Cuidados
cognitivos na divulgação espírita
Marco
Milani
Texto
publicado na revista Candeia Espírita, nº 47, ago/2025, p. 9-10
A compreensão dos princípios espíritas está intimamente ligada ao
nível de amadurecimento intelectual e moral de cada Espírito encarnado. O
educador Allan Kardec já apontava que o ensino espírita deveria ser adaptado à
capacidade de assimilação dos ouvintes, sem jamais vulgarizar ou trair os
fundamentos da Doutrina[1].
Desse modo, a divulgação precisa verificar as diferenças de funcionamento
cognitivo-neurológico, sem reduzir o conteúdo à simplificação grosseira, mas
traduzindo-o de forma acessível, progressiva e fraterna.
No caso de crianças, por exemplo, a linguagem simbólica, os relatos
morais e os exemplos práticos devem ser priorizados, tendo em vista sua fase de
pensamento concreto. A assimilação dos princípios como reencarnação, justiça
divina e lei de progresso deve ocorrer por meio de narrativas significativas,
como pela contação de histórias com dramatização simples, reforçando o
aprendizado com um estímulo lúdico.
Já com jovens, é necessário introduzir o raciocínio crítico e os
dilemas morais, mostrando como os princípios espíritas dialogam com a vida
cotidiana, os valores contemporâneos e os conflitos existenciais próprios da
adolescência e juventude. Oficinas e debates temáticos favorecem essa proposta.
Com os adultos, a tarefa é mais desafiadora e diversificada, pois há
aqueles com formação limitada ou distorcida, e outros já preparados para
estudos mais aprofundados. Torna-se essencial, portanto, empregar metodologias
dialógicas que considerem os referenciais prévios, incentivem o questionamento
e promovam a autonomia de pensamento e comportamento confiante e corajoso, típico
da fé racional inabalável[2].
A formação de grupos de estudo segmentados por nível de familiaridade com os
princípios espíritas, conduzidos por facilitadores com sólidos conceitos
doutrinários que incentivem a reflexão racional apresentando as fontes e
referências utilizadas nas obras de Allan Kardec direciona para a construção
consciente do conhecimento espírita.
Importa reconhecer, também, que os desafios educacionais persistentes
no Brasil contribuem para uma heterogeneidade significativa no público que
frequenta as instituições espíritas. Desigualdades no acesso à escolarização,
dificuldades de leitura e escrita, déficit na formação científica e filosófica
e lacunas no estímulo ao pensamento crítico refletem-se diretamente na forma
como os conteúdos doutrinários são recebidos e compreendidos. Dessa maneira,
centros espíritas convivem simultaneamente com frequentadores altamente
escolarizados e outros com trajetória educacional fragilizada, exigindo dos dirigentes
e colaboradores um olhar atento às múltiplas formas de aprender e processar
ideias, sem elitismo, mas também sem empobrecimento da mensagem. Tal realidade
reforça a necessidade de abordagens graduais, acessíveis e respeitosas, capazes
de acolher diferentes capacidades de assimilação e realidades socioeconômicas
sem comprometer a integridade doutrinária.
Adicionalmente, a cultura local e as experiências pessoais influenciam
decisivamente na recepção da mensagem. Por isso, a divulgação doutrinária deve
evitar modelos rígidos e engessados, acolhendo as dúvidas e promovendo a
empatia e a escuta ativa. O expositor, o educador infantojuvenil ou o
trabalhador espírita de forma geral deve evitar tanto a tecnocracia discursiva com
a repetição estéril de fórmulas ou dogmas, quanto o sincretismo eclético que
dissolve a identidade doutrinária. A solução está em seguir o método
progressivo e lógico de Kardec: partir do conhecido para o desconhecido, do
simples para o complexo, do sensível para o abstrato.
É necessário compreender que o Espiritismo não se impõe, mas se
propõe. Portanto, o êxito na divulgação doutrinária não reside em convencer a
todos, mas em semear com clareza, firmeza lógica e atitude amorosa, compreendendo
o momento de cada Espírito. Assim, divulgar a Doutrina Espírita de forma eficaz
exige alinhar coerência doutrinária, sensibilidade pedagógica e atenção à pluralidade
de perfis intelectuais e sociais dos interlocutores.
Diante desses cuidados, cabe aos dirigentes, expositores e educadores
espíritas ponderarem sobre suas práticas e renovarem, sempre que necessário, as
estratégias de ensino e divulgação doutrinária utilizados em suas instituições.
É preciso perguntar, com sinceridade e lucidez: estamos realmente favorecendo a
interiorização dos valores e a vivência do Espiritismo segundo as
características de nossos públicos, ou apenas reproduzindo modelos automáticos
que desconsideram os processos cognitivos e culturais dos nossos
interlocutores?
Compatível com a proposta kardequiana de fé raciocinada, a divulgação
espírita deve unir clareza doutrinária e discernimento formativo, promovendo
não apenas o entendimento conceitual, mas também o engajamento ético e a
responsabilidade do ser perante o próprio desenvolvimento moral.
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