O “Eco d’Além Túmulo” e sua relevância histórica
Marco
Milani
Texto
publicado na Revista Dirigente Espírita, n.207, jul/ago 2025, p. 9-10
A história do Espiritismo no Brasil se entrelaça com o desenvolvimento
de seus meios de divulgação e organização. Entre esses marcos, destaca-se a
criação do periódico Eco d’Além Túmulo, publicado pela primeira vez na
cidade baiana de Salvador, em julho de 1869. Trata-se do primeiro jornal
espírita brasileiro de que se tem registro, surgido poucos meses depois da
desencarnação de Allan Kardec. Sua existência representa não apenas um marco
editorial, mas também um testemunho da recepção e difusão da Doutrina Espírita
em solo brasileiro, em um contexto social e cultural ainda profundamente
marcado pelo catolicismo.
Luiz Olímpio Teles de Menezes, seu fundador, traduziu diversos trechos
das obras de Allan Kardec e já dirigia o primeiro grupo familiar de estudos
espíritas do Brasil, criado em 1865, também em Salvador. O jornal surgiu como
extensão natural desse esforço de divulgação, assumindo um papel central na
difusão dos princípios do Espiritismo segundo a codificação kardequiana.
Sua relevância pode ser observada sob diversos aspectos. Em primeiro
lugar, o Eco d’Além Túmulo funcionava como veículo de instrução
doutrinária. Trazia artigos que explicavam os fundamentos do Espiritismo,
publicava comunicações mediúnicas, respostas a críticos e reflexões sobre moral
cristã e espiritualidade. Em um período em que os livros eram escassos e caros,
um jornal de circulação regular oferecia uma forma mais acessível de contato
com a nova doutrina, cumprindo um papel educativo entre os leitores e
simpatizantes.
Em segundo lugar, o periódico exercia função de articulação do
nascente movimento espírita brasileiro. Através dele, formaram-se redes de
correspondência, divulgaram-se reuniões e experiências mediúnicas, e criaram-se
os primeiros vínculos entre os diversos núcleos espíritas que começavam a
surgir no país. Assim, o Eco d’Além Túmulo pode ser considerado uma
espécie de catalisador inicial do movimento, ajudando a construir uma
identidade doutrinária nacional ainda em seus primeiros passos.
A iniciativa era ousada e desafiadora. O Brasil do século XIX era
ainda um Império, com forte influência da Igreja Católica, e qualquer ideia que
contrariasse os dogmas religiosos estabelecidos encontrava resistência. Além
disso, o próprio conceito de liberdade de imprensa era limitado. Ainda assim, o
periódico manteve-se firme em sua proposta de divulgar a filosofia espírita com
seriedade, coragem e compromisso com a razão. Por essa razão, ele representa
também um exemplo de resistência intelectual e liberdade de pensamento.
Outro ponto notável é que, ao contrário de outros movimentos
religiosos que surgiram no país, o Espiritismo não chegou ao Brasil por via
missionária estrangeira, mas sim através de figuras como Teles de Menezes, que conheceram
a doutrina por leitura direta das obras kardecistas. Isso confere ao Eco
d’Além Túmulo uma importância ainda maior, pois simboliza a autonomia e o
protagonismo dos primeiros espíritas brasileiros na assimilação e tradução do
pensamento espírita à realidade local.
Embora sua circulação tenha sido restrita e seu tempo de publicação
limitado a pouco menos de um ano, sua influência foi duradoura. Serviu de
modelo para outras iniciativas similares em diferentes estados, inspirando a
fundação de novos periódicos, centros e sociedades espíritas. Nas décadas
seguintes, a imprensa espírita se tornaria uma das principais ferramentas de
expansão e consolidação do Espiritismo no Brasil, com publicações como Reformador,
O Clarim e outras tantas que marcaram épocas distintas.
Portanto, falar da relevância do Eco d’Além Túmulo é reconhecer
não apenas seu pioneirismo, mas também seu papel estruturante. Ele representa o
momento em que o Espiritismo deixou de ser um estudo privado, reservado a
círculos intelectuais, e passou a se apresentar ao público como proposta
filosófica, ética e espiritual de alcance social. É, em certo sentido, o
símbolo do início da presença espírita na vida pública brasileira.
Com base nos ideais de racionalidade, moralidade e imortalidade da
alma, o jornal fundado por Teles de Menezes pavimentou um caminho que mais
tarde transformaria o Brasil no país com maior número de espíritas do mundo.
Sua memória, portanto, não deve ser tratada como mera curiosidade histórica,
mas como parte fundamental da trajetória do pensamento espírita no Brasil. Em
tempos em que a informação circula em velocidade e volume nunca vistos,
recordar o papel formativo de um periódico do século XIX é também lembrar que a
qualidade do debate e o compromisso com o esclarecimento continuam sendo
valores essenciais para o Espiritismo.
Hoje, resgatar a história do Eco d’Além Túmulo é um exercício
de gratidão à ousadia daqueles que, antes de nós, abriram as primeiras veredas
para a luz do Espiritismo em terras brasileiras.
Nota: as
edições do Eco d’Além Túmulo podem ser consultadas em: https://memoria.bn.gov.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=706728&pagfis=1
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