terça-feira, 15 de agosto de 2023

A introspecção e o autoconhecimento

 

A introspecção e o autoconhecimento

 

Marco Milani

 Fernando Porto

 

(Texto publicado na Revista Dirigente Espírita, ed. 196, jul-ago/2023, p.32)

  

Allan Kardec, em O evangelho segundo o Espiritismo, no capítulo Sede Perfeitos, asseverou que o verdadeiro espírita é conhecido pelos esforços que emprega no domínio de suas más inclinações e por sua transformação moral. Neste mesmo capítulo em que se encontra esta exortação basilar, aprendemos que a virtude é o conjunto das qualidades essenciais do homem de bem em seu mais alto grau. Por conseguinte, o combate aos vícios e o desenvolvimento das virtudes são uns dos principais deveres de todo espírita sincero. Mas como fazê-lo?

O codificador, preocupado em saber como na prática a transformação moral pode ser feita, interrogou os benfeitores espirituais a respeito, na questão 919 de O Livro dos Espíritos. Em resposta ao mestre lionês, Santo Agostinho, renomado filósofo e teólogo da cristandade medieval, nos ensinou que o autoconhecimento é considerado o meio prático e mais eficaz que tem o homem de se melhorar nesta vida e de resistir à atração do mal.

O autoconhecimento, conforme descreveu o amigo espiritual, é o exame de consciência, ao passar em revista as ações do dia, no sentido de avaliar o bem e o mal praticado. Esse é um método filosófico de auto-observação denominado introspecção, uma atitude reflexiva que o indivíduo tem sobre si, sobre o que ocorre no seu íntimo, sobre suas experiências, desejos e desafios.

Mas essa atitude de olhar para si próprio tem as suas pré-condições. A primeira dela é a humildade, ao se reconhecer a necessidade do autoaperfeiçoamento. Além disso, ela requer maturidade e coragem. Maturidade para o exame profundo das causas e consequências dos próprios atos, emoções e pensamentos. Coragem para confrontar-se consigo mesmo.

Em diferentes tradições e culturas, o autoconhecimento é apontado como condição fundamental para se alcançar a verdadeira sabedoria, tal como a inscrição no Portal de Delfos da antiga Grécia que assevera a máxima que guiou Sócrates em sua atitude filosófica: “Ó homem, conhece-te a ti mesmo e conhecerás os deuses e o universo”.

Jesus, por sua vez, foi um dos maiores divulgadores da proposta introspectiva ao ensinar à humanidade que o universo interior deve ser descoberto e compreendido para se conseguir amar verdadeiramente a si e ao próximo. Ao afirmar que não veio trazer a paz, mas a espada (Mt 10:34), Jesus nos oferece o símbolo da luta interior que devemos ter contra nossas más inclinações e afasta a ilusória tranquilidade do conformismo íntimo perante nossas mazelas morais. Esse é o “bom combate” que Paulo afirma ter realizado (2 Timóteo 4:7).

No entanto, existem vários obstáculos que podem dificultar o processo de autoconhecimento. Quando a pessoa não dedica tempo para se autoavaliar, permanece inconsciente sobre suas emoções, pensamentos, motivações, valores ou comportamentos, e então pode agir de forma condicionada, sem refletir sobre suas ações ou suas consequências.

Uma vez que a introspecção envolve um olhar para dentro de si mesmo, essa atitude pode ser intimidante para muitas pessoas. O medo de confrontar emoções desconfortáveis, traumas passados ​​ou aspectos negativos de si mesmo pode impedir o progresso no autoconhecimento. Por isso, é fundamental uma postura de autoacolhimento e autoaceitação, permitindo que o processo ocorra com naturalidade e sem entraves desnecessários.

Por outro lado, atitudes escapistas podem ocorrer, por meio de distorções cognitivas que prejudicam a compreensão objetiva da realidade, como por exemplo, o viés de confirmação – ao se dar mais importância a informações que confirmam nossas crenças e desconsiderar aquelas que as questionam, ou pelo autoengano ou racionalização, obstáculos muito comuns à introspecção.

Outro fator prejudicial são as expectativas e opiniões de outras pessoas que podem influenciar a percepção de si mesmo. As pressões sociais, as normas culturais e as comparações com os outros acabam por distorcer a própria imagem e impedir o autoconhecimento.

A resistência à mudança, por vezes, reflete o medo do desconhecido ou o desejo de manutenção de padrões familiares, o que dificulta o progresso na busca do autodescobrimento, assim como a autocrítica severa pode minar a capacidade de superação e levar à falta de confiança.

Transpor esses obstáculos requer tempo, esforço e autodisciplina, mas isso não deve se tornar um motivo para o desalento ou desânimo. Graças aos ensinamentos da Doutrina Espírita dispomos, de maneira clara e objetiva, dos elementos essenciais para a compreensão de nossa natureza espiritual e do roteiro seguro para a verdadeira descoberta interior.

“Vencer a si mesmo é a maior vitória que alguém pode obter”, conforme afirmou Platão em A República, no Livro VII.

É pelo desenvolvimento moral e intelectual, expressos em obras e não apenas na fé, que venceremos o bom combate contra o orgulho e o egoísmo, as verdadeiras chagas do homem.

  

Fonte: https://usesp.org.br/wp-content/uploads/2023/08/reDE-196-julho-agosto-2023.pdf

 


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