segunda-feira, 20 de novembro de 2023

O período de luta do Espiritismo

 

O período de luta do Espiritismo

 

Marco Milani

 

Texto publicado na Revista Dirigente Espírita – ed. 197, set/out 2023, p. 18-19

 

            Na Revista Espírita de Setembro/1858, Allan Kardec predisse que a propagação do Espiritismo ocorreria em quatro períodos distintos, iniciando-se pela curiosidade despertada pelos fenômenos de efeito físico, passando pela fase filosófica representada pela estruturação doutrinária, depois consolidando-se como crença universalmente reconhecida no chamado período de admissão e, finalmente, atingindo o período de influência sobre a ordem social em decorrência da moralização do indivíduo, contribuindo para a felicidade da Humanidade.

            Cinco anos depois, diante de alguns acontecimentos que fizeram com que Kardec revisse essas etapas, ele acrescentou mais duas. Na Revista Espírita de dezembro/1863, são elencados os seis períodos do Espiritismo, a saber:

 

1)     Período da curiosidade;

2)     Período filosófico;

3)     Período de luta;

4)     Período religioso (inicialmente chamado de admissão);

5)     Período intermediário;

6)     Período da renovação social.

         Nos primeiros anos, a Doutrina Espírita atraiu a atenção social para as manifestações mediúnicas e rapidamente reuniu adeptos em diferentes países com a publicação dos princípios e valores doutrinários na obra O livro dos Espíritos.

Sua rápida propagação passou a gerar preocupações e a atrair ataques cada vez mais intensos de seus detratores. O período de luta foi adicionado na marcha do Espiritismo considerando a forte resistência e os embates promovidos por representantes de determinados segmentos da sociedade que viram suas convicções ameaçadas pelas ideias espíritas.

O Auto de Fé de Barcelona (Espanha), ocorrido em 9/10/1861, quando 300 livros espíritas foram queimados em praça pública por ordem do bispo católico local, exemplificou a ferocidade dos adversários que já pressentiam a profundidade das mudanças trazidas pela nova filosofia espiritualista.

            Em texto publicado na Revista Espírita de janeiro/1867, avaliando a situação do movimento espírita na ocasião, Kardec enfatizou que o período de luta não havia terminado e estava longe de chegar ao fim.

 Mesmo diante dos nítidos avanços na propagação das ideias espíritas, os adversários agiam intransigentemente e o confronto era inevitável e necessário, porém com a certeza de que o futuro reservaria a bonança após a tempestade.

            Em 31/03/1869, Kardec desencarnou esforçando-se para promover o laço de fraternidade que deveria unir todos os adeptos e era necessário para que o Espiritismo entrasse no período religioso, tal qual ele mesmo já havia afirmado o sentido filosófico de religião (ver Revista Espírita, dezembro/1868), porém, o período de luta ainda estava a pleno vapor.

            Passados quase dois séculos após o lançamento de sua primeira obra fundamental, o Espiritismo ainda encontra-se lutando contra as investidas promovidas por materialistas e por representantes de crenças fanatizadas e exclusivistas, além das tentativas de deturpação sincrética e místicas que produzem bizarrices antidoutrinárias.

            Um dos maiores desafios presentes atualmente para se valorizar a unidade do corpo teórico do Espiritismo, entretanto, é interno ao movimento espírita e liga-se à conscientização dos adeptos sobre a superioridade metodológica de Kardec para validar as informações doutrinárias diante de simples manifestações opinativas expressas em livros e discursos individuais. Em outras palavras, não se pode abraçar opiniões contidas em obras literárias sobre a temática espírita desse ou daquele autor encarnado ou desencarnado, ou proferidas em discursos por empolgados palestrantes, como sendo novas “revelações” que superariam os ensinos dos Espíritos publicados por Allan Kardec. Para se reconhecer uma informação como válida, antes ela deve contar com evidências objetivas que a sustentem e não a façam depender de argumento de autoridade de médiuns ou Espíritos específicos.

              A tática dos adversários ganhou contornos específicos, intensificando a dissimulação corrosiva ao plantar focos de discórdia e ódio entre os próprios adeptos como tentativa de fragmentação e corrosão dos princípios e valores espíritas.[1]

Em outra frente de combate, fruto de ilusões utópicas, muitos militantes político-partidários que se autodenominam espíritas selecionam e reinterpretam conceitos doutrinários para legitimar o modelo de relações socioeconômicas que veneram. Sob a alegação de “atualização”, procuram adequar o Espiritismo às suas ideologias partidárias, servindo-se do relativismo para distorcer princípios espiritas e obter o desejado alinhamento à práxis social que concebem.

Paradoxalmente, em nome de uma suposta justiça social e movidos pela certeza de que estão construindo uma sociedade tolerante e fraterna, atacam e desrespeitam todos os demais adeptos do Espiritismo que não se identificam com as mesmas bandeiras partidárias, agindo contrariamente à própria concepção de tolerância e fraternidade...

Sendo os detratores internos relevantes adversários atualmente, um dos sinais para a superação do período de luta ocorrerá quando os adeptos passarem a compreender e valorizar a coerência doutrinária e priorizarem a principal batalha a ser travada, não em arenas exteriores em discussões apaixonadas, mas no campo íntimo de cada um combatendo o orgulho e o egoísmo e instruindo-se seriamente sobre a realidade do ser.

O exercício da benevolência para com todos, da indulgência para com as imperfeições alheias e do perdão das ofensas, tal qual o verdadeiro sentido de caridade sob a perspectiva espírita[2], é o caminho que ainda parece distante do mundo atual, porém constitui-se na luta primordial que cabe ao espírita exemplificar. Nesse estágio de superação, o Espiritismo avançará ao período religioso, marcado pelos laços de afeição entre os seus adeptos e pela fé raciocinada. Posteriormente, rumará ao período intermediário e o da renovação social. 

           

Fonte: https://usesp.org.br/wp-content/uploads/2023/10/reDE-197.pdf

 



[1] Ver o artigo “Trojan em grupos espíritas”, de minha autoria, publicado no jornal Correio Fraterno, edição 501, out/21. Link: https://correio.news/reflexoes/trojan-em-grupos-espiritas

[2] Ver a questão nº 886, de o Livro dos Espíritos, por Allan Kardec.



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