quarta-feira, 28 de fevereiro de 2024

Fé raciocinada e análise de comunicações

 

Fé raciocinada e análise de comunicações

 

Marco Milani

 

Texto publicado na Revista Dirigente Espírita, ed. 199, jan/fev 2024, p. 27

 

          A palavra "razão" pode ter diferentes significados dependendo do contexto em que é utilizada. Um deles refere-se à capacidade de pensar, analisar, e chegar a conclusões lógicas. Assim, vincula-se diretamente ao raciocínio de maneira ordenada e coerente, seguindo princípios e regras de inferência.

          Um outro significado de "razão" baseia-se na explicação ou causa por trás de algo. Por exemplo, na frase "qual é a razão para sua decisão?" questiona-se qual é a justificativa ou motivo para a respectiva decisão.

          Essa discussão é pertinente quando se busca compreender o conceito de fé raciocinada sob a perspectiva espírita, considerando seu caráter analítico e causal para se aceitar algo como legítimo e verdadeiro. Por outro lado, a fé cega seria aquela que não é fundamentada na razão, nem em evidências empíricas ou no pensamento crítico.

          Ao afirmar que a fé inabalável é aquela “capaz de encarar de frente a razão, face a face, em todas as épocas da humanidade”[1], Allan Kardec reforça a crença em algo que esteja devidamente fundamentado pelos fatos e pela razão. Não se trataria de uma crença cega, sustentada por argumentos de autoridade e típica de religiões tradicionais, que poderia ser abalada diante de fatos que expusessem sua falsidade.

          Para se aplicar o princípio de crença racional, entretanto, exige-se do adepto uma postura familiarizada com o pensamento crítico e com o distanciamento emocional esperado do objeto analisado para garantir objetividade e imparcialidade. Isso significa que o adepto deve tentar minimizar influências pessoais e emoções que possam afetar a interpretação dos resultados.

          A análise racional de mensagens mediúnicas, por exemplo, deve ser realizada indistintamente e independentemente do nome do suposto Espírito e do médium. Conforme recomendação oferecida a Kardec pelo Espírito São Luis (e que obviamente também se aplicava a ele) é a seguinte:

 

 “Qualquer que seja a confiança legítima que vos inspirem os Espíritos que presidem aos vossos trabalhos, uma recomendação há que nunca será demais repetir e que deveríeis ter presente sempre na vossa lembrança, quando vos entregais aos vossos estudos: é a de pesar e meditar, é a de submeter ao cadinho da razão mais severa todas as comunicações que receberdes...”[2]

 

          Não basta, portanto, que a comunicação tenha sido recebida por um médium de confiança ou assinada por algum Espírito conhecido, pois não há qualquer garantia de legitimação ou validação do conteúdo por meio de argumento de autoridade. Essa recomendação era válida para a época de Kardec e continua a ser hoje, uma vez que as relações entre encarnados e desencarnados são perenes.

          Uma demonstração sobre o problema de se supor que médiuns de confiança não permitiriam a manifestação de Espíritos de origem duvidosa ou que produzissem conteúdo falso encontra-se em O livro dos médiuns, capítulo XXXI – Comunicações apócrifas. Os mesmos médiuns habituados a receber mensagens de Espíritos de alta envergadura moral, receberam comunicações que Kardec questionou a autenticidade e legitimidade das mesmas.

          Por mais que se tenha afeição a determinados médiuns e Espíritos, a análise crítica do conteúdo de todas as comunicações deve prevalecer em nome da fé raciocinada.

 

 

 

 



[1] Ver O evangelho segundo o Espiritismo, capítulo XIX, item 7.

[2] Ver O livro dos médiuns, capítulo XXIV, item 266.

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