terça-feira, 17 de junho de 2025

Intersecções entre a Bíblia e a Economia - por Mark Hendrickson

 


Intersecções entre a Bíblia e a Economia

Mark Hendrickson

17 de junho de 2025

 

É compreensível que as pessoas tenham reservas quando alguém insere a Bíblia em uma discussão sobre questões econômicas. A Bíblia certamente não é um manual de economia. Seu tratamento de temas econômicos é esporádico e breve, faltando-lhe detalhamento e profundidade. Não surpreende, portanto, que as implicações econômicas da Bíblia sejam percebidas de muitas formas diferentes.

A Bíblia aborda temas econômicos de maneiras que às vezes são descritivas (neutras em relação a valores) e outras vezes prescritivas (carregadas de valores, normativas). Essas distinções são cruciais.

Por exemplo, a Bíblia é puramente descritiva ao relatar um episódio que ilustra a lei da oferta e da demanda em funcionamento durante o cerco sírio a Samaria (2 Reis 6:24-7:18). Quando a oferta diminui, os preços sobem; quando a oferta aumenta, os preços caem. A Bíblia não emite qualquer juízo de valor sobre o funcionamento da oferta e da demanda. Essa lei econômica não é nem certa nem errada; é simplesmente a forma como o mundo funciona, tão neutra quanto dizer que o fogo queima a madeira.

A Bíblia também é meramente descritiva em seu tratamento das trocas voluntárias, considerando as transações entre compradores e vendedores a preços mutuamente aceitáveis como uma característica comum da vida na Terra – por exemplo, a compra de um túmulo por Abraão para Sara (Gênesis 23:15) e a aquisição de suprimentos por Davi para uma oferta de holocausto (1 Crônicas 21:24-25). Até mesmo a usura (cobrança de juros) é tratada de forma não condenatória quando Jesus, na parábola dos talentos, diz ao servo improdutivo que ele ao menos deveria ter usado o dinheiro confiado a ele para render juros (Mateus 25:27).

É ao nos voltarmos para os aspectos prescritivos (normativos) dos fenômenos econômicos na Bíblia que surgem controvérsias sobre como interpretá-la. Centrais nos ensinamentos bíblicos estão os que Jesus chamou de os dois grandes mandamentos (Mateus 22:36-40), que orientam como os seres humanos devem se relacionar com Deus e uns com os outros. De fato, esses dois mandamentos são uma versão condensada (um resumo antecipado?) dos Dez Mandamentos (Êxodo 20:3-17), dos quais quatro dizem respeito ao que devemos a Deus e seis fornecem regras sobre como os seres humanos devem tratar uns aos outros.

Particularmente relevantes para a economia são o oitavo e o décimo mandamentos, "Não furtarás" e "Não cobiçarás". São declarações inequívocas que exigem a adesão ao princípio da propriedade privada. (Aliás, não é preciso acreditar em Deus ou na Bíblia para endossar o princípio da propriedade privada. Ludwig von Mises, por exemplo, por meio de sua análise econômica completamente livre de valores morais, concluiu que é logicamente demonstrável que, se as pessoas desejam prosperidade, então uma economia baseada na propriedade privada é o meio mais eficaz de alcançar esse fim. Curiosamente, Mises chegou à mesma conclusão por meio da análise que Moisés chegou por revelação – a saber, que os seres humanos prosperam mais ao respeitar a propriedade privada.)

Alguns indivíduos criaram o conceito de “socialismo cristão”, baseado em sofismas. Eles citam versículos da Bíblia, como a declaração de Jesus no Sermão da Montanha para dar a capa a quem roubou o manto, ou a passagem em Lucas onde o rico Lázaro sofre na vida após a morte por não ter compartilhado sua riqueza com os pobres. É verdade que Jesus advertiu repetidamente contra o apego excessivo aos confortos materiais e exortou à caridade para com os outros.

Note-se, porém, que os seres humanos deveriam ser sujeitos à sua própria consciência sobre quanto acumular de riqueza, e não aos ditames de outros humanos. Por exemplo, quando um homem perguntou a Jesus o que precisava fazer para herdar a vida eterna, Jesus lhe disse para dar toda a sua riqueza aos pobres. Quando o homem se recusou, Jesus o deixou partir em paz. Jesus essencialmente lhe ofereceu um contrato voluntário e respeitou o direito do homem de não aceitá-lo (ver Marcos 10:17-23).

Da mesma forma, quando outro homem pediu que Jesus dissesse a seu irmão para dividir a herança com ele, Jesus recusou, dizendo: "Homem, quem me constituiu juiz ou partidor entre vós?" (Lucas 12:14). Se o Filho de Deus (ou, se preferir, o homem mais amoroso e moral que já viveu) não negaria a alguém seus direitos de propriedade, quem somos nós para fazê-lo?

Muitos cristãos autodeclarados erram ao abordar a questão da ajuda aos pobres. Eles afirmam que os cristãos devem apoiar programas governamentais, pelos quais os cidadãos contribuintes são compelidos por lei a sustentar os menos favorecidos. Novamente, Jesus certamente aprovaria ajudar os pobres, mas o fim não justifica os meios. Por mais que se busque, não há versículo na Bíblia que diga que o caminho para o céu seja fazer com que outras pessoas realizem boas obras. Os atos de caridade devem ser feitos voluntariamente, por um impulso interno de amor e generosidade, e não em resposta a compulsões externas, como a coerção estatal por meio de multas ou prisão para arrecadar impostos destinados a programas de assistência social.

Jesus ofereceu o modelo de caridade cristã na parábola do bom samaritano (Lucas 10:30-37). Ao encontrar um homem gravemente ferido por assaltantes, o samaritano cuidou pessoalmente de suas feridas e gastou seu próprio dinheiro para garantir comida e abrigo para a vítima. Quando precisou partir para cumprir outros compromissos, prometeu pagar ao estalajadeiro para continuar cuidando do homem.

Assim, Jesus ilustrou as duas formas de caridade cristã: primeiro, ajuda pessoal e direta; segundo, ajuda indireta, ao doar para aqueles que têm tempo e habilidades para assistir os necessitados quando não podemos fazê-lo diretamente.

Vamos a um experimento mental: imagine que o samaritano, ao avistar o homem ferido, tivesse arrecadado os fundos que gastou posteriormente impondo um pedágio aos transeuntes daquela estrada – um pedágio que eles teriam de pagar se não quisessem levar uma bastonada na cabeça. O homem necessitado ainda teria recebido a ajuda de que tanto precisava, mas ainda assim consideraríamos o samaritano um exemplo de virtude e caridade cristã? É genuína a caridade quando se é generoso com o dinheiro dos outros? É caridoso ajudar alguns sob ameaça de prejudicar outros?

Este é o terreno moral obscuro no qual muitos cristãos se perdem em nome da “justiça social” ou do evangelho social. O desejo de ajudar os necessitados é louvável, mas os meios empregados por defensores da “justiça social” não o são. Eles enfraquecem um princípio bíblico ao pedir que o governo redistribua a riqueza para os pobres, os doentes, as viúvas. O governo necessariamente introduz o fator adicional da coerção, pois governo é força organizada. Embora seja cristão ser caridoso, Jesus nunca misturou caridade com compulsão, nem ensinou seus seguidores a recorrer à força.

Para o cristão, a propriedade privada é um dos pilares centrais da moralidade social dirigida por Deus. Para o economista, a propriedade privada oferece a máxima utilidade na promoção da prosperidade social. Nesse sentido crucial, Bíblia e economia não entram em conflito, mas se harmonizam.


Mark Hendrickson leciona Economia e Empreendedorismo no Grove City College (EUA) e é pesquisador em Políticas Econômicas e Sociais no Center for Vision & Values.

 

*Este artigo foi publicado no The Daily Economy e está disponível em: https://thedailyeconomy.org/article/intersections-between-the-bible-and-economics/

 


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