No texto abaixo, contido no livro "Herculano
Pires: o apóstolo de Kardec", de autoria de Jorge Rizzini, encontramos o
claro posicionamento do filósofo e jornalista Herculano Pires contra ideologias
totalitárias e materialistas, como o marxismo. Na década de 1960, a obra O Reino, de Herculano
Pires, publicada originalmente em 1946, estava sendo utilizada indevidamente
por militantes socialistas que pretendiam disseminar o marxismo no movimento
espírita. Em 1967, Herculano republica O Reino, com clara crítica ao marxismo e
a todos aqueles que se deixavam levar por essa linha de pensamento. Também encontramos os comentários de Deolindo Amorim elogiando o
amigo Herculano pela manifestação pública no texto "Meu desencontro com a Fagulha", publicada na Revista Internacional do Espiritismo, destacando
esse posicionamento.
EM DEFESA DO "REINO"
Jorge Rizzini
Curioso é que a tese com o texto primitivo, vinte e cinco anos depois de
sua publicação pela Editora Lake (já estando, portanto, nas livrarias a segunda
edição com o texto definitivo impresso pela Edicel) veio a causar
aborrecimentos a Herculano Pires. É que os jovens que constituíam o Movimento
Universitário Espírita de Campinas (movimento que mereceu no início o apoio de
Herculano Pires) publicaram em seu órgão oficial A Fagulha, artigos baseados na
antiga tese, mas que traziam inegável sabor marxista. Herculano Pires
advertiu-os. Os artigos, porém, continuaram, citando-lhe o nome e comprometendo
sua verdadeira posição doutrinária. Temos em nosso arquivo cartas de Deolindo
Amorim, chamando a atenção de Herculano Pires para o fato. É de notar-se que o
grupo havia publicado, um ano antes, o livro “Espiritismo e Marxismo”, de Jacob
Holzmann Neto, o malogrado orador espírita que se perdeu nas teias do
comunismo...
Herculano Pires (sentado) com Deolindo Amorim no Instituto de Cultura
Espírita do Brasil.
O Apóstolo de Kardec proferiu a aula inaugural em 1969.
Herculano Pires só reagiu,
publicamente, quando o grupo campineiro publicou em separata seu vasto prefácio
ao livro Dialética e Metapsíquica, de Humberto Mariotti. Herculano Pires
autorizara a publicação, é verdade, mas ao recebê-la teve uma surpresa
desagradável: os rapazes, sem avisá-lo, haviam incluído na separata um prefácio
assinado pelo marxista Luís de Magalhães Cavalcanti (membro do Movimento
Universitário Espírita de Salvador) cujas ideias contrariavam as suas. Agora já
não havia outra solução se não desmascarar, publicamente, o grupo de Campinas.
E Herculano Pires redigiu o magistral artigo “Meu desencontro com A Fagulha”,
publicado, simultaneamente, na Revista Internacional de Espiritismo e Mundo
Espírita, em setembro de 1971, e em Unificação, edição de novembro de 1971.
Em carta endereçada a Deolindo Amorim em 9 de novembro de 1971, Herculano
Pires havia escrito sobre a A Fagulha:
“Não sou dos que cruzam os
braços diante das mistificações e dos abusos que se praticam no meio espírita.
Você mesmo deve ter visto, pelas minhas atitudes e pelos meus artigos, que não
sou homem de negaças.”
E mais:
“Parece-me que não temos o
direito de calar e fugir nesses momentos. Precisamos fazer como Paulo: tomar
posição definida e falar às claras.”
E, referindo-se agora, diretamente, ao grupo campineiro:
“Trata-se de um grupo de
jovens universitários, alguns deles brilhantes e promissores. Vi que estavam em
caminho errado e quis ajudá-los a se corrigirem. Não é esse o nosso dever?
Poupei-os o mais que me foi possível. Concitei-os a estudar melhor a doutrina,
a se furtarem às influenciações de certos elementos adultos que os orientam.
Durante uns dois anos ou mais me pediram colaboração para A Fagulha e eu sempre
os neguei. Eles passaram a reproduzir trechos de meus escritos já publicados em
livros, jornais e revistas, extraindo o que lhes convinha e sonegando outros.
Conversei com eles várias vezes, de maneira franca, até mesmo em assembleias
espíritas. Tive debates ardorosos com eles. Mas nada adiantou. Acabaram fazendo
essa ursada do “Espiritismo Dialético”. Então só me restava o que fiz:
desmascará-los através de um artigo incisivo e objetivo. É pena, mas não havia
outro recurso.”
Deolindo Amorim emocionara-se com o artigo de Herculano Pires, e a certa
altura de sua carta de 30 de outubro, exclama:
“Agora, porém, abro a
Revista Internacional de Espiritismo e vejo seu formidável artigo (não há outro
adjetivo!) sobre seu desencontro com A Fagulha e não resisti à vontade de lhe
escrever imediatamente, embora você ainda me deva resposta a outra carta, no
mesmo sentido. Muito bem, Herculano! Aquele artigo é uma definição objetiva,
lúcida, inequívoca. Eu bem gostaria que fosse divulgado em separata ou fosse reproduzido
em diversos jornais, a fim de que certas inteligências vesgas, inimigas da
cultura e da independência intelectual, fiquem sabendo como você pensa e como
se situa perante os grupos que querem levar o Espiritismo para os
despenhadeiros do marxismo”, etc.
No vibrante artigo Herculano Pires, inicialmente, define sua posição:
“Minha posição é uma só: o
Espiritismo é uma doutrina dialética por natureza, mas na linha
cristã-evangélica e na linha hegeliana espiritualista. Não na linha marxista,
que critiquei e critico, por considerá-la até mesmo antidialética.”
E, a seguir o apóstolo de Kardec separa o joio do trigo:
“Minha opinião é a de que o
Espiritismo representa a síntese de todo o conhecimento existente. Dessa
maneira, o que há de bom no Marxismo, o que provém do próprio Cristianismo,
também está no Espiritismo, mas de maneira mais ampla, numa visão
interexistencial do homem e do mundo, que falta inteiramente na visão
materialista marxista.”
E Herculano Pires insiste com sua costumeira lucidez:
“Não será com os moldes do
figurino marxista que conseguiremos dar ao Espiritismo a eficiência necessária
na transformação do mundo. Essa transformação, por sua vez, não poderá ser
feita, segundo penso, nos moldes de nenhuma das doutrinas sociais atualmente consideradas
na Terra como decisivas. A prova aí está, no próprio choque apocalíptico que
nos ameaça. Só a Doutrina Espírita aprofunda as causas espirituais das
injustiças e monstruosidades da nossa estrutura social, e que por sinal estão
presentes não apenas no mundo capitalista mas também no chamado mundo
socialista.”
E Herculano Pires finaliza com estas palavras plenas de bom-senso:
“...não precisamos de
nenhuma complementação marxista para o Espiritismo. Pelo contrário, o
Espiritismo é que tem muito a dar a todas as Filosofias contemporâneas e a
todas as Ciências, complementando-as com a sua visão integral do homem e da
vida.”
Esse artigo teve repercussão, inclusive, fora do Brasil. Ofélia León
Bravo, notável intelectual cubana que viveu foragida em Nova Jersey, nos
Estados Unidos por questões políticas (ela fundou e presidiu em Cuba a
Associação de Médiuns Espiritistas, foi presidente da Federação Espírita de
Havana e fez parte da Comissão Organizadora do 3o Congresso Espírita
Panamericano realizado em 1957 na capital cubana), desencarnada em 24 de
janeiro de 1990, enviou a Herculano Pires longa carta, da qual extraímos o
seguinte trecho histórico:
En
Cuba fuimos durante muchos años activos militantes del Espiritismo, hasta dos
años después de la llegada del Castro-comunismo, en que lenta, pero
ininterrumpidamente, fueram desapareciendo instituciones y publicaciones. Hasta
el busto em bronce erigido a la memoria de Allan Kardec por la Comision
Organizadora de los Actos Pro Centenário de “El Libro de Los Espiritus”y que se
encontraba emplazado en el parque comprendido em las calles Almendares,
Lugareño y Luaces em la Habana – busto que fue develado, el domingo 21 de Abril
de 1957, el que fuera retirado por las autoridades militares que gobiernan la
isla, entre los meses de marzo-abril de 1971.
Seria
atrevido por nuestra parte decirle que pensamos com Ud cuando dice: “Mas
entiendo y reafirmo, después de largos años de observación y de estudios, que
no precisasmos de ninguna complementación marxista para el Espiritismo. Por el
contrario, el Espiritismo es el que tiene mucho que dar a todas las filosofias
contemporaneas y a todas las Ciencias, complementándolas com su visión integral
del hombre y de la vida.”
E o refinado poeta e filósofo argentino Humberto Mariotti, que tinha
grande afinidade intelectual com Herculano Pires, remeteu-lhe estas linhas:
“La
juventude es bella, revolucionaria, pero cuando llega a ciertos extremismos
acerca de los valores eternos del Espiritu, borra con el codo todo lo que
afirmativamente realiza y da argumentos a los conservadores que temem el
progreso incesante de la humanidad y del conocimiento. Tenga fe, Herculano, en
lo Alto. El Espiritu de Verdad apoya su obra y le dará la inspiración necesaria
para que su obra marque en la cultura espírita mundial um hito que nadie podrá
desarraigar.”
Herculano Pires, então, deu o episódio por encerrado.
Dois anos depois desaparecia o Movimento Universitário Espírita.
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