Tolerância não é conivência
Marco Milani
É,
pois, um dever de todos os espíritas sinceros e devotados repudiar e desaprovar
abertamente, em seu nome, os abusos de todo gênero que pudessem comprometê-la
(Doutrina Espírita), a fim de não lhes assumir a responsabilidade. Pactuar com
os abusos seria acumpliciar-se com eles e fornecer armas aos adversários.
Allan
Kardec, Revista Espírita, jun/1865 – Nova tática dos adversários do Espiritismo
Se
as imperfeições de uma pessoa só a ela prejudicam, nenhuma utilidade haverá em
divulgá-las. Se, porém, podem acarretar prejuízo a terceiros, deve-se atender
de preferência ao interesse do maior número. Segundo as circunstâncias,
desmascarar a hipocrisia e a mentira pode constituir um dever, pois mais vale
cair um homem do que virem muitos a ser suas vítimas. Em tal caso, deve-se
pesar a soma das vantagens e dos inconvenientes.
São
Luís (Paris, 1860). O Evangelho segundo o Espiritismo, Cap. X, item 21
A caridade mal compreendida faz com
que o silêncio e a passividade prevaleçam diante de situações injustas e
abusivas. Sob o pretexto da indulgência ou tolerância, uma palavra franca e
amiga deixa de ser proferida e uma oportunidade de esclarecimento e auxílio ao
próximo é desperdiçada. A inação faz com que o curso dos acontecimentos gere
resultados muitas vezes indesejáveis e todo aquele que teve a opção de corrigir
ou alertar sobre os equívocos praticados, mas optou pela omissão, também é
responsável pelas respectivas consequências.
Ao estudarmos os princípios e valores
doutrinários apresentados por Allan Kardec, começamos a compreender a
cosmovisão espírita, a qual incentiva a busca por respostas racionais para
todas as questões que afligem a humanidade, desde aquelas de caráter existencial
que sempre inquietaram o homem (quem somos, de onde viemos e para onde iremos)
até aquelas diretamente relacionadas às experiências individuais na vida
cotidiana.
Ao contrário de religiões monolíticas,
estabelecidas sobre verdades inquestionáveis, o Espiritismo estrutura-se sob a
premissa da evolução das ideias mediante a comprovação dos fatos, unindo de
maneira elegante e sóbria o conhecimento revelado pelos seres desencarnados com
o conhecimento empírico. O dinamismo doutrinário espírita exige,
entretanto, postura crítica e posicionamento coerente dos adeptos.
O comprometimento do espírita é,
portanto, não somente com seu próprio desenvolvimento espiritual, obtido pelo
aprimoramento de seus aspectos morais e intelectuais, mas também para com a
própria doutrina que afirma professar, uma vez que se torna exemplo e
referência.
Em nosso atual estágio evolutivo, ainda
estamos todos aprendendo uns com os outros, sendo insensato se esperar a
perfeição de alguém. Todavia, uma vez que estamos em relação direta com várias
pessoas e temos a chance de auxiliar no esclarecimento doutrinário quando o
objeto em discussão é o Espiritismo e seus princípios, é nosso dever praticar
esse ato de caridade sempre que possível. O esclarecimento, naturalmente, deve
ser baseado no respeito e desejo sincero de auxílio.
No centro espírita ou em qualquer
ambiente de convivência (inclusive virtual), estamos em contato com pessoas de
diferentes perfis e experiências de vida, mas todas supostamente têm em comum o
elo doutrinário e a intenção de progresso espiritual. Ao nos depararmos com
algum tipo de incorreção conceitual ou prática destoante dos princípios
espíritas, cabe a nós verificarmos a melhor maneira de colaborar com o
esclarecimento e superação dos problemas gerados pela situação. Bom senso,
coerência e caridade devem estar acima da rispidez e humilhação. Da mesma
maneira, o silêncio não deve ser usado caso outras pessoas possam ser
prejudicadas por informações que gerem confusão ou posturas inadequadas, sob o
risco da tolerância se converter em conivência.
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