Movimento espírita: o
lento, mas necessário passo adiante
Marco Milani
Texto publicado na Revista Dirigente
Espírita, ed. 204, jan/fev 2025, p. 17-19
A Doutrina Espírita foi estruturada por um notável
esforço coordenado entre encarnados e desencarnados. Allan Kardec seguiu um
método de validação das informações decorrentes do intercâmbio mediúnico denominado
Controle Universal do Ensino dos Espíritos (CUEE) e cuja marca foi a análise
crítica e ponderada do conteúdo abordado, valorizando a convergência de
múltiplas fontes que não se influenciavam reciprocamente. Não se subordinou,
assim, a veracidade das informações ao nome de quem assinava a mensagem ou de
quem atuava como médium. Dessa maneira, uma das principais inovações trazidas
pelo Espiritismo foi de caráter metodológico, tratando como simples opinião
qualquer manifestação individual sem implicação de agregação ao corpo
teórico-doutrinário se a essência da informação não for ratificada por fontes
independentes.
O caráter progressivo do conhecimento humano reflete
no próprio amadurecimento da compreensão sobre a realidade em que vivemos,
destacando-se a natureza, origem e destino dos Espíritos e suas relações com o
mundo corporal. Os avanços científicos, certamente, contribuem nessa direção.
Allan Kardec enfatizou, repetidamente, que o
Espiritismo não deveria ser aceito pela simples crença cega, mas sim
compreendido e assimilado por meio da razão. A fé raciocinada é um dos pilares
da Doutrina Espírita e caracteriza-se como uma grande contribuição ao
pensamento humano. Diferentemente de sistemas religiosos que exigem a aceitação
de dogmas indiscutíveis ou mistérios insondáveis, o Espiritismo propõe que
todas as suas afirmativas sejam passíveis de análise lógica e de conformidade
com os fatos.
Nessa linha, a adoção de explicações fantasiosas, práticas
místicas ou interpretações literais de mensagens mediúnicas por parte de seus
adeptos sem análise crítica contraria a essência do pensamento espírita.
O Espiritismo não é uma religião no sentido
tradicional, mas uma doutrina filosófica, com aspectos científicos e
implicações morais. Seu objetivo não é fomentar rituais ou invocar poderes
sobrenaturais, mas esclarecer o homem sobre sua verdadeira natureza e ajudá-lo
a evoluir moral e intelectualmente.
Por influência de crenças anteriores ou pela falta
de estudo aprofundado, alguns que se consideram adeptos acabam por trazer ao
movimento espírita práticas que destoam dessa proposta. Acreditar na
infalibilidade de médiuns, idolatrar Espíritos como se fossem santos ou tratar
as obras mediúnicas romanceadas e ficcionais como verdades absolutas são
exemplos de comportamentos que enfraquecem a proposta racional do Espiritismo.
A fé raciocinada exige esforço intelectual, estudo e
autocrítica, práticas essas que diferem da formação religiosa tradicional
sustentada em argumentos de autoridade e pelo carisma pessoal de reveladores da
verdade. O comportamento atávico impede, de pronto, que alguns adeptos se
libertem de padrões religiosos obscurantistas vivenciados no passado, por isso
é justificável que a mudança não ocorra de forma imediata e a assimilação do
Espiritismo seja gradual conforme as disposições e capacidades de cada um.
Todavia, há sinais promissores de que o movimento
espírita está, lentamente, caminhando para esse amadurecimento necessário,
ainda que envolto em crendices, sincretismo e exemplos de fé cega.
A proliferação de cursos, seminários e estudos
sistematizados do ensino dos Espíritos presentes no conjunto de obras kardequianas
tem ajudado a promover uma compreensão mais profunda e crítica da Doutrina.
Além disso, o incentivo ao diálogo entre Ciência e Espiritismo tem sido um
poderoso motor para a consolidação de uma visão mais racional e menos mística.
Estudos sobre a sobrevivência do ser após a morte
física, reencarnação, experiências de quase-morte, lembranças de vidas
passadas, comunicação mediúnica, entre outros, têm sido realizados por crescente
número de pesquisadores não-espíritas em diferentes países.
Como bem apontou Kardec, não se teme o conhecimento
científico, porque se for demonstrado que o Espiritismo está errado em algum
ponto, ele se modificará nesse ponto. Essa abertura ao progresso é uma de suas
maiores forças.
Para o avanço na maturidade doutrinária, as instituições
espíritas têm um papel crucial nesse processo, uma vez que deveriam oferecer
não apenas conforto e orientação espiritual, mas também formação doutrinária
sólida e coerente, capaz de diferenciar o conteúdo legitimamente validado em
fatos e na razão para explicar a realidade daquele embasado em ficção, típico
de muitos romances que são facilmente consumidos pelo público ávido por
histórias mágicas e envolventes.
A farta literatura supostamente mediúnica voltada a
leitores espiritualistas não substitui nem complementa o corpo doutrinário
espírita. Isso não tira o mérito de romances incentivarem o contato do leitor
com a temática espiritualista, desde que não se aceite cegamente suas
descrições ficcionais.
Em vez de se aceitar prontamente informações obtidas
em mensagens mediúnicas, deve-se analisar criticamente o conteúdo transmitido,
verificando sua coerência com os princípios doutrinários e sua aplicabilidade
prática.
Igualmente, diante de inúmeros canais que se afirmam
com conteúdo espírita nas redes sociais, os quais chegam a contar com centenas
de milhares de inscritos, o cuidado em separar o joio do trigo quanto à
qualidade doutrinária é constante.
A transição para uma crença fundamentada na razão é
um passo que tem se mostrado vagaroso, mas indispensável, para que o
Espiritismo cumpra sua missão de esclarecer, consolar e transformar a
humanidade. Superar o misticismo e adotar plenamente a fé raciocinada são
desafios que exigem esforço conjunto, mas que podem ser considerados como reais
exercícios de caridade.
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