Tentativas
cismáticas no movimento espírita
(Texto originalmente publicado na revista digital Dirigente Espírita, nov/dez 2021, Ed. 186, pags. 8-10)
Marco Milani
Ressaltando-se que a clareza e a
objetividade do ensino deveriam ser os fatores relevantes para a unidade
doutrinária, os diferentes graus de compreensão do Espiritismo, aliados às
paixões pessoais de alguns supostos adeptos, podem promover a disseminação de
ideias divergentes dos princípios doutrinários e provocar a desunião. Como
asseverou Kardec, “a ambição e vaidade daqueles que, a despeito de tudo, querem
ligar seu nome a uma inovação qualquer; que criam novidades unicamente para
poder dizer que não pensam e não fazem como os outros” 2 são entraves a serem superados.
Desde o
surgimento do Espiritismo, não faltaram aficionados por fantasias e propostas
místicas a tentarem desvirtuar o ensino lastreado na razão e nos fatos. Alguns,
autodeclarando-se missionários, desafiavam a lógica em nome do ocultismo e
revelações exclusivas. Todos foram, com fraternidade e firmeza, contra-argumentados
por Kardec, o qual demonstrava a falta de coerência doutrinária e de
sustentação filosófica e científica dessas propostas mirabolantes e
supersticiosas.
Não
somente as fantasias foram rechaçadas pela ausência de evidências e de logicidade,
mas também iniciativas que atendiam a interesses temporais e paixões
político-ideológicas.
Allan
Kardec, em mensagem dirigida aos espíritas lioneses em 1862, já alertava sobre
a armadilha preparada por adversários do Espiritismo que buscavam levar à casa
espírita a discussão política.
"Devo ainda assinalar-vos outra
tática dos nossos adversários, a de procurar comprometer os espíritas,
induzindo-os a se afastarem do verdadeiro objetivo da doutrina, que é o da
moral, para abordarem questões que não são de sua alçada e que, a justo título,
poderiam despertar suscetibilidades e desconfianças. Não vos deixeis cair
nessa armadilha; afastai cuidadosamente de vossas reuniões tudo quando se
refere à política e a questões irritantes; a tal respeito, as discussões
apenas suscitarão embaraços, enquanto ninguém terá nada a objetar à moral,
quanto esta for boa.” 3
Sendo características fundamentais do
Espiritismo, a fraternidade e a liberdade de consciência fizeram com que nas
reuniões dos mais diversos grupos espíritas espalhados na França e nos demais
países sentassem-se, lado a lado, cidadãos que poderiam defender pontos de
vista antagônicos sobre questões políticas, porém estavam unidos em torno de um
ideal maior baseado no respeito e tolerância. Obviamente, se essas questões
políticas fossem levadas para as reuniões espíritas, o resultado seria a
reprodução dos mesmos antagonismos vivenciados nos embates vulgares.
A transformação da sociedade, segundo Kardec, não ocorrerá de maneira violenta e totalitária, mas de maneira oposta, pacífica e decorrente da melhoria do cidadão, ou seja, a sociedade será reflexo da melhoria moral do homem, respeitando-se os direitos e as liberdades individuais. O Espiritismo atua diretamente nesse sentido esclarecendo sobre a natureza, da origem e do destino dos Espíritos, e de suas relações com o mundo corporal, fomentando a transformação moral e não imiscuindo-se na liberdade de consciência.
“Procurai no Espiritismo aquilo que vos
pode melhorar: eis o essencial. Quando os homens forem melhores, as reformas
sociais realmente úteis serão uma consequência natural; trabalhando pelo
progresso moral, lançareis os verdadeiros e mais sólidos fundamentos de todas
as melhoras, e deixareis a Deus o cuidado de fazer com que cheguem no devido
tempo. No próprio interesse do Espiritismo, que é ainda jovem, mas que
amadurece depressa, oponde uma firmeza inquebrantável aos que quiserem vos
arrastar por uma via perigosa." 4
A militância política costuma alardear que
os espíritas, em geral, são alienados, pois deveriam marchar em formação contra
os desafetos selecionados e içar com veemência a mesma bandeira
político-ideológica que carregam.
Em um
mundo de expiações e provas, não se pode esperar plena harmonia nas relações
sociais, inclusive dentro do centro espírita, mas disseminar a discórdia e a divisão
por motivos político-ideológicos é a receita para que prevaleçam as destrutivas
paixões partidárias, afetando negativamente as instituições e o movimento
espírita
Como
cidadãos, os espíritas possuem a liberdade de consciência e podem abraçar a
corrente ideológica que acharem a mais adequada, sem a orientação de cabresto
utilizada por alguns segmentos religiosos. O fato de não levarem suas
preferências políticas para serem discutidas no centro espírita não justifica,
em hipótese alguma, que sejam rotulados de alienados, ao contrário, demonstra
maturidade, sensatez e respeito pela organização que colaboram e por seus
companheiros de trabalho.
Referências
1 Kardec, A. Revista Espírita, dez/1868, Constituição
transitória do Espiritismo – Dos cismas.
2 Ibid.
3 Kardec. A. Revista Espírita, fev/1862, Resposta dirigida
aos espíritas lioneses por ocasião do Ano-Novo
4 Ibid.
Fonte: https://usesp.org.br/wp-content/uploads/2021/11/DE186.pdf
Excelente artigo e especialmente oportuno. Infelizmente, mesmo entre aqueles que se colocam como verdadeiros defensores da obra de Allan Kardec, temos notado por manifestações diversas iniciativas ou propostas que colidem com o que Kardec pensava, escreveu e nos recomendou. Parabéns ao Marco Milani.
ResponderExcluirMilani sempre perfeito em suas matérias...
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