Texto publicado originalmente no Jornal de Estudos Espíritas (JEE) em 16/10/13
RESENHA: História em Quadrinhos “KARDEC”, de Carlos
Ferreira e Rodrigo Rosa.
Marco Milani
A história em quadrinhos (HQ) “Kardec”,
de Carlos Ferreira e Rodrigo Rosa, publicada em 2011 pela Editora Barba Negra,
selo editorial do grupo Leya, foi uma interessante iniciativa de se tentar apresentar
passagens da vida do Codificador do Espiritismo, Allan Kardec, em formato
gráfico. Os desenhos e o acabamento são bem feitos, refletindo o zelo
artístico. O roteiro e os aspectos históricos, entretanto, não possuem a mesma
consistência, embora tentem seguir fatos relatados pelos biógrafos e apresentados
pelo próprio Kardec no livro Obras Póstumas (KARDEC, 1985) sobre a sua
iniciação no Espiritismo. Determinadas cenas da HQ devem-se, exclusivamente, à liberdade
criativa dos autores e isso deve ser levado em consideração para que o leitor
não fique frustrado ao esperar plena aderência entre o roteiro e os fatos
biográficos de Kardec e dos personagens que o cercaram.
A HQ pode ser agrupada em quatro
passagens envolvendo o Professor Rivail: a) Conversas com Fortier; b) Conversas
com Carlotti; c) Participação em sessões mediúnicas e; d) Revelação de sua
missão. A seguir, são descritas algumas cenas apresentadas no livro.
Inicialmente, em seu escritório, o
professor Rivail ouve do magnetizador Fortier a descrição do fenômeno das mesas
girantes e é convidado pelo amigo para acompanhá-lo em uma reunião mediúnica
promovida pelo escocês Daniel Dunglas Home. Ao mostrar-se descrente do fenômeno
e recusar o convite, Rivail é chamado de covarde por Fortier, o qual brada que
comparecerá sozinho à reunião. Em dia posterior, Fortier vai até a Catedral de
Notre Dame procurar Rivail a fim de contar os detalhes ocorridos na sessão
mediúnica com D. D. Home. Fortier encontra Rivail participando de uma missa
católica, em posição genuflexa, cabeça baixa e com as mãos unidas como se
estive orando. Na fila para receber a hóstia, Fortier comenta que as mesas
girantes também eram falantes e Rivail fica espantado.
Caminhando pelas ruas parisienses
e ainda pensativo com as argumentações de Fortier, Rivail descobre um cartaz do
ilusionista Robert-Houdin, que prometia um espetáculo de 2 horas de magia e évocation spiritiste (sic). Rivail
comparece à apresentação de Houdin e, durante a saída, depara-se com o amigo Carlotti,
o qual comenta estar surpreso por encontrar o professor nesse tipo de evento.
Na cena, Rivail mostra-se acanhado e Carlotti o conforta dizendo que ele não
precisava ficar tímido e ter vergonha. Começam a conversar sobre a veracidade
dos fenômenos mediúnicos e Carlotti externaliza a suposição de que os objetos teriam
começado a se mover como uma forma de reação às intervenções do homem naquilo
que ele denominou de “campo energético urbano de Paris”. Carlotti ainda sugere que
a loja (templo maçônico) teria como base a verdade pagã e, nesse sentido, “as
mesas girantes” estariam propondo algo semelhante para uma volta do
primitivismo religioso, mas com a sabedoria e a ciência do século XIX.
Dias depois, Fortier e Carlotti
se encontram em uma sessão mediúnica e felicitam-se mutuamente por terem
conseguido aproximar Rivail desse tipo de reunião. Ambos comentam sobre os
fatos que convenceram o professor Rivail a aceitar a realidade dos fenômenos
com as mesas girantes. Fortier, ainda, descreve uma situação recente na qual contou
com a assistência de Rivail para magnetizar a Sra. Roger e, na ocasião, um
espírito serviu-se das faculdades mediúnicas dessa senhora para conversar com
Rivail e mencionar fatos antigos só conhecidos pelo mestre lionês, como a
lembrança do dia em que Rivail, ainda garoto, foi buscar uma garrafa de vinho para
o seu pai na adega da casa e, como tinha medo de ratos, a paúra fez com que ele
molhasse as calças. Tais comentários teriam persuadidos Rivail a comprovar a
veracidade das manifestações mediúnicas e, desde esse dia, tornou-se um frequentador
assíduo das reuniões organizadas, principalmente, pela família Baudin. Na
sequência, o professor Rivail passa a analisar a dinâmica das sessões
mediúnicas e a questionar os espíritos comunicantes sobre temas filosóficos,
permitindo-lhe fazer anotações e reflexões.
Ao representar a passagem na qual Rivail
conhece seu espírito protetor, os autores da HQ confundem Zéfiro com o Espírito
da Verdade. A HQ encerra-se com a revelação do nome Allan Kardec, em referência
a uma reencarnação que Rivail teve quando foi um sacerdote druida.
A liberdade criativa dos autores propõe
um perfil frágil e titubeante para o protagonista, com características que não
correspondem àquelas de um educador de destaque em sua época e com coragem
suficiente para levar a cabo uma tarefa hercúlea, como a organização do corpo
teórico espírita e a firme defesa dos princípios doutrinários perante críticos
religiosos e detratores altamente intelectualizados e movidos por diferentes
interesses.
As presenças de Daniel Dunglas
Home e Robert-Houdin na HQ também decorrem da licença poética dos autores. Em
Obras Póstumas (KARDEC, 1985), Rivail relata ter conversado com Fortier sobre
mesas girantes, pela primeira vez, em 1854. Não existe registro histórico de
que Fortier tenha participado de qualquer sessão de D. D. Home e, muito menos, que Rivail tenha sido convidado para alguma delas. Com relação a Robert-Houdin, também não há evidências de que tenha comparecido a algum espetáculo do prestidigitador e lá encontrado Carlotti.
O engano cometido pelos autores
ao confundir Zéfiro com o Espírito da Verdade deveu-se a uma clara desatenção na
pesquisa histórica realizada. Essa confusão poderia ser facilmente desfeita em
uma leitura mais cuidadosa das comunicações publicadas em Obras Póstumas
(KARDEC, 1985), especificamente nos diálogos ocorridos em 11/12/1855 – “Meu
espírito protetor” e em 25/03/1856 – “Meu guia espiritual”.
Complementarmente, a obra possui
aspectos positivos na tentativa de se explorar a tensão existente entre o
materialismo da época e a onda espiritualista que invadia a Europa em meados do
século XIX, promovendo reflexões interessantes.
Os autores e os responsáveis
editoriais fazem jus a elogios pela iniciativa e pela qualidade gráfica da
obra, apesar dos equívocos doutrinários e históricos exigirem ressalvas no
roteiro. Ainda que a parceria entre a Editora Barba Negra e o grupo Leya tenha
sido encerrada no final de 2012, certamente, é uma proposta que merece ser
desenvolvida.
Bibliografia
FERREIRA, Carlos; ROSA, Rodrigo.
Kardec. São Paulo: Leya, 2011.
KARDEC, Allan. Obras Póstumas.
Brasília, DF: FEB, 1985
Oi adorei.. muito obrigado, amei a
ResponderExcluirmaneira que vc usou para descrever essa resenha...me fez se interessar pelo
livro....mas vc já leu o livro reverso escrito pelo autor Darlei... se trata de
um livro arrebatador...ele coloca em cheque os maiores dogmas religiosos de
todos os tempos.....e ainda inverte de forma brutal as teorias cientificas
usando dilemas fantásticos; Além de revelar verdades sobre Jesus jamais
mencionados na história.....acesse o link da livraria cultura e digite
reverso...a capa do livro é linda, Lea traz o universo de fundo..
www.livrariacultura.com.br/scripts/resenha/resenha.asp?
Caros, ficamos o Rodrigo e eu agradecidos pelo texto e críticas. Obrigado pela leitura de vocês! Mas da minha parte como roteirista é preciso esclarecer algumas coisas: A graphic novel Kardec, não foi concebida para ser uma biografia espírita, mas uma biografia de ficção histórica. Existe sim, diversas licenças poéticas nessa narrativa. Inclusive a ideia de Zéphyr ser o Espírito da verdade é uma delas. O nosso Kardec não é um obra dogmática, apresentamos um caminho para o mágico do séc XIX, uma época pouco conhecida e com poucos registros históricos. Há passagens da vida de Allan Kardec que carecem de informações e documentos e isto abre uma lacuna para um escritor imaginar linhas de costuras narrativas. Um dos motivos que me fez escrever essa HQ foi o druida Kardec. Para sustentar este objetivo, para viajarmos à Gália fiz de Zéphyr não só uma entidade espírita, mas uma simbologia dos diversos espíritos que ajudaram na revelação da jornada de Rivail até Kardec. Então não foi uma confusão, mas uma opção narrativa. Importante dizer que essa decisão também não é uma atitude de desrespeito com a história Espírita, mas há que levar em consideração que esta é uma história complexa e importa a leitura de leigos e pessoas não relacionadas com o espiritismo. Sei que Rivail teve a presença de diversos espíritos relatando a sua origem em diversas sessões, mas por se tratar de uma narrativa ficcional a opção foi contar a origem e não narrar como exatamente se deu a origem. Tanto que mostramos dois encontros para isso e focamos no último encontro. Kardec vai além de uma história espírita, talvez seja melhor considerar Paris do século XIX a principal personagem. Sim, o nosso Fortier é narrado com criatividade e não documental, mas o que narramos é como a mitologia. E grande parte do que é chamado de história é fomentada com a mitologia. E qual religião e filosofia não se molda com mitologia? Abraço!
ResponderExcluirAmigos, deixo aqui um video para conhecerem melhor o Kardec.
ResponderExcluirhttps://www.youtube.com/watch?v=CxFNMHR0Qlo