domingo, 4 de fevereiro de 2024

Fé e desafio metodológico


Fé e desafio metodológico

 

Marco Milani

 

Texto publicado na Revista Digital Candeia Espírita, nº 29, fev/24, p. 6-7

 

A autoridade da Doutrina Espírita é sustentada pelo método utilizado para a validação de informações decorrentes do intercâmbio mediúnico, o qual Allan Kardec denominou de Controle Universal do Ensino dos Espíritos (CUEE). Nesse sentido, crê-se em algo porque há elementos lógicos para se legitimar o conteúdo de comunicações cujo teor é o mesmo recebido por diferentes fontes. Tal postura é caracterizada pela fé raciocinada, a qual é considerada um dos pilares do Espiritismo.

Por outro lado, a fé cega refere-se à aceitação inquestionável e sem evidências racionais ou lógicas de determinadas crenças ou dogmas. É caracterizada pela confiança absoluta em algo, muitas vezes de natureza espiritual, sem a necessidade de evidências concretas, experiências pessoais ou raciocínio crítico. É típica de religiões tradicionais.

No Movimento Espírita, o qual reúne adeptos com diferentes níveis de compreensão doutrinária, não é incomum ouvir alguém atestando desconhecer todas as obras de Kardec e usa como referência os livros romanceados e supostamente mediúnicos que teve a oportunidade de conhecer.

 Um dos principais motivos que fomentam interpretações diferenciadas sobre o corpo teórico espírita (que é único) é, justamente, o afastamento da aplicação de um método lógico para a aceitação de informações sobre a realidade espiritual e a aproximação, por parte dos adeptos, da fé cega.

Ao não estudar adequadamente as obras de Kardec e, essencialmente, o método para a validação de informações mediúnicas, o adepto corre o risco de reproduzir comportamentos sincréticos em um ambiente culturalmente marcado pela influência de organizações religiosas que estruturaram-se sobre a crença acrítica com características místicas.

Em decorrência da fé cega, argumentos falaciosos são usados no discurso de alguns adeptos que expressam incoerências doutrinárias.

Um desses argumentos é o de “autoridade”, quando supõe-se que algo seja verdadeiro simplesmente porque foi dito por determinado médium, Espírito desencarnado, palestrante, dirigente etc. A fé raciocinada direciona a análise da validade do argumento, independentemente de quem seja o responsável pelo conteúdo.

Informações de fonte única devem tratadas, no máximo, como hipótese se não houver elementos objetivos para a devida comprovação.

Muitas afirmações presentes na literatura mediúnica podem ser curiosas e interessantes, mas devem ser avaliadas conforme as referências doutrinárias que foram validadas pelo CUEE.

A promoção do pensamento crítico é essencial para um entendimento mais profundo e coerente da realidade, voltando-se para uma análise mais completa das informações disponíveis e uma tomada de decisão mais consciente.

Atualmente, o CUEE não é de simples aplicação, uma vez que as condições de organização e análise das comunicações mediúnicas produzidas por diferentes fontes que não se influenciem mutuamente não ocorrem de maneira centralizada, tal qual Kardec desenvolvia. Assim, um desafio doutrinário significativo é descobrir um método que possa validar as informações mediúnicas de diferentes fontes capazes de fazer com que o conhecimento espírita amplie-se sobre bases sólidas e não sobre argumentos de autoridade.

 

7 comentários:

  1. Excelente , você destacou de forma clara e profunda a importância da fé raciocinada e a diferença da fé cega no Movimento Espírita, ressaltando a necessidade do método lógico na validação das informações mediúnicas e promovendo o pensamento crítico na interpretação da doutrina espírita. Sua abordagem demonstra um genuíno interesse em estimular uma compreensão mais profunda e coerente da realidade espiritual. Parabéns pela reflexão cuidadosa e pela discussão deste tema relevante!

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  2. Realmente, Marco, por tudo isso que aponta no texto, temos desafios gigantescos!

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    1. Olá, Marquinhos. Grato pelo comentário. Um desses grandes desafios é, justamente, acabar com a contradição generalizada de muitos que dizem adotar a fé raciocinada, mas na prática, comportam-se como idólatras de médiuns e Espíritos, disseminando a fé cega.

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  3. De todos os estudiosos tenho admiração por vosso estudo concreto e coerente.Tenho como base sempre o compilado da Revista Espírita e o pentateuco Espírita. As discussões sucessivas são importantes,somos todos eternos aprendizes.O mérito está em praticar os ensinamentos fundamentados no estudo básico da Doutrina Espírita Compreender as obras de Kardec buscando nos Evangelhos a primazia da prática do Bem. É o que ensina a Doutrina Espírita. Quando trabalharmos a fé educando as mentes para os valores morais e espirituais avançaremos a renovação tão almejada. Paz,amor e caridade!

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  4. Uma reflexão segura e direcionadora quanto à necessidade de se aplicar metodologias cientificas conforme aconselhado por Kardec. Fé racional e senso crítico é vacina segura contra fanatismos e outras viciações intelectivas entre nós irmãos em Cristo. Amor e verdade sempre.

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