terça-feira, 11 de novembro de 2025

Antes de mudar o mundo, educa o teu lar


 Antes de mudar o mundo, educa o teu lar

 

Marco Milani

 

Texto publicado na Revista Dirigente Espírita, n.209, nov/dez 2025, p. 12-13

 

O impulso de transformar o mundo é natural na juventude. O jovem traz em si o idealismo e a esperança de ver uma sociedade mais justa, movido pela coragem do Espírito que desperta para novas percepções da vida. Essa força é valiosa quando se orienta pela razão e pela responsabilidade, pois impulsiona o progresso. No entanto, quando carece de bases morais e espirituais, tende a se converter em rebeldia estéril, o desejo de reformar o mundo sem antes organizar a própria vida, como se fosse possível construir a ordem do todo ignorando a desordem do íntimo.

A sociologia clássica ensina que a juventude representa o elo entre o passado e o futuro. Émile Durkheim via a educação como instrumento de continuidade moral da sociedade, e Max Weber lembrava que a ação humana só encontra sentido quando orientada por valores estáveis. Quando esses valores são relativizados, o impulso de renovação perde direção e degenera em inconsequência. É o que se observa quando jovens, movidos por justas inquietações, adotam discursos que prometem mudar o planeta, mas não assumem o dever de transformar a si mesmos.

Não há progresso verdadeiro sem disciplina interior, e nenhuma reforma social é duradoura se o indivíduo permanece desordenado em seu lar e em sua consciência.

A Doutrina Espírita esclarece que toda mudança legítima começa no coração. Allan Kardec, em O Livro dos Espíritos (questão 917), afirma que o egoísmo é o principal obstáculo ao progresso, e que a educação moral é o único meio eficaz de superá-lo. Essa educação, que forma o caráter e desperta a consciência espiritual, começa no lar. É na convivência familiar que o Espírito aprende a respeitar, a renunciar e a servir. A escola pode instruir, o centro espírita pode orientar, mas só o exemplo vivido em casa molda o sentimento e sedimenta o valor moral. No mesmo livro, nas questões 774 e 775, verifica-se que sem a família, a sociedade se desagregaria moralmente, pois é no lar que se formam os sentimentos de solidariedade e os princípios da responsabilidade.

Qualquer que seja a configuração familiar, é o primeiro laboratório da alma. Existem lares conduzidos por pais solteiros, mães dedicadas, casais e parceiros que refizeram suas vidas e famílias recompostas com filhos de diferentes uniões. Todas essas formas são legítimas expressões da experiência humana e atendem aos desígnios divinos, desde que nelas prevaleçam o amor responsável, o dever e o respeito. Nenhuma transformação social isenta o Espírito da responsabilidade de orientar, proteger e educar os que Deus lhe confiou. O essencial não é a forma do lar, mas a qualidade moral das relações que nele se estabelecem.

Entretanto, o modelo de família vem sendo alvo de ataques ideológicos que, sob o pretexto de libertar o indivíduo, buscam dissolver suas bases morais. Correntes de pensamento materialista tratam o lar como instrumento de dominação cultural e propõem sua substituição por estruturas coletivas e transitórias, alheias ao valor espiritual do vínculo familiar. Ao enfraquecer o sentido de paternidade, maternidade e responsabilidade, tais ideias geram indivíduos sem raízes morais, incapazes de sustentar compromissos estáveis. E uma sociedade formada por Espíritos imaturos dificilmente encontrará harmonia.

O Espiritismo, ao contrário, propõe uma revolução silenciosa e duradoura: o autoconhecimento e aprimoramento moral. A verdadeira transformação social nasce da autotransformação. Quando o lar se torna ambiente de amor, respeito e aprendizado mútuo, cada Espírito que dele parte leva ao mundo a semente do equilíbrio. É inútil desejar um planeta regenerado se a desordem começa dentro de casa. Como lembra o psicólogo canadense Jordan Peterson em linguagem contemporânea, quem não é capaz de “arrumar o próprio quarto” não está preparado para corrigir os rumos da humanidade.

A juventude, com sua vitalidade e idealismo, deve compreender que o primeiro ato realmente contestador é olhar para si mesmo e cumprir com dedicação os deveres mais simples: respeitar os pais, colaborar no lar, cultivar a honestidade e a disciplina. São esses valores que formam cidadãos conscientes e Espíritos equilibrados. A mudança autêntica não exige alardes, mas coerência entre o que se prega e o que se vive.

O lar, portanto, é o berço das virtudes que o mundo necessita. Educar o lar é educar a alma. Reformar o mundo sem reformar o coração é esforço vão, pois o desequilíbrio coletivo é reflexo das desordens individuais. Jesus, considerado um revolucionário por alguns, convidou-nos à transformação interior para a conquista do reino de Deus que está em nós mesmos, não à confrontação impensada. A sociedade será melhor quando houver mais ambientes harmoniosos, mais pais conscientes de sua missão e mais jovens capazes de unir idealismo e responsabilidade.

Antes de mudar o mundo, é preciso iluminar o próprio lar. Porque a paz global começa onde o amor se aprende: dentro de casa.

 

Referências

DURKHEIM, Émile. Educação e sociologia. Petrópolis: Vozes, 2011.

DURKHEIM, Émile. A educação moral. Petrópolis: Vozes, 2012.

KARDEC, Allan. O livro dos espíritos. Catanduva: Boa Nova, 2013.

PETERSON, Jordan B. 12 Regras para a Vida: Um Antídoto para o Caos. São Paulo: Alta Books, 2018.

WEBER, Max. Economia e sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 1999. 2 v.

 

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