Marco Milani
Texto publicado na Revista Dirigente Espírita, n.206,
mai/jun 2025, p.34-35
A ciência busca compreender os fenômenos por meio
de investigações que respeitam critérios rigorosos de validade e
confiabilidade. Contudo, o acesso facilitado à informação e a crescente demanda
por respostas imediatas têm contribuído para interpretações simplificadas e,
muitas vezes, equivocadas dos resultados de pesquisas. Quando os achados
científicos são utilizados fora de seu contexto original, promovem-se
generalizações que, desprovidas do necessário respaldo metodológico, acabam
legitimando convicções pessoais e interesses particulares, comprometendo a
integridade do discurso científico.
A tendência de resumir dados complexos em mensagens
de fácil assimilação e com forte apelo pela atenção tem raízes na cultura
contemporânea, onde a velocidade da informação frequentemente se sobrepõe à
qualidade do conteúdo divulgado. A redução dos resultados de estudos a
afirmações unidimensionais desvirtua o caráter investigativo da ciência e pode
levar a interpretações equivocadas, especialmente quando conclusões de
pesquisas observacionais são extraídas sem a devida consideração das variáveis
intervenientes e limitações metodológicas. Essa prática, difundida em diversas
áreas do conhecimento, desde a saúde até as ciências sociais, ratifica ideias
preestabelecidas e fortalece a polarização no debate público, dificultando a
construção de consensos baseados em evidências.
No meio espírita, esse fenômeno também ocorre,
especialmente quando descobertas científicas são divulgadas de forma parcial
para validar crenças ou fortalecer a identidade do movimento. Um exemplo
clássico foi a repercussão da interessante dissertação de mestrado[1]
de Ricardo Monezi Julião de Oliveira, defendida na Universidade de São Paulo
(USP) em 2003, que investigou os efeitos da imposição de mãos em camundongos e
concluiu que há uma alteração fisiológica decorrente desse ato e que há que se
estudar porque ela ocorre. Embora o estudo tenha indicado possíveis benefícios
terapêuticos nos sistemas hematológico e fisiológico dos animais, ele não
analisou especificamente o passe espírita, nem tinha como objetivo comprovar a
eficácia dessa prática no contexto doutrinário. No entanto, na ocasião, diversos
grupos espíritas alardearam equivocadamente que a USP havia comprovado
cientificamente os efeitos do passe espírita, uma extrapolação indevida que
desconsiderava as limitações e o escopo real da pesquisa. Não é pelo fato de um
trabalho de pesquisa ser aprovado numa banca de mestrado ou doutorado que a
instituição promotora atesta a validade e veracidade do conteúdo do respectivo
estudo. A única coisa que a Instituição de Ensino Superior se responsabiliza é
o registro público das milhares de defesas que ocorrem regularmente em suas
dependências. Certamente a pesquisa de Ricardo Oliveira desperta a atenção de
pesquisadores espíritas e deve ser analisada, mas há uma grande distância entre
o objeto estudado e as notícias sensacionalistas a respeito.
Recentemente, uma promissora pesquisa liderada pelo
médico Alexander Moreira-Almeida analisou diferenças genéticas em supostos médiuns
e não-médiuns e foi publicada na Revista Brasileira de Psiquiatria[2].
Trata-se de valioso trabalho sugerindo que podem existir aspectos biológicos
associados àqueles que alegam participar de fenômenos mediúnicos. Contudo, a
pesquisa não afirma que a mediunidade é determinada geneticamente, nem exclui a
influência de outros fatores materiais nos resultados. Mesmo assim, diversos
meios de comunicação espíritas divulgaram que "a ciência comprovou que a
mediunidade depende de uma condição orgânica", em associação direta com o
conhecimento doutrinário espírita, criando uma narrativa simplista com o
próprio rigor metodológico adotado no estudo.
É indispensável que se mantenha a clareza na
exposição dos limites das investigações, o reconhecimento das incertezas
inerentes ao processo científico e a utilização de uma linguagem que preserve a
complexidade dos dados.
Corroborando com a prudência necessária, o assessor
de ciência e pesquisa da União das Sociedades Espíritas do Estado de São Paulo,
Alexandre Fontes da Fonseca, discorre sobre a mesma situação e destaca que
“esse trabalho não confirma nenhuma especificidade ou especialidade da glândula
pineal com relação à mediunidade”, que é outro assunto bastante discutido em
parte do movimento espírita.[3]
A educação científica, tanto em ambientes
acadêmicos quanto em espaços menos familiarizados com as questões metodológicas
da produção do conhecimento, desempenha um papel crucial na formação de uma
sociedade crítica e capaz de discernir entre uma ciência robusta e discursos apaixonados
pseudocientíficos. Assim, o compromisso com a transparência, a ética e a
rigorosidade dos métodos utilizados devem nortear não só a produção científica,
mas também sua divulgação, a fim de preservar a credibilidade da ciência e
promover um debate público esclarecido, contribuindo para a construção de um
ambiente de conhecimento sólido e transformador.
[1]
Oliveira, R.M.J. (2003). “Avaliação de efeitos da prática de impostação de mãos sobre
os sistemas hematológico e imunológico de camundongos machos”. Disponível em: https://teses.usp.br/teses/disponiveis/5/5160/tde-23092014-145211/pt-br.php
[2]
Gattaz, W. F. et al. (2025). “Candidate Genes
Related to Spiritual Mediumship: A Whole Exome Sequencing Analysis of Highly
Gifted Mediums”. Disponível em: https://www.bjp.org.br/export-pdf/3591/bjp3958.pdf
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