quarta-feira, 28 de maio de 2014

Espiritismo e Sociedade



Espiritismo e Sociedade

Marco Milani

(Publicado no Boletim GEAE Número 387 de 21 de março de 2000)


“Se quiserdes que os Homens vivam como irmãos na Terra, não basta dar-lhes lições de moral; é preciso destruir a causa do antagonismo existente e atacar a origem do mal: o orgulho e o egoísmo.” Allan Kardec - Obras Póstumas

A construção de uma sociedade melhor, baseada em relações justas, fraternas, em condições de liberdade e pleno desenvolvimento do indivíduo, ainda é um grande desafio para a humanidade. Esta questão não se restringe a um povo, nação ou bloco econômico, mas expande-se à maioria da população mundial, mesmo considerando-se as diversidades culturais existentes. Obviamente ainda verificamos aqueles que permanecem sob um coercitivo isolamento cultural, refletindo o próprio estágio evolutivo em que se encontram.
Desde o primeiro agrupamento familiar, passando pelas mais diferentes formas de relações políticas, sociais e econômicas, desenvolvemos as bases do conhecimento atual, orientados por um impulso evolucionista inerente ao Ser humano. Motivação esta que não é derivada exclusivamente do processo histórico, como desejam alguns, mas é a manifestação da potencialidade do Espírito buscando a própria realização.
Não cabe somente aos filósofos, economistas e sociólogos esta reflexão, visto que todos contribuem ativamente para o equilíbrio (ou desequilíbrio) social. O conhecimento formal do objeto – a sociedade – para uma análise crítica, favorece a identificação de pontos relevantes para a sua harmonia, porém nem todos estes pontos estão significativamente compreendidos.
Os séculos XVIII e XIX foram bastante fecundos em ideias e experiências nesse contexto, destacando-se a forte influência que muitos de seus pensadores legaram aos nossos dias. Naquela época, procuraram planejar e, muitas vezes, estabelecer os rumos da chamada sociedade “civilizada”, considerando principalmente as relações entre o Estado e Governo, justiça e liberdade, propriedade privada e comum, atividade produtiva e consumo.
Naquele mesmo período, vozes de um outro movimento revolucionário faziam-se ouvir pelo planeta. Após séculos de dormência preparadora, aguardando a maturidade intelectual da humanidade, vigorosos sinais do mundo invisível atraíam a atenção para a sua realidade. Uma invasão das ideias espiritualistas procurava acordar os seres para este fato “admirável” nos diferentes continentes.
Não que tais fatos fossem novidade, pois a existência e comunicação com entidades espirituais constituem parte da crença de todos os povos da Terra, desde os primórdios da civilização até hoje. Esta comprovação é realizada pela Antropologia, considerando ainda que esta crença é a base de toda a filosofia das religiões. Porém, o entendimento destes fatos é que demandam um despertar intelectual.
Em 1857, vivenciando uma Europa onde fervilhavam projetos de transformações socioeconômicas e discussões de âmbito religioso, que uma das mais poderosas propostas para o desenvolvimento humano já vista surge de maneira clara, objetiva e lógica: a Doutrina dos Espíritos, por Allan Kardec.
O advento do Espiritismo permitiu que o Espírito, elemento fundamental não considerado adequadamente nas demais doutrinas espiritualistas e ideologias políticas, sociais e econômicas florescentes, fosse abordado.
Os preceitos cristãos revitalizaram-se sob o aspecto racional da doutrina que aproxima a ciência, filosofia e religião, desenvolvendo de forma límpida a essência moral dos ensinamentos de Jesus. É justamente o conhecimento da realidade espiritual e de todas as suas consequências morais que norteia o comportamento de qualquer componente de uma sociedade para que essa possa apresentar, de fato, as condições propícias para a felicidade individual e coletiva.
A Doutrina Espírita causa a verdadeira revolução, pois atinge a base do pensamento humano, a naturalidade do próprio Ser e sua relação com a realidade que o cerca. Modificando esta concepção, os valores morais são revistos e toda noção de sociedade é logicamente alterada (não destruída, mas aprimorada).
Trata do aspecto social de maneira profunda, destacando a necessidade de que a real transformação ocorra no coração do Homem, combatendo com a fé raciocinada os maiores inimigos do progresso: o orgulho e o egoísmo. Com muita pertinência, invalida qualquer tentativa de imposição ao comportamento fraterno como aquele pretendido por governos autoritários, considerando que a fraternidade é resultado do aprimoramento moral e não de medidas governamentais. Valoriza a educação do indivíduo como fator transformador, conscientizando sobre o processo evolutivo do Ser. A liberdade e a meritocracia são as características esperadas de uma sociedade formada por cidadãos responsáveis e que se respeitam.
Não há progresso sustentável sem a confiança e o investimento no presente para as gerações futuras, marchando com a certeza do bem-estar resultante dos atos equilibrados. Atos estes que são efetuados com coragem, determinação e uma fé inabalável, fundamentada na razão e na moral.
Neste final de século XX, percebemos que o impacto cultural gerado pelas novas formas de integração socioeconômicas (globalização) propicia um momento reflexivo de valores nunca antes alcançado. O acesso à informação e ao conhecimento deixa de ser privilégios de poucos para tornarem-se acessíveis a um número cada vez maior de pessoas em diversas nações.
Depois de verificarmos o fracasso de sistemas políticos e econômicos que se escondiam sob a máscara da igualdade e justiça social, mas que procuravam impor seus preceitos pelo autoritarismo brutal, ainda nos deparamos com sérios problemas estruturais em âmbito mundial: desemprego, fome, analfabetismo, desrespeito aos direitos humanos etc.
Imperceptível para alguns e muito lenta para outros, a perseverante transformação moral do planeta está em curso, decorrente da própria evolução do Ser. Espalham-se pelo mundo valorosos indivíduos e organizações de diversas crenças visando atenuar ou eliminar os desequilíbrios expostos, incentivando o progresso humano. Organizações de âmbitos religiosos, políticos, econômicos, civis etc. Mesmo que nem todos estejam conscientes do processo evolutivo do Espírito, todas as ações são meritórias se agem com sinceridade para alcançar esse objetivo, sem preconceitos ou violências de qualquer espécie.
Porém, desde a sua codificação, a Doutrina Espírita lança suas luzes de forma cada vez mais intensa, libertando consciências dos grilhões da ignorância que entravam o crescimento da Alma. Enquanto ideias e movimentos fragilizados não resistem ao tempo, a sua força reside na solidez de seus princípios.
É a liberdade de consciência, o desenvolvimento pelo mérito e a convivência fraterna e ética pelo esclarecimento sobre a realidade espiritual e leis naturais que o Espiritismo busca promover.


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