sábado, 5 de abril de 2014

Espiritismo, política e bom senso


Espiritismo, política e bom senso *

Marco Milani

Frequentemente, colegas espíritas opinam sobre a relação entre espiritismo e política. Os mais entusiastas chegam a estimular o apoio a candidatos a cargos públicos daqueles que se declaram espíritas ou mesmo cogitam a possibilidade de se criar um partido formado só por espíritas e simpatizantes.

Dois pontos são fundamentais para tratarmos essa situação. Primeiro, o fato de alguém se declarar espírita não o torna uma pessoa melhor que outra nem significa que ele não cometa erros ou que não faça escolhas erradas. Segundo, o espiritismo colabora para a melhoria da sociedade por meio do aprimoramento moral e intelectual dos indivíduos, não por meio do partidarismo político ou pelo apoio a determinados modelos de organização social e econômica.

O rótulo religioso não é garantia de integridade na vida pública. Se assim fosse, diversas siglas partidárias que se declaram cristãs nunca estariam envolvidas em escândalos ou atos de improbidade. E não vale dizer que o espírita é melhor que as demais denominações. O fato de termos mais conhecimento sobre o mundo espiritual e sobre o que deveríamos fazer para evoluirmos implica responsabilidade, mas a conduta ilibada depende de cada um. Ainda estamos nos aperfeiçoando e lutando contra as más tendências que trazemos do passado. Se já tivéssemos atingido a perfeição não estaríamos reencarnados aqui.

“Ahhh... mas é melhor ter um político espírita do que um materialista!”, afirmam alguns. Vamos refletir sobre isso... Se tivéssemos que passar por um procedimento cirúrgico e pudéssemos escolher o médico, a primeira coisa que iríamos nos preocupar seria a crença religiosa do médico ou sua competência e experiência na função? Muita gente, inclusive eu, procuraria alguém competente e experiente. Se ele fosse espírita, católico ou ateu, seria uma questão secundária.

“Ahhh... mas político é diferente, pois ele precisa ser honesto!”, replicam os entusiastas. Certamente a idoneidade é esperada por todos, assim como ele deve ter competência e defender propostas adequadas para a função que ele desempenhará. Mas o que pensar de políticos que se declaram espíritas, mas se engajam em lutas para a legalização do aborto, defendem a revolução armada ou, ainda, que apoiem regimes autoritários acostumados a prender ou assassinar seus inimigos? Pois é... Quando consideramos um cenário mais realista e menos ingênuo, passamos a refletir sobre bases que nos exigem maior aprofundamento político, econômico e social. Tratam-se de questões polêmicas que não se resumem na simples declaração de alguém ser ou não adepto do espiritismo, mas de propostas que variarão de pessoa para pessoa e deixam a denominação religiosa em segundo plano.

O espiritismo, sem dúvida, apresenta uma das mais poderosas propostas para o desenvolvimento humano já vistas, baseada no conhecimento da realidade espiritual e que justifica e motiva a construção de uma sociedade harmônica como reflexo do aprimoramento individual. Conforme aponta Kardec, no livro Obras Póstumas, se quisermos que “os homens vivam como irmãos na Terra, não basta dar-lhes lições de moral; é preciso destruir a causa do antagonismo existente e atacar a origem do mal: o orgulho e o egoísmo” e a educação é o mais poderoso caminho para isso. Sinteticamente, sob a perspectiva espírita, a melhoria das condições sociais decorre, essencialmente, do aperfeiçoamento do indivíduo e não o oposto, como pretendem os partidários de ideologias totalitárias, nas quais sonha-se com uma sociedade “ideal” e obriga-se o indivíduo a comportar-se dessa ou daquela maneira. O ambiente em que nos encontramos constitui-se em oportunidade evolutiva e não será por decretos que a liberdade, igualdade e fraternidade serão obtidas, pois antes se faz necessário “mudar o coração dos homens”.

Responsáveis por nossos próprios atos e escolhas, cabe a nós defender aquilo que considerarmos o mais correto e adequado, além de buscarmos vencer as nossas próprias deficiências. Temos o livre-arbítrio para nos posicionarmos politicamente na sociedade em que vivemos e, portanto, devemos escolher, antes de tudo, a linha de atuação política e econômica para depois identificarmos os melhores candidatos que se alinhem com nossas propostas, sem nos iludir com aqueles que tentam usar o nome do espiritismo para angariar votos e defender ideologias que podemos não concordar.

* Texto publicado no jornal Correio Fraterno, nº 456 mar/abr 2014, p. 11

2 comentários:

  1. Perfeito, Marco, concordo plenamente !!!

    Abraços
    Mauricio

    ResponderExcluir
  2. Realmente, o rótulo "espírita" não garante honestidade, empenho e boa gestão. Todavia, poderemos sempre cobrar daqueles que se aventuraram a preferir esse rótulo que representa 2% da população, de outros que preferiam a abundância dos católicos e evangélicos.

    ResponderExcluir