terça-feira, 1 de abril de 2025

O desafio do esclarecimento espírita: o caso do ramatisismo


 

O desafio do esclarecimento espírita: o caso do ramatisismo

 

Marco Milani

 

Texto publicado na Revista Candeia Espírita, nº 43, abr/2025, p. 9-10

 

Alguns assuntos discutidos há décadas com claras exposições de seus aspectos antidoutrinários podem parecer que já foram superados e constariam, apenas, de registros históricos do Movimento Espírita Brasileiro. Lamentavelmente, mesmo diante das evidentes crendices e superstições que carregam em sua essência, continuam atraindo incautos e místicos de toda ordem sob uma roupagem espírita. Tal é o caso do ramatisismo, caracterizado por um conjunto de ideias e práticas derivadas das obras atribuídas ao Espírito Ramatis, psicografadas principalmente por Hercílio Maes.

O ramatisismo incorpora ensinamentos do hinduísmo, do budismo tibetano, da teosofia e de correntes ocultistas ocidentais, criando um sistema híbrido que difere dos princípios filosóficos espíritas, além de não contar com qualquer critério metodológico de validação de suas informações.

Em suas obras, Ramatis relaciona o destino espiritual da humanidade a influências astrológicas e cósmicas, defendendo que planetas e signos desempenham papéis decisivos no processo evolutivo dos Espíritos, algo completamente rejeitado pelo Espiritismo, que valoriza o livre-arbítrio e o progresso individual baseado no mérito e na responsabilidade moral. Adicionalmente, o suposto Espírito insiste em previsões sobre transições planetárias envolvendo catástrofes geológicas, reestruturação de continentes e a participação de civilizações extraterrestres no "resgate" espiritual da Terra.

Para o filósofo e jornalista José Herculano Pires, um dos maiores estudiosos sobre o Espiritismo no Brasil, o ramatisismo compromete o rigor que Kardec estabeleceu como salvaguarda contra os riscos do charlatanismo e do fanatismo. Uma das críticas de Herculano Pires à ingênua aceitação de mistificações por parcela dos adeptos pode ser encontrada, a seguir.

 

“A facilidade com que a maioria das pessoas aceita livros de evidente mistificação, como os Evangelhos de Roustaing, as obras de Ramatis, e tantas outras, eivadas de contradições e de passagens ridículas, destinadas especialmente a ridicularizar a Doutrina, provém dos milênios de sujeição das massas à mistificação clerical.”[1]

 

A crítica de Herculano, feita na década de 1970, expressava o problema gerado pela ampla divulgação no mercado editorial dos livros de Ramatis a partir de 1950, o que levou a um aumento da visibilidade e da aceitação popular do conteúdo ramatisiano. Isso coincidiu com uma fase de crescimento do movimento espírita no Brasil, em que muitos centros estavam sendo fundados e buscavam nomes de "Espíritos benfeitores". Por isso existem, ainda hoje, instituições que participam do movimento espírita envergando o nome Ramatis e divulgando suas obras, mesmo diante das contradições doutrinárias.

              Essa situação, assim como a disseminação de outras propostas e práticas místicas e incoerentes doutrinariamente, afeta a percepção de identidade do Espiritismo para o público em geral e para parte significativa de seus adeptos. Grupos que estudam apenas superficialmente o Espiritismo tendem a confundir qualquer obra espiritualista com literatura espírita legítima.

Um caminho para sanar esse problema começa pela formação sólida de dirigentes, trabalhadores e frequentadores. Faz-se necessário incentivar cursos e estudos sistemáticos de todas as obras de Allan Kardec, com ênfase nas chamadas básicas ou fundamentais (O Livro dos Espíritos, O Livro dos Médiuns, O Evangelho Segundo o Espiritismo, O Céu e o Inferno e A Gênese), sempre valorizando a metodologia racional e científica.

Na contramão, deparamo-nos com instituições que priorizam o estudo de romances e outras obras de fonte única que não passaram pelo critério da universalidade como se fossem “avanços” no conhecimento espírita.

A melhor maneira de abordar essa grave questão não é a crítica agressiva, mas o esclarecimento fraterno, apresentando as diferenças doutrinárias de maneira clara e documentada, com base em Kardec e na lógica espírita.

A liberdade de pensamento é um valor do Espiritismo, mas não deve ser confundida com a aceitação irrestrita de qualquer conteúdo espiritualista.



[1] Pires, J. H. (1973). O centro espírita (3ª ed., p. 24). São Paulo: Edicel.

PS: Há diferentes obras no mercado editorial que apontam as inconsistências doutrinárias do ramatisismo. Dentre elas, estão: "Ramatis: sábio ou pseudossábio" e " Espiritismo x Ramatisismo", ambas de autoria de Artur Azevedo.






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