Riscos
conceituais e doutrinários do uso da inteligência artificial
Marco Milani
Texto
publicado na Revista Dirigente Espírita, n.209, nov/dez 2025, p. 35-36
O avanço
da inteligência artificial (IA) transformou a escrita e a pesquisa, oferecendo
recursos úteis para organizar ideias, revisar textos e ampliar o acesso ao
conhecimento. Entretanto, o uso indiscriminado dessas ferramentas na elaboração
de artigos, aulas e palestras espíritas, sem a devida revisão humana, apresenta
sérios riscos conceituais, doutrinários e éticos. As próprias empresas
desenvolvedoras de IA advertem que seus sistemas podem gerar erros, omissões e
distorções. No contexto espírita, isso exige redobrada cautela.
O
primeiro problema é epistemológico. A IA não “sabe” o que escreve, pois ela
apenas reproduz padrões de linguagem aprendidos em grandes bases de dados, sem
compreender o conteúdo. Assim, pode mesclar ideias corretas e equívocos, citar
fontes imprecisas ou confundir conceitos essenciais. Em textos sobre
Espiritismo, essa limitação é grave, pois o sistema pode misturar o pensamento
de Allan Kardec com interpretações fantasiosas ou doutrinas alheias. A
linguagem fluente e convincente das respostas automatizadas aumenta o risco, já
que o erro se apresenta com aparência de verdade.
O
segundo problema é metodológico e doutrinário. O Espiritismo propõe um método
baseado na razão, na verificação e na coerência. Kardec sempre defendeu o exame
rigoroso das comunicações espirituais e a responsabilidade moral do divulgador.
Utilizar a IA sem revisão equivale a publicar mensagens mediúnicas sem análise.
O resultado pode conter desvios e comprometer a credibilidade do texto, do
autor e da própria Doutrina aos olhos dos mais desatentos. A revisão criteriosa
é, portanto, uma exigência moral e intelectual, pois é o autor encarnado quem responde
pelo conteúdo que assina e divulga.
Outro
risco é a diluição conceitual. A IA tende a uniformizar expressões e
simplificar significados, confundindo termos de valor específico dentro da
Doutrina. Pode tratar caridade como sinônimo de assistencialismo, fé como
crença cega, ou perispírito como corpo físico, comprometendo a clareza e a
coerência doutrinária. A precisão terminológica é essencial à preservação do
pensamento espírita e qualquer descuido nesse campo contribui para distorção
doutrinária.
Há
também implicações éticas e pedagógicas. O educador e o expositor espírita têm
responsabilidade sobre o que ensinam. A produção de textos automáticos reduz o
envolvimento do autor e o transforma em mero transmissor de frases bem
compostas, mas sem a devida reflexão pessoal. A força da aula ou da palestra
está no diálogo entre o conhecimento e a experiência de quem fala, algo que
nenhuma máquina pode reproduzir. O ensino espírita tem consequências morais,
não sendo apenas informativo, exigindo ponderação e autenticidade.
As
instituições espíritas também enfrentam riscos. Revistas, boletins e sites
que publicam textos gerados por IA sem revisão comprometem sua credibilidade e
responsabilidade doutrinária. A pressa em produzir materiais não pode se
sobrepor ao compromisso com a verdade e a coerência ao ensino dos Espíritos.
Como advertiu Erasto, “mais vale rejeitar dez verdades do que admitir uma só
falsidade”[1]. O cuidado na divulgação é
parte integrante da ética espírita.
A
inteligência artificial, quando usada com discernimento, pode ser muito útil, mas
deve permanecer como instrumento de apoio, e nunca como substituto do
raciocínio. Produzir conteúdo espírita requer envolvimento moral e intelectual,
pois se trata de transmitir valores e princípios que ultrapassam a linguagem.
O
progresso técnico é legítimo e deve ser incorporado ao trabalho espírita com
responsabilidade. Contudo, nenhuma ferramenta garante a coerência doutrinária.
A tarefa do divulgador é compreender o que ensina, refletindo o ideal de Kardec
de unir razão e moral, ciência e fé.
As máquinas não compreendem os valores que
expressam nem assumem responsabilidade moral por eles. Cabe, portanto, aos
trabalhadores espíritas revisar, corrigir e discernir o que divulgam.

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