Espiritismo
e Sociedade
Marco
Milani
(Publicado
no Boletim GEAE Número 387 de 21 de março de 2000)
“Se quiserdes que os
Homens vivam como irmãos na Terra, não basta dar-lhes lições de moral; é
preciso destruir a causa do antagonismo existente e atacar a origem do mal: o
orgulho e o egoísmo.” Allan Kardec - Obras Póstumas
A
construção de uma sociedade melhor, baseada em relações justas, fraternas, em
condições de liberdade e pleno desenvolvimento do indivíduo, ainda é um grande
desafio para a humanidade. Esta questão não se restringe a um povo, nação ou
bloco econômico, mas expande-se à maioria da população mundial, mesmo
considerando-se as diversidades culturais existentes. Obviamente ainda
verificamos aqueles que permanecem sob um coercitivo isolamento cultural,
refletindo o próprio estágio evolutivo em que se encontram.
Desde
o primeiro agrupamento familiar, passando pelas mais diferentes formas de
relações políticas, sociais e econômicas, desenvolvemos as bases do
conhecimento atual, orientados por um impulso evolucionista inerente ao Ser
humano. Motivação esta que não é derivada exclusivamente do processo histórico,
como desejam alguns, mas é a manifestação da potencialidade do Espírito
buscando a própria realização.
Não
cabe somente aos filósofos, economistas e sociólogos esta reflexão, visto que
todos contribuem ativamente para o equilíbrio (ou desequilíbrio) social. O
conhecimento formal do objeto – a sociedade – para uma análise crítica,
favorece a identificação de pontos relevantes para a sua harmonia, porém nem
todos estes pontos estão significativamente compreendidos.
Os
séculos XVIII e XIX foram bastante fecundos em ideias e experiências nesse
contexto, destacando-se a forte influência que muitos de seus pensadores
legaram aos nossos dias. Naquela época, procuraram planejar e, muitas vezes,
estabelecer os rumos da chamada sociedade “civilizada”, considerando
principalmente as relações entre o Estado e Governo, justiça e liberdade,
propriedade privada e comum, atividade produtiva e consumo.
Naquele
mesmo período, vozes de um outro movimento revolucionário faziam-se ouvir pelo
planeta. Após séculos de dormência preparadora, aguardando a maturidade
intelectual da humanidade, vigorosos sinais do mundo invisível atraíam a
atenção para a sua realidade. Uma invasão das ideias espiritualistas procurava
acordar os seres para este fato “admirável” nos diferentes continentes.
Não
que tais fatos fossem novidade, pois a existência e comunicação com entidades
espirituais constituem parte da crença de todos os povos da Terra, desde os
primórdios da civilização até hoje. Esta comprovação é realizada pela
Antropologia, considerando ainda que esta crença é a base de toda a filosofia
das religiões. Porém, o entendimento destes fatos é que demandam um despertar
intelectual.
Em
1857, vivenciando uma Europa onde fervilhavam projetos de transformações socioeconômicas
e discussões de âmbito religioso, que uma das mais poderosas propostas para o
desenvolvimento humano já vista surge de maneira clara, objetiva e lógica: a
Doutrina dos Espíritos, por Allan Kardec.
O
advento do Espiritismo permitiu que
o Espírito, elemento fundamental não considerado adequadamente nas demais
doutrinas espiritualistas e ideologias políticas, sociais e econômicas
florescentes, fosse abordado.
Os
preceitos cristãos revitalizaram-se sob o aspecto racional da doutrina que
aproxima a ciência, filosofia e religião, desenvolvendo de forma límpida a
essência moral dos ensinamentos de Jesus. É justamente o conhecimento da
realidade espiritual e de todas as suas consequências morais que norteia o
comportamento de qualquer componente de uma sociedade para que essa possa
apresentar, de fato, as condições propícias para a felicidade individual e
coletiva.
A
Doutrina Espírita causa a verdadeira revolução, pois atinge a base do
pensamento humano, a naturalidade do próprio Ser e sua relação com a realidade
que o cerca. Modificando esta concepção, os valores morais são revistos e toda noção
de sociedade é logicamente alterada (não destruída, mas aprimorada).
Trata
do aspecto social de maneira profunda, destacando a necessidade de que a real
transformação ocorra no coração do Homem, combatendo com a fé raciocinada os maiores inimigos do
progresso: o orgulho e o egoísmo. Com muita pertinência, invalida qualquer
tentativa de imposição ao comportamento fraterno como aquele pretendido por governos autoritários, considerando que a fraternidade é
resultado do aprimoramento moral e não de medidas governamentais.
Valoriza a educação do indivíduo como fator transformador, conscientizando
sobre o processo evolutivo do Ser. A liberdade e a meritocracia são as características esperadas de uma sociedade formada por cidadãos responsáveis e que se respeitam.
Não
há progresso sustentável sem a confiança e o investimento no presente para as
gerações futuras, marchando com a certeza do bem-estar resultante dos atos
equilibrados. Atos estes que são efetuados com coragem, determinação e uma fé
inabalável, fundamentada na razão e na moral.
Neste
final de século XX, percebemos que o impacto cultural gerado pelas novas formas
de integração socioeconômicas (globalização) propicia um momento reflexivo de
valores nunca antes alcançado. O acesso à informação e ao conhecimento deixa de
ser privilégios de poucos para tornarem-se acessíveis a um número cada vez
maior de pessoas em diversas nações.
Depois
de verificarmos o fracasso de sistemas políticos e econômicos que se escondiam
sob a máscara da igualdade e justiça social, mas que procuravam impor seus
preceitos pelo autoritarismo brutal, ainda nos deparamos com sérios problemas
estruturais em âmbito mundial: desemprego, fome, analfabetismo, desrespeito aos
direitos humanos etc.
Imperceptível
para alguns e muito lenta para outros, a perseverante transformação moral do
planeta está em curso, decorrente da própria evolução do Ser. Espalham-se pelo
mundo valorosos indivíduos e organizações de diversas crenças visando atenuar
ou eliminar os desequilíbrios expostos, incentivando o progresso humano.
Organizações de âmbitos religiosos, políticos, econômicos, civis etc. Mesmo que
nem todos estejam conscientes do processo evolutivo do Espírito, todas as ações
são meritórias se agem com sinceridade para alcançar esse objetivo, sem
preconceitos ou violências de qualquer espécie.
Porém,
desde a sua codificação, a Doutrina Espírita lança suas luzes de forma cada vez
mais intensa, libertando consciências dos grilhões da ignorância que entravam o
crescimento da Alma. Enquanto ideias e movimentos fragilizados não resistem ao
tempo, a sua força reside na solidez de seus princípios.
É a liberdade de consciência, o desenvolvimento pelo mérito e a convivência fraterna e ética pelo esclarecimento sobre a
realidade espiritual e leis naturais que o Espiritismo busca promover.
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