quinta-feira, 8 de julho de 2021

Hipóteses para o desaparecimento do corpo de Jesus

 

Hipóteses para o desaparecimento do corpo de Jesus

 

Marco Milani*

 

(Texto publicado na Revista Dirigente Espírita, ed. 184, jul/ago 2021, p. 8 e 9)

 

Considerado um mistério ou milagre pelas religiões tradicionais, o desaparecimento do corpo de Jesus após a sua morte suscita diversas indagações, não somente pela maioria dos cristãos, mas também pelos historiadores em geral.

Os registros bíblicos não apontam explicações para o fato, permitindo variadas especulações, dentre elas, a simples retirada discreta do corpo do sepulcro por uma ou mais pessoas em momento indeterminado ou, ainda, pela suposição de que seu corpo não seria carnal, mas fluídico e assim teria sumido.

Muitas correntes de pensamento que se formaram nos primeiros séculos depois de Cristo, como o docetismo e o nestorianismo, estruturaram linhas explicativas para a concepção de que Jesus seria o próprio Deus ou estivesse a ele unido, sendo necessária a diferenciação de sua natureza divina da simples criatura humana. Os docetas, nesse sentido, abraçavam essa suposição de que o corpo de Jesus Cristo seria uma ilusão, e que sua crucificação teria sido apenas aparente. Ainda que nos primeiros concílios católicos se tenha anatemizada a proposta de corpo aparente, lastreando-se no Evangelho de João, em que no primeiro capítulo se afirma que "o Verbo se fez carne", a concepção de que Jesus seria Deus foi reforçada.

Allan Kardec analisa essa situação no capítulo XV da obra A Gênese, em que discorre sobre as possíveis explicações sob a perspectiva espírita.

No item 66 do referido capítulo, ao destacar que o corpo de Jesus era carnal, assim como qualquer homem, rejeita-se a suposição de um corpo fluídico e de que sua estada na Terra teria sido um simulacro, iludindo a todos quanto à sua verdadeira condição. Ainda nesse item, Kardec afirma que Jesus também teve um corpo fluídico enquanto estava encarnado, como todos também possuem, pois se trata do perispírito, que é o envoltório fluídico que o Espírito sempre terá, esteja encarnado ou desencarnado (ver O Livro dos Médiuns, item 55).

No item 67 da edição original de A Gênese (na 5ª edição este item foi eliminado e o item 68 foi renumerado como 67), Kardec destaca que o esclarecimento do caso ainda permanece em aberto, porém apresenta hipóteses plausíveis para explicar o desaparecimento do corpo de Jesus. Como explicação provável, caso não tenha sido decorrente de um rapto clandestino, cogita-se a ocorrência do duplo fenômeno de transporte e da invisibilidade (ver O Livro dos Médiuns, itens 72 a 99).

Destaca-se que a construção das hipóteses plausíveis naturalmente desenvolve a discussão do assunto e oferece elementos lógicos para a análise doutrinária do fenômeno, além de reiterar a refutação de que Jesus teria um corpo fluídico, uma vez que a hipótese de simulacro de Jesus nem foi considerada.

Kardec contribuía, dessa maneira, para a reflexão de alguns supostos adeptos que na ocasião tentavam reavivar as propostas docetistas apresentadas como novas revelações por Jean Baptiste Roustaing, na obra Os Quatro Evangelhos. Tal obra, por sinal, contém diversas contradições com os ensinamentos espíritas, como retrogradação espiritual e metempsicose, além de forte conotação teísta-igrejeira que distorcem o caráter libertador do Espiritismo às antigas concepções dogmáticas de Deus.

Esse tipo de deturpação doutrinária, assim como outras de caráter místico e supersticioso, já foram motivos de cisão em alguns grupos no movimento espírita francês após a desencarnação de Kardec e, como as ideias são disseminadas, também repercutiram no nascente movimento espírita brasileiro no final do século 19. Até hoje, pode-se perceber os reflexos de ideias doutrinariamente incoerentes originadas no passado.

Se, por um lado, é possível opinar que a supressão das hipóteses para o desaparecimento do corpo carnal de Jesus não comprometeria a discussão do tema, por outro, certamente, o conhecimento das hipóteses propostas por Kardec enriquecem e contribuem para o desenvolvimento do conteúdo (ver Revista Dirigente Espírita, ed. 180, nov/dez 2020, p. 6).

Recomenda-se, assim, a todos os estudiosos e interessados em geral a leitura integral dos itens 64 a 68 do capítulo XV, presentes na edição original de A Gênese, destacando-se que as quatro primeiras edições dessa obra são idênticas.

 

* Diretor de Doutrina da USE-SP e Presidente da USE Regional de Campinas.



Edição original de A Gênese, por Allan Kardec. Disponível em: CLIQUE AQUI


3 comentários:

  1. O corpo de Jesus era fluídico, ectoplasmático.Jesus era um agênere. Surgia ou desaparecia de acordo com as circunstâncias. Como está tão claramente em "Os Quatro Evangelhos" de J. B. ROUSTAING. Simples assim. Um abraço.

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  2. Sérgio, sob a perspectiva espírita, Jesus teve um corpo carnal como qualquer pessoa. Roustaing não é um autor espírita e Kardec refutou abertamente a proposta de corpo fluídico, como no cap. 15 de A Gênese. Por sinal, o item 67, eliminado da edição modificada dessa obra, aponta as possíveis explicações para o desaparecimento do corpo de Jesus após a sua morte e, além de uma subtração clandestina, pode ter ocorrido o duplo fenômeno de transporte e invisibilidade. Em momento algum Kardec considera a hipótese de corpo fluídico. Por isso é relevante analisar a 4ª edição de A Gênese.

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  3. JESUS - Representante de Deus no Planeta Terra - não era um Espírito Qualquer. Era, e continua sendo, conhecedor profundo das Leis da Natureza ( das Leis de Deus), e é claro que Ele conhecia, como conhece, o processo de materialização e desmaterialização de corpos: Foi esse o processo usado. Vejo assim.

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