Espíritas
e registros demográficos
Marco Milani
(Texto publicado na Revista Dirigente Espírita – Ed 191,
set/out 2022, p. 10 a 12)
Na edição de janeiro de 1869 da Revista Espírita
(RE), Allan Kardec discorre sobre a relevância de se conhecer a difusão das
ideias espíritas pelo mundo. Diante da impossibilidade de se realizar um levantamento
preciso, poder-se-ia estimar o avanço do Espiritismo pela quantidade de pessoas
que aceitavam os respectivos princípios doutrinários.
Sem desconsiderar o grande número de simpatizantes,
Kardec destaca a participação fundamental dos espíritas confessos, os quais
aceitam o Espiritismo com conhecimento de causa, após estudá-lo.
Baseando-se em 10 mil observações obtidas da lista
de assinantes da RE e das correspondências recebidas localmente e de vários
países, Kardec realizou interessante estimativa.
Com relação à nacionalidade do adepto, haveria
espíritas em todos os países mais desenvolvidos da Europa e da América. A
França contaria com cerca de 600 mil espíritas e o restante da Europa com mais
400 mil. No mundo, Kardec estimou 6 ou 7 milhões.
Adotando-se como referência a população da França no
final do século XIX[1], em
cerca de 38 milhões de habitantes, os espíritas franceses representariam 1,6%
do total e caracterizam esse país como o principal difusor do Espiritismo. Os
demais países com maior representatividade de adeptos seriam, pela ordem,
Itália, Espanha, Rússia, Alemanha, Bélgica, Inglaterra, Suécia, Dinamarca,
Grécia e Suíça.
Em relação ao sexo,
70% dos adeptos seriam homens e 30% mulheres.
A faixa etária
média encontrava-se entre 20 e 30 anos, mas contava com adeptos de até 80 anos.
A classificação
pelo grau de instrução considerava 30% de adeptos com “instrução cuidada”, 30%
de “simples letrados”, 20% de “instrução superior”, 20% de “semiletrados”, 6%
de “iletrados” e 4% de “sábios oficiais”.
De maneira
peculiar, Kardec trata a questão religiosa como sendo o vínculo das ideias
institucionalizadas do adepto em sua crença, apontando que 50% da amostra
provinha de católicos romanos, livre pensadores e não ligados ao dogma
religioso. Católicos gregos representavam 15%, judeus eram 10%, protestantes
liberais eram 10%, católicos ligados aos dogmas eram 10%, protestantes
ortodoxos eram 3% e muçulmanos representavam 2%.
Sobre o perfil
econômico, os adeptos foram assim distribuídos: 60% com renda média, 20% com
renda média-alta, 15% em estado de pobreza e 5% ricos.
Registrou-se,
ainda, os postos militares e as profissões mais frequentes ocupados pelos espíritas.
Tenentes, médicos homeopatas e engenheiros destacaram-se nesse sentido.
De posse desses
dados, Kardec teceu, no final de seu texto, pertinentes comentários analíticos sobre
o perfil do espírita e sobre a evolução e as características da divulgação
doutrinária, sinalizando o quão relevante se torna conhecer as informações sobre
os adeptos.
Passados pouco mais
de 150 anos, podemos conhecer como as ideias espíritas se difundiram no Brasil e
no mundo por diferentes ângulos e fontes, porém em todos eles são necessários o
uso de dados, sejam qualitativos ou quantitativos, para se promover qualquer
análise a respeito.
Com relação às informações sobre o perfil religioso
da população, o acompanhamento histórico tem mostrado a dinâmica cultural e a
influência dos grupos organizados, conforme o aumento de representatividade dos
respectivos adeptos.
No Brasil, o primeiro levantamento demográfico oficial
ocorreu 1872 e, com relação às informações sobre o perfil religioso, o domínio
do catolicismo fez com que a única informação registrada fosse a quantidade da
população católica e não-católica. Com o aumento de representatividade de
outras denominações, os registros considerados em censos posteriores já
admitiam grupos específicos. Em 1940, os sete grupos considerados foram:
católicos romanos, protestantes, ortodoxos, positivistas, israelitas, outras
religiões e sem religião.
Somente no Censo de
1960 foi incluída a denominação “espírita” e constou como o 3º grupo mais
representativo, com 1,4% do total da população, mas bem distante da
participação de católicos (93,1%) e inferior à participação de protestantes
(4,0%).
Ressalva-se que
essa denominação espírita no Censo de 1960 também agrupava, além dos espíritas
propriamente ditos, adeptos de outras filosofias e religiões com práticas
mediúnicas. Esse fato espelha a confusão semântica existente e as próprias
denominações religiosas pressionaram por um maior detalhamento, como o ocorrido
no Censo de 1980, em que especificaram-se alguns grupos, como o espírita
“kardecista”.
Nos registros
censitários de 2000 e 2010, o grupo espírita foi tratado sem adjetivações,
diferenciando-se de denominações de matriz afro-brasileiras (Umbanda e
Candomblé). Nota-se o aumento de participação da população espírita, para 2,1%
do total, em 2010.[2]
Ainda que alguns adeptos,
isoladamente, não considerem importante serem reconhecidos como espíritas para
fins censitários, ou mesmo discordem do método de coleta de dados praticado
pelo órgão oficial responsável, o dimensionamento da população que se declara
espírita é relevante para diferentes finalidades. Estudos demográficos e outros
relacionados em diferentes áreas do conhecimento que trabalhem com a dinâmica
populacional, são exemplos de aplicação, além desses dados favorecerem o
planejamento de ações das próprias instituições espíritas.
Muitos outros
adeptos, sabendo que o Espiritismo é uma religião no sentido filosófico, como
Kardec afirmou, não possuem qualquer restrição em autodeclararem-se espírita ao
recenseador.
Se assim é,
perguntarão, então o Espiritismo é uma religião? Ora, sim, sem
dúvida, senhores; no sentido filosófico, o Espiritismo é uma religião,
e nós nos glorificamos por isto, porque é a doutrina que funda os
laços da fraternidade e da comunhão de pensamentos, não sobre uma simples
convenção, mas sobre as mais sólidas bases: as próprias leis da Natureza.[3]
Para o Censo de 2022, serão utilizados dois tipos de
questionário para a coleta de dados: o Básico, com 26 e o Completo, com 77
perguntas. O item Religião consta somente do questionário completo e,
segundo o IBGE, prevê-se que apenas 10% do total de domicílios visitados seja
selecionado para responder esse tipo de questionário. A distribuição da
população por grupo religioso será, portanto, estimada estatisticamente.[4]
Nesse sentido,
reafirma-se a relevância do espírita autodeclarar-se como tal, favorecendo o
dimensionamento e análises sobre a representatividade do Espiritismo na
população.
[1] World
population prospects. the. Esa.un.org. 2004 revision population database. https://web.archive.org/web/20100107202521/http://esa.un.org/unpp/
[3]
KARDEC, A. Sessão anual comemorativa dos mortos - Discurso de abertura pelo Sr.
Allan Kardec. Revista Espírita — dez/1868 -
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