isentas de tensões doutrinárias e desafios interpretativos.

Divaldo foi, sem dúvida, um dos grandes nomes do Espiritismo do século XX e início do XXI. Sua obra social à frente da Mansão do Caminho, sua incansável atividade como orador e divulgador do pensamento espírita, e a vasta produção mediúnica atribuída a diversos Espíritos, notadamente a figura de Joanna de Ângelis, colocaram-no numa posição de liderança moral e intelectual junto a multidões. Por mais de sete décadas, ele foi presença constante em tribunas, congressos, emissoras de rádio, televisão e, mais recentemente, nas plataformas digitais, difundindo mensagens de espiritualidade, ética e consolo.

No entanto, a relevância de sua desencarnação transcende sua figura. Ela encerra simbolicamente um ciclo do movimento espírita marcado por personalidades carismáticas, por médiuns de projeção quase institucional, que acabaram, de fato, se tornando referências interpretativas da Doutrina, muitas vezes ocupando no imaginário coletivo um lugar que, conforme advertia Allan Kardec, jamais deveria substituir o da razão e da universalidade dos ensinos dos Espíritos. É o ciclo de pessoas como Chico Xavier, Yvonne do Amaral Pereira, Suely Caldas Schubert, e agora, Divaldo Franco, representantes de uma geração que formou o imaginário espiritual de milhões, com todas as virtudes e ambivalências que essa influência implica. Todos, ainda que falíveis como qualquer ser humano, contribuíram decisivamente para a divulgação do Espiritismo conforme suas capacidades e limitações.

A morte de Divaldo convida ao exercício da gratidão e reconhecimento sincero por sua dedicação constante à causa do bem, por sua postura pública digna, por sua ação filantrópica concreta e transformadora.

Diante do fim de uma era de grandes médiuns, o Espiritismo tem a responsabilidade de buscar sua vocação original: a de ser uma filosofia espiritualista baseada na razão, na observação e no exame coletivo e metódico das comunicações mediúnicas obtidas em toda parte e por figuras anônimas. É hora do movimento espírita revalorizar a obra de Kardec não como objeto de adoração, mas como projeto filosófico em desenvolvimento, que exige estudo sério, debate aberto e compromisso com a coerência entre forma e conteúdo. Talvez a era das grandes figuras carismáticas ceda lugar à era da coletividade lúcida, da pesquisa espírita comprometida com a universalidade e da educação moral baseada no esclarecimento, não na autoridade de figuras isoladas.

O retorno de Divaldo ao mundo espiritual, com toda a serenidade que certamente acompanhará um Espírito de tamanha entrega ao bem, deixa um legado que precisa ser respeitado, mas não petrificado. O verdadeiro tributo que se pode prestar a ele não está em santificá-lo, mas em compreender que sua trajetória, com méritos e limites, pertence a uma etapa do Espiritismo que cumpriu seu papel e agora cede lugar a novos desafios. A maturidade do movimento se mede pela capacidade de honrar seus nomes sem os canonizar, de acolher a emoção da partida sem se afastar da razão crítica.

Que o próximo período seja marcado, como propôs Kardec, pela razão aliada à moral, centrado na educação do Espírito como processo contínuo de emancipação interior. Enquanto isso, despedimo-nos do caro Divaldo desejando um excelente retorno à Pátria Espiritual.

 


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