Comentários sobre as alterações da 5ª edição de A Gênese – Cap. XVI

 Comentários sobre as alterações da 5ª edição de A Gênese – Cap. XVI

Teoria da Presciência

Marco Milani

(Texto publicado no jornal Dirigente Espírita, ed. 174, nov/dez 2019, p.5)

          O capítulo XVI da obra A Gênese trata de uma das questões mais intrigantes ao Homem que é a capacidade de antever acontecimentos futuros. Ao propor a teoria da presciência, Kardec não intenta apresentar uma explicação completa, mas identificar elementos relevantes para a compreensão do fenômeno.

          Assim como nos demais capítulos da 5ª edição francesa, neste também ocorreram alterações por meio de reordenamentos, eliminações e inserções de textos de qualidade duvidosa. De seus dezoito itens, sete sofreram alterações, a saber: nºs 5, 6, 7, 8, 9, 10 e 16.

          Destaca-se a supressão integral do conteúdo do item 10 da edição original, no qual Kardec explicita a sua compreensão sobre a presciência e, ainda, a relaciona com a fé verdadeira.

A faculdade de trocar seu ponto de vista e de tomá-lo do alto não dá somente a solução do problema da presciência, é, além disso, a chave da verdadeira fé, da fé sólida; é também o mais poderoso elemento de força e resignação, visto que, de lá, com a vida terrestre aparecendo como um ponto na imensidão, compreende-se o pequeno valor das coisas que, vistas de baixo, parecem tão importantes. Os incidentes, as misérias, as vaidades da vida se apequenam à medida que se desenrola o imenso e magnífico horizonte do futuro. Aquele que vê as coisas deste mundo dessa forma é pouco ou nada atingido pelas vicissitudes, e, por isso mesmo, também é feliz o quanto se pode ser aqui na Terra. É preciso, pois, lastimar aqueles que concentram seus pensamentos na estreita esfera terrestre, porque eles experimentam, em toda a sua força, a repercussão de todas as atribulações que, como aguilhões, os atormentam incessantemente. (A Gênese, cap. XVI, i.10, 1868)

          Considerando a estrutura argumentativa do texto, o trecho acima caracteriza-se como muito relevante, pois não se restringe à explicação do fenômeno mas também desenvolve suas consequências morais. A verdadeira fé baseia-se no conhecimento das Leis Naturais e respectivo direcionamento racional dos atos do indivíduo. Um dos pilares do Espiritismo, que é a fé raciocinada, é aqui evidenciada.

           No item 16, ao afirmar que Espíritos realmente sábios nunca predizem acontecimentos com épocas determinadas, Kardec ressalta a importância de se analisar as comunicações mediúnicas sob critérios eminentemente racionais, contrariamente a manifestações supersticiosas e místicas. Aceitar-se previsões com datas limites ou marcadas é uma atitude imprudente, leviana e irresponsável.

         Nesse sentido, a eliminação de um trecho no item 16, apresentado a seguir, fragiliza essa reflexão.

As predições que oferecem maior probabilidade são aquelas que têm um caráter de utilidade geral e humanitária; não se deve considerar as outras senão quando são realizadas. Pode-se, segundo as circunstâncias, aceitá-las a título de advertência, mas haveria imprudência em agir prematuramente em vista da sua realização com data marcada. Pode-se ter por certo que, quanto mais circunstanciadas, mais elas são suspeitas. (A Gênese, cap. XVI, i.16, 1868)

         Uma vez que neste capítulo Kardec desenvolve seus argumentos sobre a presciência sem ter a pretensão de esgotar o assunto, é fundamental conhecer todos os aspectos relevantes que cercam o tema para favorecer as futuras discussões filosóficas e científicas.

          Dentre os trechos eliminados na 5ª edição da obra, estão aqueles nos itens 10 e 16 destacados acima. O conteúdo estranhamente eliminado expressa o pensamento lógico de Kardec e mostra-se plenamente coerente com os ensinamentos dos Espíritos. As respectivas supressões não parecem contribuir para a fluidez e concisão do capítulo e, de maneira contrária, empobrecem as reflexões sobre o tema. A leitura de A Gênese, em sua edição original, torna-se mandatória a todo estudioso espírita e adeptos em geral.

* Diretor do Departamento de Doutrina da USE-SP. Presidente da USE Regional de Campinas.

Fonte: http://www.usesp.org.br/Publicacoes/Revista/detalhe/1446