quarta-feira, 1 de janeiro de 2025

A evocação do padre D.

 

A evocação do padre D.

Marco Milani

 Texto publicado na Revista Candeia Espírita, nº 40, jan/2025, p. 10-11

 

Na edição de outubro de 1865 da Revista Espírita, Allan Kardec analisou o relato mediúnico oferecido pelo Espírito D., o qual foi um padre que, em vida, promoveu reiterada oposição ao Espiritismo.

Durante sua comunicação, o Espírito D. admitiu a veracidade das manifestações espirituais, mas manteve ceticismo em relação aos objetivos do Espiritismo e criticou suas implicações sociais, como a ameaça à estrutura clerical tradicional. O padre argumentou que, embora o Espiritismo tenha boa essência, seus resultados podem ser prejudiciais devido à possibilidade de manifestação e influência de Espíritos inferiores, assim como citou a existência de divergências internas entre os adeptos.

Kardec, por sua vez, rebateu as afirmações do padre, destacando a lógica, a universalidade e o caráter progressivo da doutrina espírita. Ele contrapôs que eventuais divergências entre os adeptos seriam naturais em um movimento novo e que o Espiritismo, por estar fundamentado nas leis da Natureza e sustentado por um ensino coletivo e universal dos Espíritos, não poderia ser comparado a doutrinas humanas que se desfazem com o tempo. Kardec também refutou a ideia de que o Espiritismo seria uma ameaça social negativa, afirmando que sua missão é a de regenerar a humanidade e promover a transformação moral baseada na caridade e na verdade.

Finalizando seus comentários, Kardec apresentou uma visão otimista sobre o futuro do Espiritismo, prevendo que ele superaria os desafios, consolidar-se-ia como um elemento de progresso moral da humanidade e seria amplamente reconhecido por sua contribuição ao desenvolvimento social.

Sobre a lúcida análise da mensagem realizada por Kardec, pode-se enfatizar que as mudanças sociais decorrerão, essencialmente, da transformação moral dos indivíduos, respeitando-se as liberdades individuais, em especial a liberdade de consciência.

O aprimoramento moral é o alicerce para o progresso coletivo, pois é a partir de hábitos e costumes elevados que os homens poderão construir uma sociedade mais justa e fraterna. O Espiritismo não impõe, mas esclarece, convidando cada um a refletir e agir conforme sua própria compreensão das leis divinas e naturais.

A comunicação do padre D. é um exemplo claro de que o contato direto com a realidade espiritual não resulta, necessariamente, em uma mudança imediata e radical de convicções pessoais. Apesar de reconhecer a existência dos fenômenos espirituais e admitir a validade de certas ideias espíritas, o padre D. não abandonou instantaneamente suas crenças pregressas, mesmo quando estas se mostraram contraditórias aos fatos que testemunhava.

Essa situação evidencia que as crenças humanas estão enraizadas em experiências, valores e visões de mundo formadas ao longo do tempo. Alterá-las é um processo gradual que exige reflexão e, sobretudo, disposição para superar preconceitos. A doutrina espírita, ao ressaltar a importância do autoconhecimento e ações voltadas ao bem, reflete essa condição: a transformação moral não é algo imposto externamente, como preceituam ideologias materialistas que supõem que basta mudar as instituições para que o homem também mude, mas uma construção interna que demanda tempo e vontade genuína.


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