A prudência perante questões controversas
Ao
discorrer sobre o porquê do Espiritismo não
se posicionar abertamente sobre questões controversas, que podem parecer claras
e resolvidas para uns, mas não para todos, Allan Kardec destaca a relevância da
prudência.
Assim ocorreu com
relação à teoria da geração espontânea, a qual se propunha a explicar a
formação de determinados seres vivos nos reinos vegetal e animal. Apresentada
na obra A Gênese como uma hipótese corroborada por alguns pesquisadores,
enfatizou-se ser prematuro o seu apoio incondicional. Ao contrário, Kardec finaliza
a abordagem desse tema recomendando legar ao tempo o aprofundamento científico
adequado, caso algum dia ele possa ser devidamente investigado.1 Essa
teoria não foi, portanto, um ensinamento doutrinário.
O
tempo demonstrou, de fato, que tal teoria era falsa. Graças aos trabalhos de
diversos pesquisadores, dentre eles Louis Pasteur, os fatos observados
seguindo-se métodos científicos com instrumentos mais modernos, ajudaram a
aclarar diversos fenômenos. Essas revelações se deram pelo avanço da ciência e
não por revelações mediúnicas.
O
respeito que Kardec possuía com o Espiritismo fez com que ele, mesmo tendo um
olhar favorável à teoria, não misturasse sua opinião pessoal com o ensino
doutrinário. Assim ele se manifestou:
“Não sendo a doutrina baseada em probabilidades, não podíamos
resolver uma questão de tal importância, apenas surgida, e que ainda está em
litígio entre os especialistas. Afirmando a coisa sem restrição, teria sido
comprometer a doutrina prematuramente, o que não fazemos nunca, mesmo para
fazer prevalecerem as nossas simpatias.” 2
Kardec
enfatiza que o Espiritismo não estabeleceu nenhum princípio absoluto sobre uma
opinião particular, seja de encarnado ou desencarnado, mas “somente depois
que esse princípio recebeu a consagração da experiência e de uma demonstração
rigorosa, resolvendo todas as dificuldades da questão”. 2
A
mesma sensatez e prudência deveríamos aplicar, individualmente, quando
expressamos algo sobre assuntos abertos, sem direcionamento fundamentado em
fatos e na razão, apenas em hipóteses ou argumentação opinativa.
Temas
que claramente dependem de uma ampliação do conhecimento sobre a realidade
espiritual e sobre o processo evolutivo do ser, ainda que delineados nas obras
fundamentais do Espiritismo, não podem ser afoitamente concluídos por
suposições ou hipóteses.
Um
claro exemplo de questões com essas características é a evolução das espécies
orgânicas e do princípio inteligente. De maneira infundada, alguns adeptos
supõem que todas as possibilidades de combinações materiais para a formação de
corpos que o princípio inteligente se servirá para a continuidade de seu
desenvolvimento espiritual estão representadas e restritas ao planeta Terra e
desconsideram os infinitos planetas e ambientes no universo que esses corpos
podem se formar. Em outras palavras, tentam atrelar a cadeia evolutiva do
princípio inteligente, desde a sua criação até o momento que desperta para a
razão e adentra na humanidade, a este minúsculo orbe e suas espécies do passado
e do presente.
A
solidariedade entre todos os seres no universo faz com que se considere o
processo evolutivo em todos os inúmeros planetas, não somente em um. Inútil
tentar localizar na Terra um “elo perdido” que ligaria o animal mais
desenvolvido com o homem mais primitivo sob a perspectiva espiritual, uma vez
que os animais também estão presentes em mundos superiores e em estágios mais
aperfeiçoados.3
A
afirmação de que não existem animais na erraticidade não é uma opinião, mas o
produto de um ensino coletivo que foi registrado em diferentes passagens4,
5 e 6. As minúcias das etapas progressivas do princípio inteligente em
outros e neste orbe, entretanto, fogem da compreensão atual e, nesse sentido, é
imprudente tentar se fechar questão com os parcos conhecimentos atuais ou, de
maneira mais ilógica, contestar a afirmação presente nas obras fundamentais sem
qualquer evidência, a não ser opiniões.
As
precipitações teóricas decorrem, muitas vezes, do desejo do desbravamento sem
método, em que novidades e supostas revelações mediúnicas são abraçadas
afoitamente, sem o zelo da atenção e análise crítica. A história aponta que o
tempo de maturação das ideias pode levar anos, séculos ou milênios, dependendo
da capacidade de compreensão do homem.
Há pelo menos dois mil
anos que a referência sobre o que seja amar o próximo foi apresentada, mas
ainda engatinha-se nessa vivência. O progresso pode ser imperceptível para uma
geração, mas é paulatino e constante sob a perspectiva espiritual.
Como frisou o Espírito
da Verdade, o amor e a instrução devem ser os mandamentos a serem seguidos7.
Nem um, nem outro, isoladamente. Ambos devem ser entendidos e praticados.
O conhecimento da
natureza, origem e destino dos Espíritos, bem como de suas relações com o mundo
corporal deve ser conquistado conforme a capacidade e esforço do homem.
Hipóteses
são bem-vindas, pois ajudam a exercitar a inteligência, mas a fé raciocinada
exige, antes de tudo, prudência na aceitação e no estabelecimento de verdades.
Referências
1. Kardec, Allan. A Gênese. Capítulo
X, itens 20 a 23.
2. Kardec, Allan. Revista Espírita.
Jul/1868. A geração espontânea e A Gênese.
3. Kardec, Allan. O Livro dos
Espíritos, questões 603 e 604.
4. Kardec, Allan. O Livro dos
Espíritos, questão 600.
5. Kardec, Allan. O Livro dos Médiuns.
Capítulo XXV, item 283.
6. Kardec, Allan. Revista Espírita. Mai/1865. Questões e problemas. Manifestação do
espírito dos animais.
7. Kardec, Allan. O Evangelho Segundo
o Espiritismo. Capítulo VI, item 5.
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