quinta-feira, 17 de fevereiro de 2022

Meu Desencontro com a “A Fagulha” - por J. Herculano Pires

 

 

Meu Desencontro com a “A Fagulha”


J. Herculano Pires

Texto publicado no jornal Unificação, novembro/1971, p.2

        O Lançamento em separata, pela “A Fagulha”, do meu prefácio ao livro de Humberto Mariotti, “Dialética e Metapsíquica”, põe finalmente às claras as minhas divergências com o Movimento Universitário Espírita de Campinas. Muitos confrades me interpretaram mal quando me opus à tese do MUEC apresentada ao III Congresso Educacional Espírita Paulista. Alguns chegaram mesmo a considerar-me ranzinza e intolerante. Mas não era possível esclarecer a questão diante de um plenário que não chegava a compreender minha colocação inicial do problema. Posteriormente, os fatos se incumbiram de ir demonstrando a razão de minha repulsa àquela tese, que só concordei em ser aprovada como subsídio para estudo e nunca, jamais, como tese.
        Desde 1946, com a minha tese “O Reino”, essa, sim, aprovada pelo Congresso Espírita da Alta Paulista, realizado naquele ano em Marília, venho procurando contribuir para o esclarecimento do problema social à luz do Espiritismo. E já naquela tese, como no seu posterior desenvolvimento em forma de ficção literária – forma que me pareceu mais adequada à divulgação popular do assunto – minha posição é uma só: o Espiritismo é uma doutrina dialética por natureza, mas na linha cristã-evangélica e na linha hegeliana espiritualista. Não na linha marxista, que critiquei e critico, por considerá-la até mesmo antidialética.
        No meu prefácio ao livro de Mariotti essa posição está colocada de maneira tão clara que a própria Equipe de “A Fagulha” sentiu-se na necessidade de assinalar, no final do folheto, os “choques de opinião entre as ideias alinhadas no prefácio de Luís Magalhães Cavalcanti e as contidas no texto de J. Herculano Pires”. E a nota conclui com plena adesão ao pensamento do ilustre professor baiano, o que vale rejeitar ao meu pensamento. Nessas condições, não chego mesmo a entender a razão por que os jovens de “A Fagulha” tiveram tanto interesse em divulgar meu trabalho. O justo e o lógico seria divulgarem o que aprovam, e com o qual concordam, segundo afirmam com ênfase: “em gênero, número e grau”.
        Mas quais são essas divergências? Basicamente, são as seguintes: o ilustrado professor baiano e os jovens campineiros lutam por um Espiritismo complementado pela Dialética Marxista. Eu me bato pela compreensão da Dialética Espírita e pela sua aplicação social em bases espíritas. De outro lado, minha crítica à popularização religiosa do Espiritismo, que o ameaça de deformação igrejeira, reclama maior vigilância dos espíritas na prática doutrinária e maior atenção para o estudo dos postulados fundamentais de nossa doutrina. Foi o que o próprio Prof. Cavalcanti percebeu e assinalou, reproduzindo em seu prefácio meu trecho: “... se não houver, neste momento, a ação de alavanca da Filosofia Espírita, salvando o Espiritismo da ingenuidade popular e transformando-o, não mais em simples crença, mas em conhecimento, o processo natural desse entrosamento pode ser desvirtuado pelo trabalho de sapa das forças contrárias.”
        E é disso, precisamente, que a publicação pela “A Fagulha”, do meu prefácio, dá excelente exemplo. As forças contrárias do Marxismo, no que ele tem de “práxis”, de ação social contrária ao pensamento espírita, realizam ali o trabalho de sapa que poderá desvirtuar a ação espírita, que é uma “práxis” diferente e oposta à marxista. O que está faltando aos jovens de “A Fagulha” é mais estudo da Doutrina Espírita, exatamente o estudo que dará conhecimento doutrinário a que me refiro nesse trecho. O Prof. Cavalcanti e os jovens de Campinas entendem que: “Espiritismo e Marxismo emergem como saber abarcante do cultural existente”. Minha opinião é a de que o Espiritismo representa a síntese de todo o conhecimento existente. Dessa maneira, o que há de bom no Marxismo, e que provém do próprio Cristianismo, está também no Espiritismo, mas de maneira mais ampla, numa visão interexistencial do homem e do mundo, que falta inteiramente na visão materialista-marxista.
        Se os jovens de Campinas me tivessem consultado a respeito da publicação conjunta do trabalho do Prof. Cavalcanti e do meu, o que seria indispensável, eu não lhes concederia licença para essa divulgação do meu texto, já sobejamente divulgado em seu devido lugar, que é o livro de Mariotti.
Essa divulgação conjunta de textos opostos, em assunto bastante melindroso e que exige conhecimento especializado, pode levar a maioria dos leitores a entenderem que minha posição e a do MEU de Campinas é a mesma. E isso não é verdade.
        Tanto o Prof. Cavalcanti como os jovens de Campinas fazem largo uso de expressões agressivas ao movimento espírita. Não há dúvida que há muito a se corrigir em nosso movimento, mas a atitude que devemos tomar, segundo me parece, terá de ser espírita e não marxista. Não será com os moldes de figurino marxista que conseguiremos dar ao Espiritismo a eficiência necessária na transformação, por sua vez, não poderá ser feita, segundo penso, nos moldes de nenhuma das doutrinas sociais atualmente consideradas na Terra como decisivas. A prova aí está, no próprio choque apocalíptico que nos ameaça. Só a Doutrina Espírita aprofunda as causas espirituais das injustiças e monstruosidades da nossa estrutura social, e que por sinal estão presentes não apenas no mundo capitalista, mas também no chamado mundo socialista.
        O Prof. Cavalcanti se mostra, no final de seu trabalho, muito apreensivo com a nova geração. Posso assegurar-lhe que os meus compromissos são exclusivamente com a Doutrina Espírita e com o futuro de nosso planeta. Pouco me interessam os julgamentos históricos, pois nem mesmo me considero tão importante que possa sofrer algum julgamento dessa natureza. O que me importa é a verdade espírita. Se eu conseguir ajudar nosso movimento a alcançá-la por pequena que seja minha ajuda, estarei satisfeito. Mas entendo e reafirmo, depois de longos estudos, que não precisamos de nenhuma complementação marxista para o Espiritismo. Pelo contrário, o Espiritismo é que tem muito a dar a todas as Filosofias contemporâneas e a todas as Ciências, complementando-as com sua visão integral do homem e da vida.
        Quando os jovens de “A Fagulha” compreenderem na sua exata extensão e profundidade a significação do Espiritismo no mundo, nesta hora de transição, e consequentemente puserem o Marxismo e seus modismos, sua “práxis” e suas técnicas mundanas no devido lugar, então poderemos acertar nossos pontos de vista. Enquanto eles dizem, por exemplo, que “O Espiritismo será dialético ou não subsistirá”, eu continuo afirmando que o Espiritismo é dialético de nascença, em essência, por sua própria natureza, e não necessita de pedir emprestado nenhum conceito dialético a ninguém.




2 comentários:

  1. Grata por encontrar e compartilhar, tanto o texto quanto sua fonte, Marco! Já baixei e salvei o PDF para meu arquivo pessoal. Abraço.

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    1. Valeu, Rita! Grato pela correção em outra mensagem do texto! Abs

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