quinta-feira, 21 de agosto de 2025

Espiritismo, Juventude e Educação


Espiritismo, Juventude e Educação

 

Marco Milani

 

O movimento espírita brasileiro enfrenta um desafio que merece reflexão aprofundada: enquanto proclama a universalidade de seus princípios e a importância da educação moral para todas as idades, observa-se, na prática, um predomínio da população adulta, especialmente adultos maduros e idosos, nas atividades doutrinárias e estudos sistematizados. A presença infantojuvenil tem sido numericamente inferior e, em muitos casos, periférica às dinâmicas dos centros espíritas. Tal realidade se entrelaça com aspectos socioculturais e educacionais que afetam diretamente a capacidade de compreensão e interesse dos jovens pela Doutrina Espírita.

Parte desse cenário pode ser compreendida à luz da formação educacional heterogênea no Brasil, especialmente no que se refere à alfabetização e ao desenvolvimento das habilidades de leitura, escrita e pensamento abstrato.

O país tem adotado, nas últimas décadas, métodos pedagógicos fortemente influenciados por correntes construtivistas e socioconstrutivistas. Tais abordagens, inspiradas em autores como Jean Piaget (1990), Lev Vygotsky (2007), Jerome Bruner (2001) e Paulo Freire (2004), supõem valorizar a autonomia do aluno, a aprendizagem pela experiência e o papel da interação social na construção do conhecimento. Embora esses aportes tenham contribuído ao debate educacional, estudos empíricos apontam falhas graves na aplicação dessas metodologias, sobretudo quando adotadas de forma exclusiva ou desprovida de apoio estrutural. Kirschner, Sweller e Clark (2006) demonstraram que métodos com baixa orientação, como a aprendizagem por descoberta, tendem a ser ineficazes para alunos com pouca bagagem cognitiva, sobrecarregando sua memória de trabalho. Mayer (2004) reforça que a aprendizagem significativa depende, em grande parte, de instrução clara e sistemática, especialmente na alfabetização. No Brasil, a obra de Benedetti (2019) explicita como a adesão acrítica ao socioconstrutivismo contribuiu para um quadro de fracasso na alfabetização e no domínio da linguagem escrita, o que gera consequências nos ciclos posteriores.

Segundo os dados do Instituto Paulo Montenegro (IPM, 2018), cerca de 38% dos alunos de cursos superiores não conseguem interpretar adequadamente textos mais complexas que exigem abstração e domínio pleno de leitura e escrita. A população em faixas educacionais menores apresenta mais dificuldade.

Não por acaso, o país figura entre aqueles com piores desempenhos em testes educacionais internacionais, como o PISA (Programme for International Student Assessment), TIMSS (Trends in International Mathematics and Science Study) e PIRLS (Progress in International Reading Literacy Study). Mesmo em testes nacionais, como o SAEB (Sistema de Avaliação da Educação Básica), aponta-se níveis alarmantes de analfabetismo funcional em todas as etapas escolares, principalmente no ensino médio.

Esse contexto gravíssimo limita não apenas o acesso ao conhecimento educacional, mas também a capacidade de compreender adequadamente conteúdos mais filosóficos, como os presentes nas obras de Allan Kardec, cuja estrutura é logicamente encadeada e exige maturidade para assimilar conceitos como perispírito, justiça divina, reencarnação, livre-arbítrio, expiação e pluralidade dos mundos habitados.

Nesse contexto, o desafio dos centros espíritas é duplo: de um lado, manter a coerência doutrinária, que exige estudo, raciocínio e reflexão; de outro, acolher a juventude com suas limitações educacionais, oferecendo meios acessíveis de aproximação com os princípios espíritas.

As casas espíritas precisam, com urgência, adequar suas práticas à complexa realidade educacional brasileira. Ignorar esses limites, mantendo uma abordagem expositiva e textual rígida, pode afastar justamente os que mais precisam do acolhimento, conforto e compreensão da própria realidade espiritual (MILANI, 2023, p. 4).

Um dos equívocos mais recorrentes nesse cenário é a ideia ilusória de que basta apresentar os jovens aos preceitos cristãos, como a caridade, o perdão, a humildade, sem oferecer-lhes a fundamentação doutrinária espírita que os sustenta e racionaliza. Ainda que esses princípios morais sejam essenciais e estejam presentes em várias tradições religiosas, o Espiritismo lhes confere profundidade e coerência, ao explicá-los à luz da justiça divina, da reencarnação, das leis morais e da imortalidade da alma. Quando se suprime essa fundamentação, corre-se o risco de apresentar apenas uma moral genérica, emocional e desarticulada do pensamento espírita, o que dificulta tanto o entendimento da justiça divina e a necessidade do esforço individual frente às adversidades quanto a aplicação consciente desses valores na vida prática.

É importante reconhecer que a capacidade e compreensão desejada nem sempre é alcançada de forma espontânea por todos os jovens, sobretudo por aqueles vindos de contextos educacionais fragilizados. Por isso, a simples exposição da doutrina, em moldes tradicionais de estudo, pode não ser suficiente para despertar o interesse nem garantir a reflexão necessária.

Diante disso, torna-se imprescindível que os centros espíritas adotem estratégias didáticas e comunicacionais que respeitem a diversidade cognitiva da população infantojuvenil. Isso envolve, por exemplo, o uso de recursos visuais, rodas de conversa mediadas, projetos com linguagem acessível, experiências práticas baseadas na vivência ética e afetuosa, atividades interativas e leitura compartilhada. Ao mesmo tempo, é fundamental manter a estrutura lógica, motivando os jovens, progressivamente, ao domínio doutrinário.

Há, felizmente, valorosas iniciativas já em curso nesse sentido. Entidades federativas como a União das Sociedades Espíritas do Estado de São Paulo (USE-SP) promovem constantes encontros, fóruns e seminários voltados à reflexão sobre o acolhimento e educação dos jovens nos centros espíritas. Essas ações revelam esforço institucional legítimo e comprometido com a formação das novas gerações. No entanto, o tema exige maior envolvimento de todos, dirigentes, educadores, famílias e frequentadores, para que as boas práticas se ampliem, sejam compartilhadas e se convertam em transformação efetiva das realidades locais.

Essa postura exige sensibilidade dos dirigentes espíritas, além de investimento na formação pedagógica das equipes de educação infantojuvenil. A simples replicação de modelos expositivos usados com adultos não atende às necessidades de um público jovem, muitas vezes emocionalmente vulnerável e cognitivamente desigual. A proposta não é diluir o Espiritismo, mas mediá-lo com inteligência, generosidade e criatividade, tornando-o acessível sem comprometer sua profundidade.

Para que o Espiritismo cumpra sua missão de regeneração da humanidade, é preciso olhar com atenção para a juventude, não como “futuro do movimento”, mas como integrante do presente que demanda respostas às suas inquietações. A compreensão doutrinária passa por um esforço constante de traduzir seus princípios para diferentes aptidões intelectuais, em todos os tempos e realidades.

 

Referências

BENEDETTI, Kátia S. A falácia socioconstrutivista: por que os alunos brasileiros deixaram de aprender a ler e escrever. Itatiba: Kírion, 2019.

BRUNER, Jerome. A cultura da educação. Porto Alegre: Artmed, 2001.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 2004.

INSTITUTO PAULO MONTENEGRO (IPM). Ação Educativa - Indicador de Analfabetismo Funcional - INAF 2018. São Paulo: Instituto Paulo Montenegro, 2018.

KIRSCHNER, Paul A.; SWELLER, John; CLARK, Richard E. Why minimal guidance during instruction does not work: An analysis of the failure of constructivist, discovery, problem-based, experiential, and inquiry-based teaching. Educational Psychologist, v. 41, n. 2, p. 75–86, 2006.

MAYER, Richard E. Should There Be a Three-Strikes Rule Against Pure Discovery Learning? American Psychologist, v. 59, n. 1, p. 14–19, 2004.

MILANI, Marco. Analfabetismo doutrinário. Correio News, 4 maio 2020. Disponível em: https://correio.news/especial/analfabetismo-doutrinario. Acesso em: 19 jul. 2025.

PIAGET, Jean. A epistemologia genética. São Paulo: Martins Fontes, 1990.

VYGOTSKY, Lev S. A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores. São Paulo: Martins Fontes, 2007.

Um comentário:

  1. Um texto oportuno para todos os que desempenham função de direção nas Casas Espíritas. Sugestões bem fáceis de serem aplicadas, desde que por pessoas capacitadas para tanto.

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