A evocação do padre D.
Marco Milani
Na edição de outubro de 1865 da Revista Espírita,
Allan Kardec analisou o relato mediúnico oferecido pelo Espírito D., o qual foi
um padre que, em vida, promoveu reiterada oposição ao Espiritismo.
Durante sua comunicação, o Espírito D. admitiu a
veracidade das manifestações espirituais, mas manteve ceticismo em relação aos
objetivos do Espiritismo e criticou suas implicações sociais, como a ameaça à
estrutura clerical tradicional. O padre argumentou que, embora o Espiritismo
tenha boa essência, seus resultados podem ser prejudiciais devido à
possibilidade de manifestação e influência de Espíritos inferiores, assim como
citou a existência de divergências internas entre os adeptos.
Kardec, por sua vez, rebateu as afirmações do padre,
destacando a lógica, a universalidade e o caráter progressivo da doutrina
espírita. Ele contrapôs que eventuais divergências entre os adeptos seriam
naturais em um movimento novo e que o Espiritismo, por estar fundamentado nas
leis da Natureza e sustentado por um ensino coletivo e universal dos Espíritos,
não poderia ser comparado a doutrinas humanas que se desfazem com o tempo.
Kardec também refutou a ideia de que o Espiritismo seria uma ameaça social negativa,
afirmando que sua missão é a de regenerar a humanidade e promover a
transformação moral baseada na caridade e na verdade.
Finalizando seus comentários, Kardec apresentou uma
visão otimista sobre o futuro do Espiritismo, prevendo que ele superaria os
desafios, consolidar-se-ia como um elemento de progresso moral da humanidade e
seria amplamente reconhecido por sua contribuição ao desenvolvimento social.
Sobre a lúcida análise da mensagem realizada por
Kardec, pode-se enfatizar que as mudanças sociais decorrerão, essencialmente,
da transformação moral dos indivíduos, respeitando-se as liberdades
individuais, em especial a liberdade de consciência.
O aprimoramento moral é o alicerce para o progresso
coletivo, pois é a partir de hábitos e costumes elevados que os homens poderão
construir uma sociedade mais justa e fraterna. O Espiritismo não impõe, mas
esclarece, convidando cada um a refletir e agir conforme sua própria
compreensão das leis divinas e naturais.
A comunicação do padre D. é um exemplo claro de que
o contato direto com a realidade espiritual não resulta, necessariamente, em
uma mudança imediata e radical de convicções pessoais. Apesar de reconhecer a
existência dos fenômenos espirituais e admitir a validade de certas ideias
espíritas, o padre D. não abandonou instantaneamente suas crenças pregressas,
mesmo quando estas se mostraram contraditórias aos fatos que testemunhava.
Essa situação evidencia que as crenças humanas
estão enraizadas em experiências, valores e visões de mundo formadas ao longo
do tempo. Alterá-las é um processo gradual que exige reflexão e, sobretudo,
disposição para superar preconceitos. A doutrina espírita, ao ressaltar a
importância do autoconhecimento e ações voltadas ao bem, reflete essa condição:
a transformação moral não é algo imposto externamente, como preceituam
ideologias materialistas que supõem que basta mudar as instituições para que o
homem também mude, mas uma construção interna que demanda tempo e vontade
genuína.
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