terça-feira, 7 de janeiro de 2025

Movimento espírita: o lento, mas necessário passo adiante

Movimento espírita: o lento, mas necessário passo adiante

 

Marco Milani

 

Texto publicado na Revista Dirigente Espírita, ed. 204, jan/fev 2025, p. 17-19

  

A Doutrina Espírita foi estruturada por um notável esforço coordenado entre encarnados e desencarnados. Allan Kardec seguiu um método de validação das informações decorrentes do intercâmbio mediúnico denominado Controle Universal do Ensino dos Espíritos (CUEE) e cuja marca foi a análise crítica e ponderada do conteúdo abordado, valorizando a convergência de múltiplas fontes que não se influenciavam reciprocamente. Não se subordinou, assim, a veracidade das informações ao nome de quem assinava a mensagem ou de quem atuava como médium. Dessa maneira, uma das principais inovações trazidas pelo Espiritismo foi de caráter metodológico, tratando como simples opinião qualquer manifestação individual sem implicação de agregação ao corpo teórico-doutrinário se a essência da informação não for ratificada por fontes independentes.

O caráter progressivo do conhecimento humano reflete no próprio amadurecimento da compreensão sobre a realidade em que vivemos, destacando-se a natureza, origem e destino dos Espíritos e suas relações com o mundo corporal. Os avanços científicos, certamente, contribuem nessa direção.

Allan Kardec enfatizou, repetidamente, que o Espiritismo não deveria ser aceito pela simples crença cega, mas sim compreendido e assimilado por meio da razão. A fé raciocinada é um dos pilares da Doutrina Espírita e caracteriza-se como uma grande contribuição ao pensamento humano. Diferentemente de sistemas religiosos que exigem a aceitação de dogmas indiscutíveis ou mistérios insondáveis, o Espiritismo propõe que todas as suas afirmativas sejam passíveis de análise lógica e de conformidade com os fatos.

Nessa linha, a adoção de explicações fantasiosas, práticas místicas ou interpretações literais de mensagens mediúnicas por parte de seus adeptos sem análise crítica contraria a essência do pensamento espírita.

O Espiritismo não é uma religião no sentido tradicional, mas uma doutrina filosófica, com aspectos científicos e implicações morais. Seu objetivo não é fomentar rituais ou invocar poderes sobrenaturais, mas esclarecer o homem sobre sua verdadeira natureza e ajudá-lo a evoluir moral e intelectualmente.

Por influência de crenças anteriores ou pela falta de estudo aprofundado, alguns que se consideram adeptos acabam por trazer ao movimento espírita práticas que destoam dessa proposta. Acreditar na infalibilidade de médiuns, idolatrar Espíritos como se fossem santos ou tratar as obras mediúnicas romanceadas e ficcionais como verdades absolutas são exemplos de comportamentos que enfraquecem a proposta racional do Espiritismo.

A fé raciocinada exige esforço intelectual, estudo e autocrítica, práticas essas que diferem da formação religiosa tradicional sustentada em argumentos de autoridade e pelo carisma pessoal de reveladores da verdade. O comportamento atávico impede, de pronto, que alguns adeptos se libertem de padrões religiosos obscurantistas vivenciados no passado, por isso é justificável que a mudança não ocorra de forma imediata e a assimilação do Espiritismo seja gradual conforme as disposições e capacidades de cada um.

Todavia, há sinais promissores de que o movimento espírita está, lentamente, caminhando para esse amadurecimento necessário, ainda que envolto em crendices, sincretismo e exemplos de fé cega.

A proliferação de cursos, seminários e estudos sistematizados do ensino dos Espíritos presentes no conjunto de obras kardequianas tem ajudado a promover uma compreensão mais profunda e crítica da Doutrina. Além disso, o incentivo ao diálogo entre Ciência e Espiritismo tem sido um poderoso motor para a consolidação de uma visão mais racional e menos mística.

Estudos sobre a sobrevivência do ser após a morte física, reencarnação, experiências de quase-morte, lembranças de vidas passadas, comunicação mediúnica, entre outros, têm sido realizados por crescente número de pesquisadores não-espíritas em diferentes países.

Como bem apontou Kardec, não se teme o conhecimento científico, porque se for demonstrado que o Espiritismo está errado em algum ponto, ele se modificará nesse ponto. Essa abertura ao progresso é uma de suas maiores forças.

Para o avanço na maturidade doutrinária, as instituições espíritas têm um papel crucial nesse processo, uma vez que deveriam oferecer não apenas conforto e orientação espiritual, mas também formação doutrinária sólida e coerente, capaz de diferenciar o conteúdo legitimamente validado em fatos e na razão para explicar a realidade daquele embasado em ficção, típico de muitos romances que são facilmente consumidos pelo público ávido por histórias mágicas e envolventes.

A farta literatura supostamente mediúnica voltada a leitores espiritualistas não substitui nem complementa o corpo doutrinário espírita. Isso não tira o mérito de romances incentivarem o contato do leitor com a temática espiritualista, desde que não se aceite cegamente suas descrições ficcionais.

Em vez de se aceitar prontamente informações obtidas em mensagens mediúnicas, deve-se analisar criticamente o conteúdo transmitido, verificando sua coerência com os princípios doutrinários e sua aplicabilidade prática.

Igualmente, diante de inúmeros canais que se afirmam com conteúdo espírita nas redes sociais, os quais chegam a contar com centenas de milhares de inscritos, o cuidado em separar o joio do trigo quanto à qualidade doutrinária é constante.

A transição para uma crença fundamentada na razão é um passo que tem se mostrado vagaroso, mas indispensável, para que o Espiritismo cumpra sua missão de esclarecer, consolar e transformar a humanidade. Superar o misticismo e adotar plenamente a fé raciocinada são desafios que exigem esforço conjunto, mas que podem ser considerados como reais exercícios de caridade.

 



 

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