domingo, 6 de julho de 2014

Evangelização ou Educação Espírita Infantojuvenil?



Evangelização ou Educação Espírita Infantojuvenil?

Marco Milani

No movimento espírita brasileiro, a expressão Evangelização Espírita Infantojuvenil está bem disseminada e, geralmente, não se costuma questionar se o seu significado é coerente ou não, uma vez que diversas casas espíritas a utilizam há décadas para diferenciar a educação doutrinária de crianças e jovens daquela voltada ao público adulto. Modernamente, entretanto, muitos grupos espíritas, inclusive o Conselho Espírita Internacional, já estão ponderando sobre o assunto e preferindo se servir de uma terminologia mais adequada para representar a educação espírita de crianças e jovens. E vamos entender o porquê de se usar Educação Espírita Infantojuvenil como termo mais coerente do que Evangelização.

Campanha da Comissão Europa de Educação Infantojuvenil e Família, órgão vinculado ao Conselho Espírita Internacional

Kardec já destacava na questão 685-a, em O Livro dos Espíritos (LE) que um dos elementos mais relevantes para o progresso dos seres é a educação moral, não aquela obtida pelos livros e sim aquela “que consiste na arte de formar os caracteres, a que incute hábitos, porquanto a educação é o conjunto dos hábitos adquiridos”. Igualmente, encontramos na mensagem de Fénelon, na questão 917 de LE, que é pela educação que se tende a edificar os homens de bem (KARDEC, 2004)
Conforme a Federação Espírita Brasileira, a Evangelização Espírita Infantojuvenil é “toda a atividade voltada ao estudo da Doutrina Espírita e à vivência do Evangelho de Jesus junto à criança e ao jovem” (FEB, 2012). Nessa definição, a doutrina espírita e o evangelho são considerados distintamente. Ainda sob essa perspectiva, a Evangelização aliaria o conteúdo doutrinário espírita com a formação cristã. Mas há um claro problema conceitual nessa definição adotada pela FEB, pois o Evangelho Segundo o Espiritismo (ESE) já faz parte do corpo teórico espírita e, ao se estudar a doutrina espírita, o “evangelho de Jesus” já está devidamente considerado e não necessita ser tratado como um elemento externo à Codificação.
Apenas para exemplificar, no item 4 - Capítulo XVII do ESE, Kardec já caracteriza o verdadeiro espírita como o verdadeiro cristão, “pois um e outro são a mesma coisa”. E o Codificador ainda afirma que o Espiritismo “não cria uma nova moral, mas facilita aos homens a compreensão e a prática da moral do Cristo...” (KARDEC, 2001, p.223). Consequentemente, ao se vivenciar o Espiritismo já se está, naturalmente, vivenciando o evangelho de Jesus e é incoerente se tentar dissociar o estudo doutrinário da prática da moral cristã. E isso se aplica para crianças, jovens e adultos.
O evangelho racionalmente compreendido é o ESE, em que as máximas de Jesus são estudadas em concordância com a cosmovisão espírita e aplicadas em diferentes situações cotidianas. O ESE é uma das obras da Codificação e está integrada ao corpo teórico espírita, logo não é uma obra à parte que necessite ser tratada isoladamente.
Dessa maneira, é muito mais adequado se denominar as atividades para crianças e jovens voltadas ao estudo do Espiritismo (o qual já contém a vivência racional do evangelho cristão) como Educação Espírita Infantojuvenil.
        Mesmo que a discussão sobre terminologias possa parecer algo de menor relevância para alguns, certamente para os dirigentes não deveria ser, pois há implicações conceituais nessas escolhas. Como bem disse Kardec em Obras Póstumas, Projeto 1868:
"Um dos maiores obstáculos capazes de retardar a propagação da Doutrina seria a falta de unidade. O único meio de evitá-la, senão quanto ao presente, pelo menos quanto ao futuro, é formulá-la em todas as suas partes e até nos mais mínimos detalhes, com tanta precisão e clareza, que impossível se torne qualquer interpretação divergente." (KARDEC, 2003)
     É a vivência espírita em sua plenitude que favorecerá o desenvolvimento moral e intelectual dos adeptos do Espiritismo.

Referências

COMISSÃO EUROPA PARA A EDUCAÇÃO INFANTIL. Campanha CEE-CEI. Disponível em <http://cee-cei.blogspot.com.br/2013/10/campagne-education-spirite-de-lenfance.html>. Acessado em 05/07/14

FEDERAÇÃO ESPÍRITA BRASILEIRA – FEB. O Que é Evangelização Espírita Infantojuvenil. 2012. Disponível em < www.dij.febnet.org.br/blog/evangelizacao-espirita/o-que-e-evangelizacao/o-que-e-evangelizacao-espirita-infantojuvenil/>. Acessado em 05/07/14.

KARDEC, A. O Livro dos Espíritos. Rio de Janeiro: FEB, 2004

________. O Evangelho Segundo o Espiritismo. São Paulo: LAKE, 2011.

________. Obras Póstumas, São Paulo, LAKE, 2003.


Um comentário:

  1. Texto excelente, conteúdo inteligente e sentido coerente, meu amigo. Em qualquer ordem que eu colocasse os adjetivos aos substantivos, o artigo permaneceria inalterado. Vou te confessar uma coisa que passou comigo: ao ler o parágrafo em que Kardec discorre sobre a educação, de acordo com a questão 685ª de OLE, fui tomado pela mais alta emoção. Na minha retina espiritual parecia que eu via o Mestre, intuitiva e inspiradamente, a externar no livro este belíssimo tratado educacional. Meus cumprimentos, grande Marcão.

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