Marco Milani
Texto
publicado na Revista Dirigente Espírita, n.209, nov/dez 2025, p. 12-13
O
impulso de transformar o mundo é natural na juventude. O jovem traz em si o
idealismo e a esperança de ver uma sociedade mais justa, movido pela coragem do
Espírito que desperta para novas percepções da vida. Essa força é valiosa
quando se orienta pela razão e pela responsabilidade, pois impulsiona o
progresso. No entanto, quando carece de bases morais e espirituais, tende a se
converter em rebeldia estéril, o desejo de reformar o mundo sem antes organizar
a própria vida, como se fosse possível construir a ordem do todo ignorando a
desordem do íntimo.
A
sociologia clássica ensina que a juventude representa o elo entre o passado e o
futuro. Émile Durkheim via a educação como instrumento de continuidade moral da
sociedade, e Max Weber lembrava que a ação humana só encontra sentido quando
orientada por valores estáveis. Quando esses valores são relativizados, o
impulso de renovação perde direção e degenera em inconsequência. É o que se
observa quando jovens, movidos por justas inquietações, adotam discursos que
prometem mudar o planeta, mas não assumem o dever de transformar a si mesmos.
Não há
progresso verdadeiro sem disciplina interior, e nenhuma reforma social é
duradoura se o indivíduo permanece desordenado em seu lar e em sua consciência.
A
Doutrina Espírita esclarece que toda mudança legítima começa no coração. Allan
Kardec, em O Livro dos Espíritos (questão 917), afirma que o egoísmo é o
principal obstáculo ao progresso, e que a educação moral é o único meio eficaz
de superá-lo. Essa educação, que forma o caráter e desperta a consciência
espiritual, começa no lar. É na convivência familiar que o Espírito aprende a
respeitar, a renunciar e a servir. A escola pode instruir, o centro espírita
pode orientar, mas só o exemplo vivido em casa molda o sentimento e sedimenta o
valor moral. No mesmo livro, nas questões 774 e 775, verifica-se que sem a
família, a sociedade se desagregaria moralmente, pois é no lar que se formam os
sentimentos de solidariedade e os princípios da responsabilidade.
Qualquer
que seja a configuração familiar, é o primeiro laboratório da alma. Existem
lares conduzidos por pais solteiros, mães dedicadas, casais e parceiros que
refizeram suas vidas e famílias recompostas com filhos de diferentes uniões.
Todas essas formas são legítimas expressões da experiência humana e atendem aos
desígnios divinos, desde que nelas prevaleçam o amor responsável, o dever e o
respeito. Nenhuma transformação social isenta o Espírito da responsabilidade de
orientar, proteger e educar os que Deus lhe confiou. O essencial não é a forma
do lar, mas a qualidade moral das relações que nele se estabelecem.
Entretanto,
o modelo de família vem sendo alvo de ataques ideológicos que, sob o pretexto
de libertar o indivíduo, buscam dissolver suas bases morais. Correntes de
pensamento materialista tratam o lar como instrumento de dominação cultural e
propõem sua substituição por estruturas coletivas e transitórias, alheias ao
valor espiritual do vínculo familiar. Ao enfraquecer o sentido de paternidade,
maternidade e responsabilidade, tais ideias geram indivíduos sem raízes morais,
incapazes de sustentar compromissos estáveis. E uma sociedade formada por
Espíritos imaturos dificilmente encontrará harmonia.
O
Espiritismo, ao contrário, propõe uma revolução silenciosa e duradoura: o
autoconhecimento e aprimoramento moral. A verdadeira transformação social nasce
da autotransformação. Quando o lar se torna ambiente de amor, respeito e
aprendizado mútuo, cada Espírito que dele parte leva ao mundo a semente do
equilíbrio. É inútil desejar um planeta regenerado se a desordem começa dentro
de casa. Como lembra o psicólogo canadense Jordan Peterson em linguagem
contemporânea, quem não é capaz de “arrumar o próprio quarto” não está
preparado para corrigir os rumos da humanidade.
A
juventude, com sua vitalidade e idealismo, deve compreender que o primeiro ato realmente
contestador é olhar para si mesmo e cumprir com dedicação os deveres mais
simples: respeitar os pais, colaborar no lar, cultivar a honestidade e a
disciplina. São esses valores que formam cidadãos conscientes e Espíritos equilibrados.
A mudança autêntica não exige alardes, mas coerência entre o que se prega e o
que se vive.
O lar,
portanto, é o berço das virtudes que o mundo necessita. Educar o lar é educar a
alma. Reformar o mundo sem reformar o coração é esforço vão, pois o
desequilíbrio coletivo é reflexo das desordens individuais. Jesus, considerado
um revolucionário por alguns, convidou-nos à transformação interior para a
conquista do reino de Deus que está em nós mesmos, não à confrontação
impensada. A sociedade será melhor quando houver mais ambientes harmoniosos,
mais pais conscientes de sua missão e mais jovens capazes de unir idealismo e
responsabilidade.
Antes de
mudar o mundo, é preciso iluminar o próprio lar. Porque a paz global começa
onde o amor se aprende: dentro de casa.
Referências
DURKHEIM, Émile. Educação e
sociologia. Petrópolis: Vozes, 2011.
DURKHEIM, Émile. A educação
moral. Petrópolis: Vozes, 2012.
KARDEC, Allan. O livro dos
espíritos. Catanduva: Boa Nova, 2013.
PETERSON, Jordan B. 12
Regras para a Vida: Um Antídoto para o Caos. São Paulo: Alta Books, 2018.
WEBER, Max. Economia e
sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. Brasília: Editora da
Universidade de Brasília, 1999. 2 v.

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