Sêneca e o Espiritismo
O diálogo entre a filosofia grega e o pensamento espírita revela interessantes
afinidades e, ao mesmo tempo, diferenças. Enfatizando as semelhanças, Allan
Kardec apontou treze preceitos propostos por Sócrates e Platão como ideias precursoras
da doutrina espírita[1].
Outro relevante filósofo da antiguidade
que se destacou pela clareza de seus ensinamentos ético-morais e pelo estilo
exortativo foi Sêneca (4 a.C. a 65 d.C.), expoente do estoicismo romano.
Certamente, nem todos os seus ensinamentos se harmonizam com a visão espírita,
mas muitos deles evidenciam a pertinência dessa interlocução filosófica
Sêneca concebia a vida humana como um percurso breve, em que o tempo
deveria ser usado de modo sábio e consciente. Em seu tratado Da brevidade da
vida, afirma que “não é que tenhamos pouco tempo, mas que desperdiçamos
muito”[2],
destacando que a verdadeira riqueza não está na posse de bens, mas no bom uso
da existência em busca da sabedoria. Para ele, o bem supremo é a virtude,
alcançada pelo domínio de si e pela conformidade com a razão universal,
entendida como expressão da ordem cósmica.
Sêneca também defendia a fraternidade humana. Em Cartas a
Lucílio, afirma que “o homem é coisa sagrada para o homem”[3],
colocando a solidariedade como princípio de vida. Além disso, via a morte não
como mal, mas como parte da ordem natural, que deveria ser aceita sem temor. A
felicidade, nesse quadro, não se encontrava no poder ou na riqueza, mas na
serenidade interior do sábio que vive conforme a natureza e aceita o destino.
Muitos desses pontos encontram paralelo na doutrina espírita. O Espiritismo
ensina que a verdadeira vida é a espiritual, e que a encarnação é uma etapa
educativa destinada ao progresso moral e intelectual. Da mesma forma que Sêneca
valorizava o uso consciente do tempo, o Espiritismo convida a aproveitar a
existência para o desenvolvimento das virtudes, lembrando que cada ato tem
consequências ao indivíduo.
A crítica de Sêneca à busca desenfreada de riquezas e prazeres apresenta
afinidades com os princípios espíritas. Conforme o ensino dos Espíritos[4],
afirma-se que o apego aos bens materiais é um dos grandes entraves à elevação
moral, e que a verdadeira liberdade consiste em não ser escravo das paixões. Ainda
em Cartas a Lucílio, a máxima “não é pobre quem tem pouco, mas quem
deseja muito” encontra eco na advertência espírita contra a cobiça e o egoísmo.
Um importante ponto de aproximação é a fraternidade universal. De
acordo com a orientação moral de Sêneca, o homem deveria tratar o próximo com
respeito e assumir a fraternidade como caminho de libertação interior.
Dentre os eventuais limites, a concepção inflexível do destino em
Sêneca contrasta com a noção de autonomia relativa às escolhas individuais
defendida pela doutrina espírita. Para o estoico, a vida está submetida à ordem
cósmica imutável e a sabedoria consiste em aceitá-la com serenidade. O Espiritismo,
embora adote a existência de leis divinas imutáveis, não abraça o determinismo,
mas introduz a noção de livre-arbítrio. Assim, enquanto Sêneca enfatiza a
resignação ao destino, o Espiritismo equilibra resignação e responsabilidade
ativa.
Outra fronteira está na abordagem da morte. Para Sêneca, ela é
dissolução natural e libertação da alma racional, mas não chega a desenvolver
uma proposta estruturada da vida futura. O Espiritismo, por sua vez, apresenta
detalhadamente a sobrevivência do Espírito, sua imortalidade e o progresso
contínuo através das reencarnações. Se em Sêneca a morte é aceitação
filosófica, no Espiritismo é passagem consciente para a continuidade do
Espírito objetivando a sua realização na perfeição de que é suscetível.
Também há distinções no fundamento teológico. Sêneca fala em deuses e
em razão universal, mas sua filosofia possui caráter imanentista, entendendo o
divino como presente e ativo na ordem cósmica. O Espiritismo, por sua vez, aproxima-se
do deísmo providencialista[5].
Essa diferença de horizonte metafísico coloca em contraste a ética estoica e a
moral espírita, explicitamente ligada a Deus.
Embora tenha vivido na época do cristianismo nascente, Sêneca não faz
qualquer referência aos seus princípios, mantendo sua filosofia dentro dos
marcos do estoicismo romano. Já no Espiritismo, Jesus como modelo e guia da
humanidade, é a maior referência moral.
Claramente há um terreno comum entre Sêneca e o Espiritismo na
valorização da virtude, do desapego, da fraternidade e da serenidade diante da
vida e da morte. Ambos se dirigem ao homem comum com um discurso prático,
preocupado com o aprimoramento moral sem especulações abstratas. O Espiritismo
vai além ao oferecer uma explicação mais ampla sobre a imortalidade, a
reencarnação, o livre-arbítrio e a pedagogia divina.
Pode-se, assim, considerar Sêneca perante a revelação espírita como um
precursor ético, cuja filosofia disciplina o homem para promover a fraternidade
em sua essência, mesmo que limitada ao horizonte estoico da razão e do destino.
Sêneca ensina a viver com dignidade no tempo presente, enquanto o Espiritismo
amplia esse horizonte ao ensinar a viver com dignidade no presente à luz da
imortalidade do Espírito.
[1] Ver
O evangelho segundo o espiritismo, Introdução, item IV.
[2] SÊNECA,
L. A. Da brevidade da vida. São Paulo: Cia das Letras, 2014.
[3]
Idem. Cartas a Lucílio. 4. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2004.
[4]
Ver as questões 922 a 943 em O livro dos Espíritos e o capítulo XVI de o
evangelho segundo o espiritismo.