domingo, 30 de setembro de 2018

Espiritismo e as falácias socialistas


Espiritismo e as falácias socialistas

ERIC TAVARES PACHECO

INTRODUÇÃO:

As discussões políticas no Brasil vêm se intensificando nos últimos tempos e, como consequência, isso vem ocorrendo também no movimento espírita brasileiro. Há grupos de espíritas alegando que a Doutrina Espírita contida nas obras fundamentais é de esquerda ou de centro-esquerda ou até mesmo marxista. Da mesma forma há detratores do Espiritismo que criticam a doutrina afirmando, falsamente, que ela é uma doutrina socialista, de esquerda, ou algo do gênero. Como veremos essa falsa acusação foi feita também na época de Kardec, e ele rebateu esse espantalho na revista espírita.

1 - Há textos onde Kardec ou os Espíritos criticam explicitamente e nominalmente o socialismo e o comunismo.

Vamos analisar tais textos:
“Acabo de pronunciar a palavra igualitária. Julgo útil nela deter-me um pouco, porque não vimos pregar, em vosso meio, utopias impraticáveis, pois, ao contrário, repelimos energicamente tudo quanto pareça ligar-se às prescrições de um comunismo antissocial. Antes de tudo, somos essencialmente propagandistas da liberdade individual, indispensável ao desenvolvimento dos encarnados. Consequentemente, somos inimigos declarados de tudo quanto se aproxime dessas legislações conventuais, que aniquilam brutalmente os indivíduos. Embora me dirija a um auditório em parte composto de artífices e proletários, sei que suas consciências, esclarecidas pelas radiações da verdade espírita, já repeliram todo contato com as teorias antissociais dadas com apoio da palavra igualdade. Seja como for, creio dever restituir a ela sua significação cristã, conforme aquele que, dizendo: “Dai a César o que de César”, a explicou. Então, espíritas! A igualdade proclamada pelo Cristo, e que nós mesmos professamos nos vossos grupos amados, é a igualdade ante a justiça de Deus, isto é, nosso direito, conforme nosso dever cumprido, de subir na hierarquia dos Espíritos e um dia atingir os mundos adiantados, onde reina a perfeita felicidade. Para isto não são levados em conta nem o nascimento, nem a fortuna. O pobre e o fraco a alcançam, bem como o rico e o poderoso, porque uns não levam materialmente mais que os outros, e como lá ninguém compra seu lugar e seu perdão com dinheiro, os direitos são iguais para todos. Igualdade diante de Deus, eis a verdadeira igualdade. [...] Em consequência, repito, proclamando o dogma sagrado da igualdade, não vimos ensinar que aqui em baixo deveis ser todos iguais em riqueza, saber e felicidade, mas que chegareis todos, à vossa hora e conforme os vossos méritos, à felicidade dos eleitos, partilha das almas de escol que cumpriram os seus deveres. Meus caros espíritas, eis a igualdade a que tendes direito, a que vos conduzirá o Espiritismo emancipador, a que vos convido com todas as forças. ”
FONTE: Revista Espírita - Jornal de estudos psicológicos - 1861 > Outubro > Epístola de Erasto aos Espíritas Lioneses

Vemos acima que Erasto critica nominalmente o comunismo e o classifica de antissocial e de utopia. “Não vimos pregar, em vosso meio, utopias impraticáveis, pois, ao contrário, repelimos energicamente tudo quanto pareça ligar-se às prescrições de um comunismo antissocial”. E também critica a ideia de igualdade procurada pelos comunistas e socialistas e coloca o verdadeiro sentido da palavra igualdade, na sua acepção cristã. Vemos que Erasto se dirigia a um auditório de artífices e proletários, e mesmo assim criticou o socialismo, pensando que suas consciências já estavam esclarecidas pela revelação espírita.

Há outros trechos na obra de Kardec onde há críticas explicitas às ideias socialistas, começando pelo próprio Livro dos Espíritos. Vejamos:

811. A igualdade absoluta das riquezas é possível e existiu alguma vez?

— Não, não é possível. A diversidade das faculdades e dos caracteres se opõe a isso.

811 – a) Há homens, entretanto, que creem estar nisso o remédio para os males sociais; que pensais a respeito?

— São sistemáticos ou ambiciosos e invejosos. Não compreendem que a igualdade seria logo rompida pela própria força das coisas. Combatei o egoísmo, pois essa é a vossa chaga social, e não corrais atrás de quimeras".

Vemos na questão 811 uma clara critica a ideia de igualdade defendida por socialistas. A pretensão de uma igualdade de riquezas plena e absoluta é utópica, fazendo com que os espíritos chamem os defensores de tais ideias de sistemáticos ou ambiciosos e invejosos. Como Kardec diz no Prolegômenos de O Livro dos Espíritos, o referido livro “foi escrito por ordem e mediante ditado de Espíritos superiores, para estabelecer os fundamentos de uma filosofia racional, isenta dos preconceitos do espírito de sistema”.

Há outro texto onde o próprio Kardec critica o socialismo, que está numa obra pouco lida e conhecida no movimento espírita brasileiro, Viagem Espírita em 1862, vejamos:

"Alguns homens bem intencionados, tocados pelos sofrimentos de uma parte de seus semelhantes, supuseram encontrar o remédio para o mal em certos sistemas de reforma social. Com pequenas diferenças, o princípio é quase o mesmo em todos, qualquer que seja o nome que se Ihes dê. Vida comunitária, por ser a menos onerosa; comunidade de bens para que cada um tenha alguma coisa; participação de todos na obra comum; nada de grandes riquezas, mas também nada de miséria. Tudo isso é muito sedutor para aquele que, não tendo nada, desde logo veria a bolsa do rico entrar no fundo comum, sem calcular que a totalidade das riquezas postas em comum criaria uma miséria geral ao invés de uma miséria parcial; que a igualdade estabelecida hoje, seria rompida amanhã pela mobilidade da população e a diferença das aptidões; que a igualdade permanente dos bens supõe a igualdade das capacidades e do trabalho. Mas esta não é a questão; não está em minhas intenções examinar o lado forte e o fraco desses sistemas; faço abstração das impossibilidades que acabo de citar e proponho olhá-los de um outro ponto de vista que, parece-me, ainda não preocupou a ninguém, e que se liga ao nosso assunto.

Os autores, fundadores ou promotores de todos esses sistemas, sem exceção, não se propuseram senão à organização da vida material de uma maneira proveitosa para todos. O objetivo é louvável, indiscutivelmente. Resta saber se, nesse edifício, não falta a base, única que poderia consolidá-lo, admitindo-se que fosse praticável"
FONTE: Viagem espírita em 1862 > Discursos pronunciados nas reuniões gerais dos Espíritas de Lyon e Bordeaux > III https://www.kardecpedia.com/roteiro-de-estudos/889/viagem-espirita-em-1862/1986/discursos-pronunciados-nas-reunioes-gerais-dos-espiritas-de-lyon-e-bordeaux/iii

Como dito por Kardec acima, a ideia de igualdade de riquezas planejada pelos socialistas não funcionaria, pois ao invés de riquezas geraria uma miséria e uma pobreza geral, e seria essa igualdade rompida prontamente. A diferença de aptidões, a diferença na capacidade de trabalho, tudo isso impede que essa utopia socialista se concretize. Vemos que a doutrina espírita entende a desigualdade econômica como algo natural, pois entende que nunca chegaremos numa sociedade onde todos tenham as mesmas condições e que não haja uns que tenham mais e outros que tenham menos. Sempre haverá desigualdade, mesmo que não tão grande como há em alguns países menos desenvolvidos. Mais adiante no texto voltaremos a tratar disso.

Como eu tinha dito no início do texto, mesmo na época de Kardec alguns detratores do espiritismo acusavam a doutrina de favorecer os ideais socialistas, o que fez com que Kardec os responde-se na revue, no seguinte artigo:

"Se fazemos essas citações, é para mostrar a que argumentos os adversários do Espiritismo se reduziram para atacá-lo; com efeito, é preciso estar muito desprovido de boas razões para recorrer a uma calúnia como aquela que o representa pregando a desunião da família, o adultério, o abortamento, o comunismo, o transtorno da ordem social. Temos necessidade de refutar semelhantes afirmações? Não, porque basta remeter ao estudo da Doutrina, à leitura do que ela ensina, e é o que se faz de todos os lados. Quem poderá crer que pregamos o comunismo depois das instruções que demos sobre esse assunto no discurso reportado in extenso na narração de nossa viagem em 1862? Quem poderá ver uma excitação à anarquia nas palavras seguintes que se encontram na mesma brochura, página 58: "Em todo estado de causa, os Espíritas devem ser os primeiros a dar o exemplo da submissão às leis, nos casos em que para isso forem chamados."
FONTE: Revista Espírita - Jornal de estudos psicológicos - 1863 > Fevereiro > Sermões contra o Espiritismo

2 - Missão do rico:
Em O Evangelho segundo o Espiritismo Kardec fala da missão do homem rico. Vejamos:
“O rico tem, pois, uma missão, que ele pode embelezar e tornar proveitosa a si mesmo. Rejeitar a riqueza, quando Deus a outorga, é renunciar aos benefícios do bem que se pode fazer, gerindo-a com critério. Sabendo prescindir dela quando não a tem, sabendo empregá-la utilmente quando a possui, sabendo sacrificá-la quando necessário, procede a criatura de acordo com os desígnios do Senhor”.
FONTE: O Evangelho segundo o Espiritismo > Capítulo XVI - Não se pode servir a Deus e a Mamon > Instruções dos Espíritos Lacordaire https://www.kardecpedia.com/roteiro-de-estudos/887/o-evangelho-segundo-o-espiritismo/2491/capitulo-xvi-nao-se-pode-servir-a-deus-e-a-mamon/instrucoes-dos-espiritos

Vemos aqui que os Espíritos atribuem ao homem rico uma missão, utilizando-se de seus recursos para a prática da caridade material voluntária. Em contraposição, o que vemos no discurso da esquerda atual é demonização do rico, como se não pudesse haver ricos caridosos, que cumprem sua missão com zelo e benevolência.

Numa questão do Livro dos Espíritos Kardec pergunta qual das duas provas é a mais difícil, a riqueza ou a pobreza, e os espíritos respondem que nenhuma das duas é a mais dificultosa.

Vejamos:

815. Qual das duas provas é mais terrível para o homem, a da miséria ou a da riqueza?

“São-o tanto uma quanto outra. A miséria provoca as queixas contra a Providência, a riqueza incita a todos os excessos.”

3 - Desigualdade natural:
O Espiritismo entende, como vemos acima, que a igualdade absoluta de riquezas não pode ser alcançada, e que a desigualdade portanto é algo natural, pois ela sempre existirá em algum grau. De acordo com o que está nas obras de Kardec, mesmo em mundo superiores. Vejamos o que se diz na revue:

"75. ─ Em que consiste a riqueza em Júpiter?

─ Em que isto vos importa?

76. ─ Há desigualdades sociais?

─ Sim.

77. ─ Em que estas se fundam?

─ Nas leis da sociedade. Uns são mais adiantados que outros na perfeição. Os superiores têm sobre os outros uma espécie de autoridade, como um pai sobre os filhos."

FONTE: Revista Espírita - Jornal de estudos psicológicos - 1858 > Abril > Palestras familiares de além-túmulo > Bernard Palissy (9 de março de 1858) > Estado moral dos habitantes https://www.kardecpedia.com/roteiro-de-estudos/20/revista-espirita-jornal-de-estudos-psicologicos-1858/7555/abril/palestras-familiares-de-alem-tumulo/bernard-palissy-9-de-marco-de-1858/estado-moral-dos-habitantes

Segundo o que defendem alguns autores, a diferença fundamental entre direita e esquerda está no fato justamente disso. A esquerda entende a desigualdade como uma construção social, que pode e deve ser vencida de alguma forma, buscando a igualdade econômica. Já a direita entende as desigualdades como algo natural, insuperável, e procura uma sociedade eficiente. É dessa forma que Norberto Bobbio, autor que escreveu a obra, Esquerda e Direita, procura distinguir esses dois conceitos de modo fundamental. Partindo disso, podemos dizer que o Espiritismo, mesmo não sendo uma ideologia política, e sim uma ciência, está mais de acordo com os princípios e as ideias da direita do que da esquerda.

4 - Marxismo materialista:
Marx se distanciou dos filósofos idealistas alemães utilizando-se de um método materialista para analisar a história. O materialismo histórico dialético acredita numa infraestrutura e numa superestrutura. A infraestrutura constitui-se dos meios de produção, de relações de trabalho. A superestrutura constitui-se das ideias, da cultura, da religião, da ideologia, etc. Desse modo Marx acreditava que as ideias eram formadas a partir do contato material do homem com o meio de produção que ele ali está inserido.

De modo diferente o Espiritismo, que admite a reencarnação, acredita na existência de ideias inatas e que já trazemos ao nascer, ideias e tendências instintivas, uma certa bagagem de experiências acumuladas em existências pretéritas. Espíritos simpáticos reencarnam juntos, num mesmo povo, compartilhando tendências, gostos, costumes.

5 - Semelhança entre Kardec e os socialistas utópicos franceses:
Há alguns que tentam dizer que a doutrina espírita é semelhante ao socialismo com base num texto da revue que mostra semelhanças entre o Espiritismo e a doutrina de alguns socialistas utópicos, como Charles Fourier, Louis Jourdain e a reencarnação.

Esse texto está na Revista Espírita - Jornal de estudos psicológicos - 1862 > Dezembro > Charles Fourier, Louis Jourdain e a reencarnação: https://www.kardecpedia.com/roteiro-de-estudos/896/revista-espirita-jornal-de-estudos-psicologicos-1862/5321/dezembro/charles-fourier-louis-jourdain-e-a-reencarnacao

Contudo, as semelhanças mencionadas são na questão da reencarnação, que esses socialistas utópicos acreditavam, na tentativa de explicar as desigualdades sociais. Contudo, há diferenças nas questões sociais, como apontei acima.

Há diversos trechos na revue onde se critica o Fourierismo e o Sansimonismo, dois sistemas socialistas. Na RE de 1868 há um texto de autoria do engenheiro Emile Barrault - não é de Kardec, portanto, mas ele publicou - que fala sobre o livro "A religião e a política na sociedade moderna - por Frederic Herrenschneider". Nesse texto, o autor faz uma crítica ao autoritarismo na doutrina de Saint Simon. Fala-se o seguinte:

"Deixamos de lado a parte do livro que trata da ordem social e da necessidade de uma religião imposta, porque o autor, ainda imbuído dos princípios de autoridade que ele adquiriu no sansimonismo, afasta-se muito, neste ponto, dos princípios de tolerância absoluta, que o Espiritismo se gloria de professar". FONTE: Revista Espírita - Jornal de estudos psicológicos - 1868 > Junho > Notícias bibliográficas https://www.kardecpedia.com/roteiro-de-estudos/902/revista-espirita-jornal-de-estudos-psicologicos-1868/6268/junho/noticias-bibliograficas

Outro exemplo de demonstração das divergências está no Catálogo Racional, em que Kardec recomenda os livros de Fourier, dizendo que: "O Espiritismo, SEM ADMITIR todas as ideias de Fourier, concorda com ela em vários pontos, notadamente sobre o princípio da reencarnação e o progresso indefinido do Espírito. Tende para o mesmo objetivo: a melhoria social e a fraternidade universal, embora por meios diferentes. Fourier pode ser considerado como um dos precursores do Espiritismo". FONTE: Catálogo racional de obras para se fundar uma biblioteca espírita > III - Obras realizadas fora do Espiritismo https://www.kardecpedia.com/roteiro-de-estudos/904/catalogo-racional-de-obras-para-se-fundar-uma-biblioteca-espirita/6865/iii-obras-realizadas-fora-do-espiritismo

Há uma comunicação de Fourier enviada por um leitor para Kardec e publicada na revista espírita onde ele deixa claro que se enganou sobre muitas de suas posições. Vejamos:
"É uma pergunta muito séria, caro irmão em crença, indagar de um homem se ele se enganou, quando um certo número de anos se passaram desde que ele expôs o sistema que melhor satisfazia às suas aspirações para o desconhecido! Enganei-me?... Quem não se enganou quando quis, apenas com as suas forças, levantar o véu que lhe ocultava o fogo sagrado?! Prometeu fez homens com esse fogo, mas a lei do progresso condenou esses homens às lutas físicas e morais. Eu fiz um sistema, destinado, como todos os sistemas, a viver um tempo, depois a transformar-se, a associar-se a novos elementos mais verdadeiros". FONTE: Revista Espírita - Jornal de estudos psicológicos - 1869 > Abril > Dissertações espíritas > Charles Fourier https://www.kardecpedia.com/roteiro-de-estudos/903/revista-espirita-jornal-de-estudos-psicologicos-1869/6446/abril/dissertacoes-espiritas/charles-fourier

6 - Família e casamento:
Há uma obra que Marx começou a escrever, mas foi terminada por Engels chamada: A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado. Marx no final da vida percebeu que a desigualdade começava, em primeiro lugar, na família, onde havia um pai que tinha autoridade sobre os filhos e a esposa. Essa ideia foi desenvolvida por Engels nessa obra. Se era por lá que começava a desigualdade, a instituição família deveria ser extinta, da mesma forma que a religião. Na religião há também desigualdade e hierarquia.

Vejamos um trecho da obra de Engels, na página 66 da referida obra, sobre isso:
“A família monogâmica. Baseia-se no predomínio do homem; sua finalidade expressa é a de procriar filhos cuja paternidade seja indiscutível; e exige-se essa paternidade indiscutível porque os filhos, na qualidade de herdeiros diretos, entrarão, um dia, na posse dos bens do seu pai”.

Pensamento muito diferente é expresso em O Livro dos Espíritos, em relação ao casamento, vejamos:

695. Será contrário à lei da Natureza o casamento, isto é, a união permanente de dois seres?

“É um progresso na marcha da Humanidade. ”

696. Que efeito teria sobre a sociedade humana a abolição do casamento?

“Seria uma regressão à vida dos animais.”

Comentário de Kardec: "A união livre e fortuita dos sexos é o estado de natureza. O casamento constitui um dos primeiros atos de progresso nas sociedades humanas, porque estabelece a solidariedade fraterna e se observa entre todos os povos, se bem que em condições diversas. A abolição do casamento seria, pois, o retorno à infância da Humanidade, e colocaria o homem abaixo mesmo de certos animais, que lhe dão o exemplo de uniões constantes".

E sobre a questão da poligamia fala-se o seguinte:

701. Qual das duas, a poligamia ou a monogamia, é mais conforme à lei da Natureza?

“A poligamia é lei humana cuja abolição marca um progresso social. O casamento, segundo as vistas de Deus, tem que se fundar na afeição dos seres que se unem. Na poligamia não há afeição real: há apenas sensualidade.”

7 - Aborto:

Rapidamente quero citar uma das pautas da esquerda, que é o aborto, que é combatido pelas obras fundamentais de maneira bem clara. Vejamos em O Livro dos Espíritos:
357. Que consequências tem para o Espírito o aborto?

“É uma existência nula, a ser recomeçada.”

358. Constitui crime a provocação do aborto, em qualquer período da gestação?

“Há crime sempre que transgredis a lei de Deus. Uma mãe, ou quem quer que seja, cometerá crime sempre que tirar a vida a uma criança antes do seu nascimento, porque impede uma alma de passar pelas provas a que serviria de instrumento o corpo que se estava formando.”

359. No caso em que o nascimento da criança puser em perigo a vida da mãe, haverá crime em sacrificar-se a primeira para salvar a segunda?

“Preferível é se sacrifique o ser que ainda não existe a sacrificar-se o que já existe.”

Algumas pessoas tentam fugir dessas questões dizendo simplesmente que são contra o aborto, mas são a favor da sua legalização. Contudo, a única forma de tornar o aborto aceitável na legislação é tomando como base o materialismo. Tais espíritas, com uma ideia errada de laicidade, se entregam ao discurso materialista do aborto. Apenas com o materialismo é possível acreditar que o feto é apenas um amontoado de células, sem valor algum, e que uma criança intrauterina vale menos que uma criança que nasceu. Essa ideia é rebatida pelos Espíritos em outra questão de O livro dos espíritos:

360. Será racional ter-se para com um feto as mesmas atenções que se dispensam ao corpo de uma criança que viveu algum tempo?

“Vede em tudo isso a vontade e a obra de Deus. Não trateis, pois, levianamente coisas que deveis respeitar. Por que não respeitar as obras da criação, algumas vezes incompletas por vontade do Criador? Tudo ocorre segundo os seus desígnios, e ninguém é chamado para julgá-los.”

8 - Leon Denis e o Socialismo:
Mesmo Leon Denis tendo escrito a obra “Socialismo e Espiritismo” no referido livro ele faz críticas ao marxismo, mostrando que Marx rejeitava o espiritualismo e defendia o materialismo. As ideias de Denis se alinhavam com a dos socialistas utópicos, que acreditavam que o socialismo poderia ser implementado sem utilizar como meio a revolução armada. Já Marx rejeitava tal ideia. Para ele o único meio era a revolução sanguinária. Nenhuma espírita cristão pode aceitar tal ideia, que é totalmente contrária a caridade. As tentativas de implantação do comunismo tiveram efeitos catastróficos, milhões de mortos.

Vejamos um trecho da crítica de Denis:
“Sem o conhecimento do fenômeno espiritual, Marx repeliu a hipótese do mundo incorpóreo, assustado com os dogmas religiosos da época e o profundo comprometimento das religiões com as estruturas sociais e econômicas, comprometimento que ele considerou fator de submissão econômica e social do homem. Considerava Marx o espiritualismo uma irrealidade e o responsabilizava pelo apoio aos regimes reacionários e conservadores”. DENIS - 11 – SOCIALISMO E ESPIRITISMO

Contudo, o mais importante para esse texto não é analisar as ideias de outros autores, mas as ideias de Allan Kardec e as contidas nas obras fundamentais.

É certo que o socialismo surgiu antes de Marx e que muitos outros autores antes eram socialistas utópicos. Contudo é preciso entender que o Marxismo depois de seu surgimento influenciou profundamente a esquerda. Mas mesmo o socialismo utópico é incompatível com muitas ideias apresentadas pelo espiritismo, como demonstramos acima.

9 - Livre arbítrio e a esquerda:

Outro ponto incompatível entre o espiritismo e o pensamento de esquerda atual é a questão do livre arbítrio. A esquerda hoje tende a compreender que o contexto social determina a conduta que o indivíduo terá e que por isso este indivíduo não deve ser responsabilizado, mas sim ajudado, assistido.
Contudo, no Espiritismo a ideia de livre arbítrio, de escolha e responsabilidade é de demasiada importância. Vejamos o que se diz em O Livro dos Espíritos:

843. Tem o homem o livre-arbítrio de seus atos?

“Pois que tem a liberdade de pensar, tem igualmente a de obrar. Sem o livre-arbítrio, o homem seria máquina.”

10 - A falta do necessário também pode ser, segundo a doutrina, de responsabilidade do próprio individuo, diferente do que coloca a esquerda. Vejamos o que se diz no LE:

707. É frequente a certos indivíduos faltarem os meios de subsistência, ainda quando os cerca a abundância. A que se deve atribuir isso?

“Ao egoísmo dos homens, que nem sempre fazem o que lhes cumpre. Depois, e as mais das vezes, devem-no a si mesmos. Buscai e achareis: essas palavras não querem dizer que, para achar o que deseje, basta que o homem olhe para a terra, mas que lhe é preciso procurá-lo, não com indolência, e sim com ardor e perseverança, sem desanimar ante os obstáculos, que muito amiúde são simples meios de que se utiliza a Providência para lhe experimentar a constância, a paciência e a firmeza.”

Comentário de Kardec: "Se é certo que a civilização multiplica as necessidades, também o é que multiplica as fontes de trabalho e os meios de viver. Forçoso, porém, é convir em que, a tal respeito, muito ainda lhe resta por fazer. Quando ela houver concluído a sua obra, ninguém deverá haver que possa queixar-se de lhe faltar o necessário, a não ser por sua própria culpa. A desgraça, para muitos, provém de enveredarem por uma senda diversa da que a Natureza lhes traça. É então que lhes falece a inteligência para o bom êxito. Para todos há lugar ao Sol, mas com a condição de que cada um ocupe o seu e não o dos outros. A Natureza não pode ser responsável pelos defeitos da organização social, nem pelas consequências da ambição e do amor-próprio".

11 - Sociedades Espíritas e discussão política:
É importante mencionar que certas questões, de ordem políticas, são alheias ao espiritismo, e que não devem ser debatidas nos centros, como recomendação do próprio Kardec, para evitar brigas que daí podem se originar em assuntos que não competem ao espiritismo tratar. Vejamos o que se diz em O Livro dos Médiuns:

“Art. 1º —A Sociedade tem por objeto o estudo de todos os fenômenos relativos às manifestações espíritas e suas aplicações às ciências morais, físicas, históricas e psicológicas. São defesas nela as questões políticas, de controvérsia religiosa e de economia social”.
FONTE: O Livro dos Médiuns ou guia dos médiuns e dos evocadores > Segunda parte - Das manifestações espíritas > Capítulo XXX – Regulamento da Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas https://www.kardecpedia.com/roteiro-de-estudos/884/o-livro-dos-mediuns-ou-guia-dos-mediuns-e-dos-evocadores/981/segunda-parte-das-manifestacoes-espiritas/capitulo-xxx-regulamento-da-sociedade-parisiense-de-estudos-espiritas

12 - Propriedade privada:

O marxismo defende a abolição da propriedade privada e a socialização dos meios de produção. De modo contrário a doutrina defende o direito de propriedade privada como um direito natural e mostra que isso já estava expresso na própria Bíblia, nas palavras de Jesus. Vejamos o que se diz em O Livro dos Espíritos:

882. O homem tem o direito de defender aquilo que ajuntou pelo trabalho?

— Deus não disse: "Não roubarás"? E Jesus "Dai a César o que é de César"?

Comentário de Kardec: "Aquilo que o homem ajunta por um trabalho honesto é UMA PROPRIEDADE LEGÍTIMA, que ele tem o direito de defender. Porque a propriedade que é fruto do trabalho constitui um DIREITO NATURAL, tão sagrado como o de trabalhar e viver".

13 - Justiça social:
Hoje em dia muitos espíritas de esquerda, contrariando a doutrina, criticam a caridade, dizendo que de nada adianta, se não houver a tal justiça social. Se escusam da responsabilidade pessoal de cada um, passando-a para o estado assistencialista. A caridade na doutrina tem papel central, sendo a máxima maior do Espiritismo: "Fora da caridade não há salvação".

14 - Marxismo e Popper:
Terminarei comentando que a ideia de que o marxismo é uma ciência, como o próprio Marx dizia, socialismo “científico” já foi refutada muito tempo pelos filósofos da ciência, como Popper e Kuhn. Popper escreveu um livro para criticar a cientificidade do historicismo e, por conseguinte do marxismo, chamado “A miséria do historicismo”.

ERIC TAVARES PACHECO

3 comentários:

  1. Texto muito esclarecedor, numa feliz seleção de trechos da codificação que abordam os temas citados.

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  2. Também achei esse texto bastante esclarecedor, podo por terra falácias e a ignorância sobre o tema que leva a entendimentos equivocados. Muito bom. Enfim, estudemos Kardec, com profundidade.

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  3. Excelente, ERIC. Contra KARDEC, restam desculpas dos hipócritas. Tática deles é 'nós contra eles'. Deu certo um tempo, mas jamais o tempo todo. Jesus disse: 'Quem é por mim, ajunta; que não é, espalha.'

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