A Gênese: Capítulo 18
Inconsistências doutrinárias da 5ª edição
Marco Milani*
(Texto
publicado originalmente no boletim Dirigente Espírita, n.168, nov/dez de 2018,
p.5)
O capítulo 18 de A Gênese,
intitulado “Os tempos são chegados”, pode ser considerado emblemático, não
somente por ser aquele que encerra o conjunto das obras fundamentais do
Espiritismo, mas também por apontar com clareza a natureza das transformações
que a humanidade passa.
Destaca-se, entretanto, alterações
no texto e os reflexos no conteúdo ocorridos na 5ª edição francesa deste livro,
cuja autoria das modificações foi questionada por Henri Sausse em 1884 e,
graças à pesquisa recente de Simoni Privato Goidanich, apresentada na obra “O
legado de Allan Kardec”, apenas até a 4ª edição pode ser atribuída com
segurança a Kardec.
Justamente por ser a obra que,
segundo Kardec, necessitava ser lançada somente após o devido desenvolvimento
dos princípios apresentados nas obras anteriores, em momento de maturidade dos
próprios espíritas, não se poderia admitir contradição com esses princípios. No
capítulo 18, até a 4ª edição francesa, não há qualquer contradição nesse
sentido, mas na 5ª edição verifica-se esse problema.
O ensinamento dos Espíritos é claro
ao apontar que existem dois tipos de transformações em curso no planeta:
aquelas de origem material e aquelas de caráter moral. Apesar de ocorrerem
simultaneamente, possuem ritmos específicos e não se confundem nem são
interdependentes.
O
planeta progride moralmente pela depuração dos Espíritos encarnados e
desencarnados que o povoam, resultado direto do desenvolvimento da inteligência,
do senso moral e do abrandamento dos costumes. Conhecendo os objetivos a serem
atingidos, os Espíritos superiores conseguem apontar os caminhos pelos quais a
humanidade tende a seguir e por isso sinalizam que a fase atual reflete esse
período de mudanças mais intensas.
Ao
contrário do que esperam místicos e supersticiosos, entretanto, essas
transformações não são precedidas de acontecimentos físicos ou fenômenos
maravilhosos.
Estranhamente,
algumas alterações no texto da 5ª edição
francesa são incoerentes sob o aspecto doutrinário, estabelecendo uma forte
relação entre acontecimentos físicos e morais, além do fatalismo, levando o
leitor consciente a questionar a origem dessas informações. Dentre os vários
trechos inseridos neste capítulo na 5ª edição, o item 10 permite exemplificar
essa incoerência. Especificamente, lê-se:
“Se, pelo
encadeamento e a solidariedade das causas e dos efeitos, os períodos de
renovações morais da humanidade coincidem, como tudo leva a crer, com as
revoluções físicas do globo, elas podem ser acompanhadas ou precedidas de
fenômenos naturais, insólitos para aqueles que não estejam habituados, de
meteoros que lhes parecem estranhos, da recrudescência e intensificação
desacostumadas, de flagelos destruidores. Tais flagelos não são causa, nem
presságios sobrenaturais, mas sim uma consequência do movimento geral que se
opera no mundo físico e no mundo moral”. (A Gênese, 5ª ed., item 10)
Posteriormente, no mesmo item 10 da
5ª edição francesa, afirma-se que Jesus podia predizer a era de renovação moral
que a humanidade passaria associando-a a fenômenos extraordinários, terremotos,
flagelos diversos e sinais dos céus. Em
nota de rodapé, menciona-se que a epidemia mortal ocorrida entre 1866 e 1869 na
Ilha Maurícia foi precedida por uma extraordinária chuva de estrelas cadentes e
que, “sem dúvida”, teria sido um sinal no céu. Tais afirmações satisfazem os
supersticiosos, porém afastam-se da fé raciocinada.
A inserção dos itens 8, 9 e 10 (5ª
edição francesa), com trechos baseados em cartas de adeptos ou em comunicações
que não receberam a sanção universal na Revista Espírita de jul/1867, out/1868
e nov/1868, não caracteriza ou valida um novo ensinamento doutrinário.
Nesta
obra, ressalta-se a relevância da concordância universal para que qualquer
ensinamento possa ser considerado parte integrante da Doutrina Espírita e,
certamente, a crendice supersticiosa de
que as transformações morais da humanidade estejam vinculadas às transformações
físicas do globo ou a fenômenos naturais como estrelas cadentes não faz parte
dos ensinamentos dos Espíritos.
Assim, mais uma vez constata-se que muitas das alterações promovidas no texto da 5ª edição, publicada em 1872 (três anos após a desencarnação de Allan Kardec), mostram-se incompatíveis com a coerência doutrinária, reforçando a suspeita sobre a autoria das mesmas.
* Diretor do Departamento de Doutrina
da USE-SP
Fonte:
https://app.associatec.com.br/upload/organizacao_000000000000037/noticia/documento/526/168C.pdf
Comentários sobre as consequências das alterações promovidas no cap. 15 da 5ª ed. de A Gênese (1872), podem ser lidos no seguinte link:
https://educadorespirita1.blogspot.com/2018/09/comentarios-sobre-o-capitulo-xv-de.html
Como é o texto original acerca desse item antes da quinta edição. Alguém poderia postar para que possamos comparar?
ResponderExcluirPor enquanto só temos uma acusação em provas, Cadê a edição anterior?
ResponderExcluirO mais coerente seria a apresentação da edição anterior, antes da suposta alteração. Como se fazer uma analise sem confrontarmos as duas edições?
Já existem as duas traduções nas livrarias espíritas. Só fazer a comparação. A Feal lançou, em maio de 2018 a tradução da 1ª edição, que é igual a 2ª, 3ª e 4ª
ExcluirSegue o link para as edições de A Gênese para comparação. Bons estudos... https://kardecpedia.com/obra/15
ResponderExcluirBah. Até com a astrologia os irmãos ibaptos da época rebtaram linkar o Espiritismo...
ResponderExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirSe foi comprovada a alteração, é coerente que todas as Editoras se unam e publiquem uma nova edição corrigida. Não há nenhuma dificuldade nisso. Mesmo se as alterações estivessem de acordo com os principios espiritas, não seria correto essa ação.
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