quinta-feira, 17 de outubro de 2013

Resenha: HQ KARDEC

Texto publicado originalmente no Jornal de Estudos Espíritas (JEE) em 16/10/13


RESENHA: História em Quadrinhos “KARDEC”, de Carlos Ferreira e Rodrigo Rosa.

Marco Milani

        A história em quadrinhos (HQ) “Kardec”, de Carlos Ferreira e Rodrigo Rosa, publicada em 2011 pela Editora Barba Negra, selo editorial do grupo Leya, foi uma interessante iniciativa de se tentar apresentar passagens da vida do Codificador do Espiritismo, Allan Kardec, em formato gráfico. Os desenhos e o acabamento são bem feitos, refletindo o zelo artístico. O roteiro e os aspectos históricos, entretanto, não possuem a mesma consistência, embora tentem seguir fatos relatados pelos biógrafos e apresentados pelo próprio Kardec no livro Obras Póstumas (KARDEC, 1985) sobre a sua iniciação no Espiritismo. Determinadas cenas da HQ devem-se, exclusivamente, à liberdade criativa dos autores e isso deve ser levado em consideração para que o leitor não fique frustrado ao esperar plena aderência entre o roteiro e os fatos biográficos de Kardec e dos personagens que o cercaram.
        A HQ pode ser agrupada em quatro passagens envolvendo o Professor Rivail: a) Conversas com Fortier; b) Conversas com Carlotti; c) Participação em sessões mediúnicas e; d) Revelação de sua missão. A seguir, são descritas algumas cenas apresentadas no livro.
Inicialmente, em seu escritório, o professor Rivail ouve do magnetizador Fortier a descrição do fenômeno das mesas girantes e é convidado pelo amigo para acompanhá-lo em uma reunião mediúnica promovida pelo escocês Daniel Dunglas Home. Ao mostrar-se descrente do fenômeno e recusar o convite, Rivail é chamado de covarde por Fortier, o qual brada que comparecerá sozinho à reunião. Em dia posterior, Fortier vai até a Catedral de Notre Dame procurar Rivail a fim de contar os detalhes ocorridos na sessão mediúnica com D. D. Home. Fortier encontra Rivail participando de uma missa católica, em posição genuflexa, cabeça baixa e com as mãos unidas como se estive orando. Na fila para receber a hóstia, Fortier comenta que as mesas girantes também eram falantes e Rivail fica espantado.
        Caminhando pelas ruas parisienses e ainda pensativo com as argumentações de Fortier, Rivail descobre um cartaz do ilusionista Robert-Houdin, que prometia um espetáculo de 2 horas de magia e évocation spiritiste (sic). Rivail comparece à apresentação de Houdin e, durante a saída, depara-se com o amigo Carlotti, o qual comenta estar surpreso por encontrar o professor nesse tipo de evento. Na cena, Rivail mostra-se acanhado e Carlotti o conforta dizendo que ele não precisava ficar tímido e ter vergonha. Começam a conversar sobre a veracidade dos fenômenos mediúnicos e Carlotti externaliza a suposição de que os objetos teriam começado a se mover como uma forma de reação às intervenções do homem naquilo que ele denominou de “campo energético urbano de Paris”. Carlotti ainda sugere que a loja (templo maçônico) teria como base a verdade pagã e, nesse sentido, “as mesas girantes” estariam propondo algo semelhante para uma volta do primitivismo religioso, mas com a sabedoria e a ciência do século XIX.
        Dias depois, Fortier e Carlotti se encontram em uma sessão mediúnica e felicitam-se mutuamente por terem conseguido aproximar Rivail desse tipo de reunião. Ambos comentam sobre os fatos que convenceram o professor Rivail a aceitar a realidade dos fenômenos com as mesas girantes. Fortier, ainda, descreve uma situação recente na qual contou com a assistência de Rivail para magnetizar a Sra. Roger e, na ocasião, um espírito serviu-se das faculdades mediúnicas dessa senhora para conversar com Rivail e mencionar fatos antigos só conhecidos pelo mestre lionês, como a lembrança do dia em que Rivail, ainda garoto, foi buscar uma garrafa de vinho para o seu pai na adega da casa e, como tinha medo de ratos, a paúra fez com que ele molhasse as calças. Tais comentários teriam persuadidos Rivail a comprovar a veracidade das manifestações mediúnicas e, desde esse dia, tornou-se um frequentador assíduo das reuniões organizadas, principalmente, pela família Baudin. Na sequência, o professor Rivail passa a analisar a dinâmica das sessões mediúnicas e a questionar os espíritos comunicantes sobre temas filosóficos, permitindo-lhe fazer anotações e reflexões.
        Ao representar a passagem na qual Rivail conhece seu espírito protetor, os autores da HQ confundem Zéfiro com o Espírito da Verdade. A HQ encerra-se com a revelação do nome Allan Kardec, em referência a uma reencarnação que Rivail teve quando foi um sacerdote druida.
        A liberdade criativa dos autores propõe um perfil frágil e titubeante para o protagonista, com características que não correspondem àquelas de um educador de destaque em sua época e com coragem suficiente para levar a cabo uma tarefa hercúlea, como a organização do corpo teórico espírita e a firme defesa dos princípios doutrinários perante críticos religiosos e detratores altamente intelectualizados e movidos por diferentes interesses.
        As presenças de Daniel Dunglas Home e Robert-Houdin na HQ também decorrem da licença poética dos autores. Em Obras Póstumas (KARDEC, 1985), Rivail relata ter conversado com Fortier sobre mesas girantes, pela primeira vez, em 1854. Não existe registro histórico de que Fortier tenha participado de qualquer sessão de D. D. Home e, muito menos, que Rivail tenha sido convidado para alguma delas. Com relação a Robert-Houdin, também não há evidências de que tenha comparecido a algum espetáculo do prestidigitador e lá encontrado Carlotti.
        O engano cometido pelos autores ao confundir Zéfiro com o Espírito da Verdade deveu-se a uma clara desatenção na pesquisa histórica realizada. Essa confusão poderia ser facilmente desfeita em uma leitura mais cuidadosa das comunicações publicadas em Obras Póstumas (KARDEC, 1985), especificamente nos diálogos ocorridos em 11/12/1855 – “Meu espírito protetor” e em 25/03/1856 – “Meu guia espiritual”.
        Complementarmente, a obra possui aspectos positivos na tentativa de se explorar a tensão existente entre o materialismo da época e a onda espiritualista que invadia a Europa em meados do século XIX, promovendo reflexões interessantes.
        Os autores e os responsáveis editoriais fazem jus a elogios pela iniciativa e pela qualidade gráfica da obra, apesar dos equívocos doutrinários e históricos exigirem ressalvas no roteiro. Ainda que a parceria entre a Editora Barba Negra e o grupo Leya tenha sido encerrada no final de 2012, certamente, é uma proposta que merece ser desenvolvida.

Bibliografia
FERREIRA, Carlos; ROSA, Rodrigo. Kardec. São Paulo: Leya, 2011.
KARDEC, Allan. Obras Póstumas. Brasília, DF: FEB, 1985

3 comentários:

  1. Oi adorei.. muito obrigado, amei a
    maneira que vc usou para descrever essa resenha...me fez se interessar pelo
    livro....mas vc já leu o livro reverso escrito pelo autor Darlei... se trata de
    um livro arrebatador...ele coloca em cheque os maiores dogmas religiosos de
    todos os tempos.....e ainda inverte de forma brutal as teorias cientificas
    usando dilemas fantásticos; Além de revelar verdades sobre Jesus jamais
    mencionados na história.....acesse o link da livraria cultura e digite
    reverso...a capa do livro é linda, Lea traz o universo de fundo..

    www.livrariacultura.com.br/scripts/resenha/resenha.asp?

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  2. Caros, ficamos o Rodrigo e eu agradecidos pelo texto e críticas. Obrigado pela leitura de vocês! Mas da minha parte como roteirista é preciso esclarecer algumas coisas: A graphic novel Kardec, não foi concebida para ser uma biografia espírita, mas uma biografia de ficção histórica. Existe sim, diversas licenças poéticas nessa narrativa. Inclusive a ideia de Zéphyr ser o Espírito da verdade é uma delas. O nosso Kardec não é um obra dogmática, apresentamos um caminho para o mágico do séc XIX, uma época pouco conhecida e com poucos registros históricos. Há passagens da vida de Allan Kardec que carecem de informações e documentos e isto abre uma lacuna para um escritor imaginar linhas de costuras narrativas. Um dos motivos que me fez escrever essa HQ foi o druida Kardec. Para sustentar este objetivo, para viajarmos à Gália fiz de Zéphyr não só uma entidade espírita, mas uma simbologia dos diversos espíritos que ajudaram na revelação da jornada de Rivail até Kardec. Então não foi uma confusão, mas uma opção narrativa. Importante dizer que essa decisão também não é uma atitude de desrespeito com a história Espírita, mas há que levar em consideração que esta é uma história complexa e importa a leitura de leigos e pessoas não relacionadas com o espiritismo. Sei que Rivail teve a presença de diversos espíritos relatando a sua origem em diversas sessões, mas por se tratar de uma narrativa ficcional a opção foi contar a origem e não narrar como exatamente se deu a origem. Tanto que mostramos dois encontros para isso e focamos no último encontro. Kardec vai além de uma história espírita, talvez seja melhor considerar Paris do século XIX a principal personagem. Sim, o nosso Fortier é narrado com criatividade e não documental, mas o que narramos é como a mitologia. E grande parte do que é chamado de história é fomentada com a mitologia. E qual religião e filosofia não se molda com mitologia? Abraço!

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  3. Amigos, deixo aqui um video para conhecerem melhor o Kardec.

    https://www.youtube.com/watch?v=CxFNMHR0Qlo

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