Além
do carisma: reflexões sobre o fim de uma era de grandes médiuns
Marco
Milani
A desencarnação de Divaldo Pereira Franco, ocorrida neste 13 de maio
de 2025, representa um marco histórico ao movimento espírita brasileiro e
mundial. Mais do que o encerramento de uma trajetória pessoal notável,
testemunhamos o fim de uma era caracterizada por médiuns cuja projeção pública
e longevidade conferiram ao Espiritismo uma visibilidade e uma respeitabilidade
únicas, embora não isentas de tensões doutrinárias e desafios interpretativos.
Divaldo foi, sem dúvida, um dos grandes nomes do Espiritismo do século
XX e início do XXI. Sua obra social à frente da Mansão do Caminho, sua
incansável atividade como orador e divulgador do pensamento espírita, e a vasta
produção mediúnica atribuída a diversos Espíritos, notadamente a figura de
Joanna de Ângelis, colocaram-no numa posição de liderança moral e intelectual
junto a multidões. Por mais de sete décadas, ele foi presença constante em
tribunas, congressos, emissoras de rádio, televisão e, mais recentemente, nas
plataformas digitais, difundindo mensagens de espiritualidade, ética e consolo.
No entanto, a relevância de sua desencarnação transcende sua figura.
Ela encerra simbolicamente um ciclo do movimento espírita marcado por
personalidades carismáticas, por médiuns de projeção quase institucional, que
acabaram, de fato, se tornando referências interpretativas da Doutrina, muitas
vezes ocupando no imaginário coletivo um lugar que, conforme advertia Allan
Kardec, jamais deveria substituir o da razão e da universalidade dos ensinos
dos Espíritos. É o ciclo de pessoas como Chico Xavier, Yvonne do Amaral Pereira, Suely Caldas Schubert, e agora, Divaldo Franco, representantes de uma geração que
formou o imaginário espiritual de milhões, com todas as virtudes e
ambivalências que essa influência implica. Todos, ainda que falíveis como
qualquer ser humano, contribuíram decisivamente para a divulgação do
Espiritismo conforme suas capacidades e limitações.
A morte de Divaldo convida ao exercício da gratidão e reconhecimento
sincero por sua dedicação constante à causa do bem, por sua postura pública
digna, por sua ação filantrópica concreta e transformadora.
Diante do fim de uma era de grandes médiuns, o Espiritismo tem a
responsabilidade de buscar sua vocação original: a de ser uma filosofia
espiritualista baseada na razão, na observação e no exame coletivo e metódico
das comunicações mediúnicas obtidas em toda parte e por figuras anônimas. É
hora do movimento espírita revalorizar a obra de Kardec não como objeto de adoração,
mas como projeto filosófico em desenvolvimento, que exige estudo sério, debate
aberto e compromisso com a coerência entre forma e conteúdo. Talvez a era das
grandes figuras carismáticas ceda lugar à era da coletividade lúcida, da
pesquisa espírita comprometida com a universalidade e da educação moral baseada
no esclarecimento, não na autoridade de figuras isoladas.
O retorno de Divaldo ao mundo espiritual, com toda a serenidade que
certamente acompanhará um Espírito de tamanha entrega ao bem, deixa um legado
que precisa ser respeitado, mas não petrificado. O verdadeiro tributo que se
pode prestar a ele não está em santificá-lo, mas em compreender que sua
trajetória, com méritos e limites, pertence a uma etapa do Espiritismo que
cumpriu seu papel e agora cede lugar a novos desafios. A maturidade do
movimento se mede pela capacidade de honrar seus nomes sem os canonizar, de
acolher a emoção da partida sem se afastar da razão crítica.
Que o próximo período seja marcado, como propôs Kardec, pela razão aliada à moral, centrado na educação do Espírito como processo contínuo de emancipação interior. Enquanto isso, despedimo-nos do caro Divaldo desejando um excelente retorno à Pátria Espiritual.
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