segunda-feira, 3 de janeiro de 2022

O significado da campanha “Comece pelo começo”


 O significado da campanha “Comece pelo começo”

 

Marco Milani

 Texto publicado da revista Dirigente Espírita. Ed. 187, pp. 8 a 10

 

             Em julho de 1971, Francisco Cândido Xavier protagonizou um dos momentos mais marcantes da televisão brasileira, ao apresentar e divulgar o Espiritismo para milhões de pessoas durante sua participação no programa Pinga-fogo, da TV Tupi. Desde então, a procura por obras espíritas, especificamente de autoria do médium mineiro, obteve um crescimento significativo. Diante desse fenômeno, Mehry Seba, publicitário e ativo trabalhador da União das Sociedades Espíritas do Estado de São Paulo (USE), idealizou e propôs uma campanha voltada ao público em geral que tivesse o interesse de conhecer a Doutrina Espírita, valorizando as obras fundamentais de Allan Kardec.

            Em 1972, foi aprovada e lançada pela USE a campanha Comece pelo começo, com o claro intuito de orientar os ávidos leitores que buscavam conhecer, com segurança e solidez, a natureza, origem e destino dos Espíritos, bem como de suas relações com o mundo corporal.

As obras de Allan Kardec, estruturando o corpo teórico-doutrinário do Espiritismo, são aquelas que atuam como a “pedra de toque”, nas palavras do saudoso Herculano Pires, para identificar e caracterizar o que seja Espiritismo. Nesse sentido, qualquer pessoa que deseje efetivamente trilhar o caminho do conhecimento espírita deve, necessariamente, ser apresentado à Kardec em sua integralidade.

Certamente, a leitura de romances e outras obras consideradas de fonte secundária, isto é, que não sejam de Allan Kardec e que tratem da temática espírita, produzidas mediunicamente ou não, são úteis para atrair a atenção sobre a realidade espiritual, incentivar o aprimoramento moral e combater a chaga do materialismo. Não é raro alguém atestar que se aproximou do Espiritismo devido à leitura de uma ou mais dessas obras, logo não há dúvida sobre sua utilidade.

Qual seria a principal diferença das obras de Kardec para as demais que também abordam as questões espirituais? O método de produção do conhecimento que legitimamente se pode considerar espírita.

Allan Kardec serviu-se de um critério metodológico designado como Controle Universal do Ensino dos Espíritos, que priorizava a investigação baseada em fatos, em proposições lógicas e na convergência de ideias recebidas de diferentes fontes e origens mediúnicas sobre determinado assunto. Sendo um cientista, Kardec prezava pela busca da autenticidade e veracidade das informações recebidas, adotando como parâmetro de aceitação do respectivo conteúdo o afastamento de diversas hipóteses sobre o próprio fenômeno mediúnico e de simples opiniões dos Espíritos comunicantes.

Uma vez organizado o ensino dos Espíritos, evidencia-se a consistência interna de todo o conteúdo apresentado em O Livro dos Espíritos, O Livro dos Médiuns, O Evangelho Segundo o Espiritismo, O Céu e o Inferno e A Gênese. As demais obras de Kardec, como O que é o Espiritismo e a coleção da Revista Espírita, dentre outras, representam o manancial de informações que todo adepto comprometido com o aprofundamento doutrinário deveria estudar incessantemente.

Livros secundários, por mais edificantes que possam parecer, serão considerados espíritas se estiverem em plena concordância com o ensino dos Espíritos apresentados por Kardec e que passaram pelo crivo da razão e pelo critério da universalidade. Para se fazer essa análise comparativa, obrigatoriamente, deve-se “começar pelo começo”, ou seja, ler e compreender as obras de Allan Kardec.

Uma interpretação equivocada que se pode ter em uma leitura menos crítica do título dessa campanha é a de que existiriam obras que complementariam ou até superariam o ensino dos Espíritos validados pela universalidade. Alguns poderiam supor que Kardec seria um autor introdutório a “novos ensinamentos” ou a “atualizações” informadas por esse ou aquele “Espírito”. Ledo engano.

De fato, não somente Kardec, mas os próprios Espíritos, nunca tiveram a pretensão de esgotar ou fechar questão sobre os assuntos tratados. Entretanto, para o desenvolvimento das ideias, reformulações e aceitação de novas informações, imperiosamente os fatos devem ser validados e legitimados não somente por um pequeno grupo, mas pela comunidade espírita e com suporte científico. Opiniões presentes na literatura secundária e, de maneira mais grave, revelações individuais sem qualquer amparo lógico e geralmente sustentado por argumentos de autoridade (do médium ou de suposto autor espiritual) não constituem avanço real no corpo teórico-doutrinário do Espiritismo.

Assim, por mais agradável e nobre que seja qualquer leitura espiritualista que contribua para a melhoria moral e intelectual do indivíduo, não se pode, afoitamente, classificá-la como espírita. Podemos e devemos ler o que quisermos sem qualquer restrição ao conhecimento e ao saber, mas com ponderação, bom senso, honestidade intelectual e disciplina.

Kardec não foi superado e cabe a qualquer adepto consciente da relevância da fé raciocinada refletir sobre os critérios de análise e aceitação das informações que recebe. A campanha Comece pelo começo, que em 2022 completa seu cinquentenário é, em suma, respeitar e valorizar o atualíssimo ensino dos Espíritos apresentado por Allan Kardec.

 

Fonte: https://usesp.org.br/wp-content/uploads/2022/01/DE187-C.pdf

 

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