sexta-feira, 3 de outubro de 2025

A árvore do bem não dá frutos de divisão

 

A árvore do bem não dá frutos de divisão
 
Marco Milani
 

Texto publicado na Revista Candeia Espírita, nº 49, out/2025, p.8-9

Como um fenômeno mais visível graças às redes sociais, verificam-se alguns grupos que paradoxalmente se autodenominam espíritas, mas voltam-se ao ativismo político-partidário e à defesa de pautas materialistas. Ao disseminar o ódio e procurar estigmatizar quem abraça outras preferências eleitorais, seus frutos são inequívocos: divisão, agressividade, linchamentos morais e desprezo pela liberdade de consciência. Certamente, a árvore que produz cólera não pode ser chamada de árvore do bem.

O Espiritismo não nasceu para servir de abrigo a militantes que seguem carcomidas cartilhas revolucionárias que objetivam a conquista do poder hegemônico e a formatação social.

 Quando coletivos organizados se apresentam como “espíritas” desta ou daquela facção ideológica e passam a patrulhar médiuns, dirigentes, colaboradores e palestrantes, tentando chantagear moralmente quem não adere ao seu engajamento, tornam-se agentes na guerra de posição gramsciana[i]. Kardec alertou para os detratores que semeariam a discórdia entre os adeptos; hoje os vemos tentando subverter o conceito de caridade por justiça social para impor narrativas próprias.

Embora seja legítimo que cada cidadão faça suas escolhas partidárias em uma sociedade plural, ao transformar grupos e redes espíritas em extensões de comitês políticos, demonizando irmãos de crença, reduzindo pessoas a rótulos e excomungando-as por divergências, os responsáveis por isso atestam enfermidade moral. Tais posturas, de cunho totalitário, envenenam ambientes, confundem novos adeptos e corroem as atividades pela desconfiança. É possível, sim, engajar-se socialmente com base nos valores espíritas, desde que a doutrina não seja subordinada a ideologias transitórias nem o respeito seja rompido. A verdadeira transformação, consequência de ações equilibradas e norteada pelo autoconhecimento e pela liberdade de consciência, não se confunde com a guerra política, que gera divisão e ódio, frutos amargos de sangrentas propostas revolucionárias.

O discurso desses grupos costuma revestir-se de conceitos como “direitos”, “justiça” ou “moralidade pública”, como se o bem exigisse unanimidade partidária e como se a caridade dependesse de fidelidade a um projeto de poder. Mas direitos que vêm com insultos, justiça que pede hostilidade, e moralidade que exclui quem pensa diferente não nascem do homem de bem.

Não será a menção esporádica de termos e frases adaptadas das obras espíritas que converterá agressão em virtude.

Há quem tente inverter o problema, acusando de “omissos” aqueles que recusam o palanque ou ativismo dentro das casas espíritas. Não. O Espiritismo é profundamente comprometido com a transformação moral e social, mas o seu método é outro: esclarecimento, exemplo, caridade, diálogo, respeito às liberdades individuais.

O centro espírita não é arena de combate partidário. E quem insiste nisso precisa ouvir um “não” claro, firme e sereno. Firmeza não é grosseria.

Quem quiser fazer militância, que o faça na esfera própria, sem sequestrar a imagem institucional espírita. Quem quiser vivenciar os princípios do Espiritismo, que pratique o amor que suporta diferenças sem capitular na verdade.

O adepto não deve se iludir com a retórica de que se trata apenas de um “diálogo social necessário e atual” quando isso converte irmãos em inimigos, desautoriza lideranças e trabalhadores por preferências políticas e pressiona instituições a se curvarem a programas partidários. Nesse caso, não se trata de “diálogo”, mas de projeto de poder. É um abuso que merece ser desmascarado e contido.

Que cada centro valorize, em seus estatutos, reuniões e comunicações, a liberdade de consciência e, destaque, que o proselitismo partidário vedado. Que dirigentes e expositores deem o exemplo, recusando convites para instrumentalizar a tribuna e corrigindo, com caridade, mas sem hesitação, desvios de percurso. Que trabalhadores e frequentadores aprendam a recusar a incitação à violência para, em sentido oposto, aceitar a convivência fraterna.

O Espiritismo é muito maior que qualquer ideologia política. Ao vivenciá-lo, cultivam-se frutos de paz, mansidão, justiça, coerência e respeito ao livre-arbítrio. Quem tenta usar a Doutrina como bandeira de facção colherá, no tempo, os efeitos nocivos das próprias obras. Cabe-nos vigiar, trabalhar e manter as instituições unidas, preservadas do ódio travestido de virtude.




[i] Para o ideólogo marxista Antonio Gramsci (1891-1937), a tomada do poder hegemônico não se dá apenas pela força, mas principalmente pela conquista gradual da cultura e das instituições da sociedade civil, como escolas, igrejas e meios de comunicação, para difundir uma visão de mundo e tornar seus valores dominantes.


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