Como um fenômeno mais visível graças às redes
sociais, verificam-se alguns grupos que paradoxalmente se autodenominam
espíritas, mas voltam-se ao ativismo político-partidário e à defesa de pautas
materialistas. Ao disseminar o ódio e procurar estigmatizar quem abraça outras
preferências eleitorais, seus frutos são inequívocos: divisão, agressividade,
linchamentos morais e desprezo pela liberdade de consciência. Certamente, a árvore
que produz cólera não pode ser chamada de árvore do bem.
O Espiritismo não nasceu para servir de abrigo a
militantes que seguem carcomidas cartilhas revolucionárias que objetivam a
conquista do poder hegemônico e a formatação social.
Quando
coletivos organizados se apresentam como “espíritas” desta ou daquela facção
ideológica e passam a patrulhar médiuns, dirigentes, colaboradores e palestrantes,
tentando chantagear moralmente quem não adere ao seu engajamento, tornam-se agentes
na guerra de posição gramsciana[i].
Kardec alertou para os detratores que semeariam a discórdia entre os adeptos;
hoje os vemos tentando subverter o conceito de caridade por justiça social para
impor narrativas próprias.
Embora seja legítimo que cada cidadão faça suas
escolhas partidárias em uma sociedade plural, ao transformar grupos e redes
espíritas em extensões de comitês políticos, demonizando irmãos de crença,
reduzindo pessoas a rótulos e excomungando-as por divergências, os responsáveis
por isso atestam enfermidade moral. Tais posturas, de cunho totalitário,
envenenam ambientes, confundem novos adeptos e corroem as atividades pela
desconfiança. É possível, sim, engajar-se socialmente com base nos valores
espíritas, desde que a doutrina não seja subordinada a ideologias transitórias
nem o respeito seja rompido. A verdadeira transformação, consequência de ações
equilibradas e norteada pelo autoconhecimento e pela liberdade de consciência,
não se confunde com a guerra política, que gera divisão e ódio, frutos amargos de
sangrentas propostas revolucionárias.
O discurso desses grupos costuma revestir-se de conceitos
como “direitos”, “justiça” ou “moralidade pública”, como se o bem exigisse
unanimidade partidária e como se a caridade dependesse de fidelidade a um
projeto de poder. Mas direitos que vêm com insultos, justiça que pede
hostilidade, e moralidade que exclui quem pensa diferente não nascem do homem
de bem.
Não será a menção esporádica de termos e frases
adaptadas das obras espíritas que converterá agressão em virtude.
Há quem tente inverter o problema, acusando de
“omissos” aqueles que recusam o palanque ou ativismo dentro das casas espíritas.
Não. O Espiritismo é profundamente comprometido com a transformação moral e
social, mas o seu método é outro: esclarecimento, exemplo, caridade, diálogo,
respeito às liberdades individuais.
O centro espírita não é arena de combate partidário.
E quem insiste nisso precisa ouvir um “não” claro, firme e sereno. Firmeza não
é grosseria.
Quem quiser fazer militância, que o faça na esfera
própria, sem sequestrar a imagem institucional espírita. Quem quiser vivenciar
os princípios do Espiritismo, que pratique o amor que suporta diferenças sem
capitular na verdade.
O adepto não deve se iludir com a retórica de que se
trata apenas de um “diálogo social necessário e atual” quando isso converte
irmãos em inimigos, desautoriza lideranças e trabalhadores por preferências
políticas e pressiona instituições a se curvarem a programas partidários. Nesse
caso, não se trata de “diálogo”, mas de projeto de poder. É um abuso que merece
ser desmascarado e contido.
Que cada centro valorize, em seus estatutos,
reuniões e comunicações, a liberdade de consciência e, destaque, que o proselitismo
partidário vedado. Que dirigentes e expositores deem o exemplo, recusando
convites para instrumentalizar a tribuna e corrigindo, com caridade, mas sem
hesitação, desvios de percurso. Que trabalhadores e frequentadores aprendam a recusar
a incitação à violência para, em sentido oposto, aceitar a convivência
fraterna.
O Espiritismo é muito maior que qualquer ideologia política. Ao vivenciá-lo, cultivam-se frutos de paz, mansidão, justiça, coerência e respeito ao livre-arbítrio. Quem tenta usar a Doutrina como bandeira de facção colherá, no tempo, os efeitos nocivos das próprias obras. Cabe-nos vigiar, trabalhar e manter as instituições unidas, preservadas do ódio travestido de virtude.
[i]
Para o ideólogo marxista Antonio Gramsci (1891-1937), a tomada do poder
hegemônico não se dá apenas pela força, mas principalmente pela conquista
gradual da cultura e das instituições da sociedade civil, como escolas, igrejas
e meios de comunicação, para difundir uma visão de mundo e tornar seus valores
dominantes.
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