sexta-feira, 1 de agosto de 2025

Cuidados cognitivos na divulgação espírita

Cuidados cognitivos na divulgação espírita

 

Marco Milani

 

Texto publicado na revista Candeia Espírita, nº 47, ago/2025, p. 9-10

 

A compreensão dos princípios espíritas está intimamente ligada ao nível de amadurecimento intelectual e moral de cada Espírito encarnado. O educador Allan Kardec já apontava que o ensino espírita deveria ser adaptado à capacidade de assimilação dos ouvintes, sem jamais vulgarizar ou trair os fundamentos da Doutrina[1]. Desse modo, a divulgação precisa verificar as diferenças de funcionamento cognitivo-neurológico, sem reduzir o conteúdo à simplificação grosseira, mas traduzindo-o de forma acessível, progressiva e fraterna.

No caso de crianças, por exemplo, a linguagem simbólica, os relatos morais e os exemplos práticos devem ser priorizados, tendo em vista sua fase de pensamento concreto. A assimilação dos princípios como reencarnação, justiça divina e lei de progresso deve ocorrer por meio de narrativas significativas, como pela contação de histórias com dramatização simples, reforçando o aprendizado com um estímulo lúdico.

Já com jovens, é necessário introduzir o raciocínio crítico e os dilemas morais, mostrando como os princípios espíritas dialogam com a vida cotidiana, os valores contemporâneos e os conflitos existenciais próprios da adolescência e juventude. Oficinas e debates temáticos favorecem essa proposta.

Com os adultos, a tarefa é mais desafiadora e diversificada, pois há aqueles com formação limitada ou distorcida, e outros já preparados para estudos mais aprofundados. Torna-se essencial, portanto, empregar metodologias dialógicas que considerem os referenciais prévios, incentivem o questionamento e promovam a autonomia de pensamento e comportamento confiante e corajoso, típico da fé racional inabalável[2]. A formação de grupos de estudo segmentados por nível de familiaridade com os princípios espíritas, conduzidos por facilitadores com sólidos conceitos doutrinários que incentivem a reflexão racional apresentando as fontes e referências utilizadas nas obras de Allan Kardec direciona para a construção consciente do conhecimento espírita.

Importa reconhecer, também, que os desafios educacionais persistentes no Brasil contribuem para uma heterogeneidade significativa no público que frequenta as instituições espíritas. Desigualdades no acesso à escolarização, dificuldades de leitura e escrita, déficit na formação científica e filosófica e lacunas no estímulo ao pensamento crítico refletem-se diretamente na forma como os conteúdos doutrinários são recebidos e compreendidos. Dessa maneira, centros espíritas convivem simultaneamente com frequentadores altamente escolarizados e outros com trajetória educacional fragilizada, exigindo dos dirigentes e colaboradores um olhar atento às múltiplas formas de aprender e processar ideias, sem elitismo, mas também sem empobrecimento da mensagem. Tal realidade reforça a necessidade de abordagens graduais, acessíveis e respeitosas, capazes de acolher diferentes capacidades de assimilação e realidades socioeconômicas sem comprometer a integridade doutrinária.

Adicionalmente, a cultura local e as experiências pessoais influenciam decisivamente na recepção da mensagem. Por isso, a divulgação doutrinária deve evitar modelos rígidos e engessados, acolhendo as dúvidas e promovendo a empatia e a escuta ativa. O expositor, o educador infantojuvenil ou o trabalhador espírita de forma geral deve evitar tanto a tecnocracia discursiva com a repetição estéril de fórmulas ou dogmas, quanto o sincretismo eclético que dissolve a identidade doutrinária. A solução está em seguir o método progressivo e lógico de Kardec: partir do conhecido para o desconhecido, do simples para o complexo, do sensível para o abstrato.

É necessário compreender que o Espiritismo não se impõe, mas se propõe. Portanto, o êxito na divulgação doutrinária não reside em convencer a todos, mas em semear com clareza, firmeza lógica e atitude amorosa, compreendendo o momento de cada Espírito. Assim, divulgar a Doutrina Espírita de forma eficaz exige alinhar coerência doutrinária, sensibilidade pedagógica e atenção à pluralidade de perfis intelectuais e sociais dos interlocutores.

Diante desses cuidados, cabe aos dirigentes, expositores e educadores espíritas ponderarem sobre suas práticas e renovarem, sempre que necessário, as estratégias de ensino e divulgação doutrinária utilizados em suas instituições. É preciso perguntar, com sinceridade e lucidez: estamos realmente favorecendo a interiorização dos valores e a vivência do Espiritismo segundo as características de nossos públicos, ou apenas reproduzindo modelos automáticos que desconsideram os processos cognitivos e culturais dos nossos interlocutores?

Compatível com a proposta kardequiana de fé raciocinada, a divulgação espírita deve unir clareza doutrinária e discernimento formativo, promovendo não apenas o entendimento conceitual, mas também o engajamento ético e a responsabilidade do ser perante o próprio desenvolvimento moral.



[1] Ver O livro dos médiuns, 1ª parte, Capítulo 3 – O método.

[2] Ver O evangelho segundo o espiritismo, Capítulo 19, item 7.



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