Espiritismo, política e bom senso *
Marco Milani
Frequentemente,
colegas espíritas opinam sobre a relação entre espiritismo e política. Os mais
entusiastas chegam a estimular o apoio a candidatos a cargos públicos daqueles que
se declaram espíritas ou mesmo cogitam a possibilidade de se criar um partido
formado só por espíritas e simpatizantes.
Dois
pontos são fundamentais para tratarmos essa situação. Primeiro, o fato de
alguém se declarar espírita não o torna uma pessoa melhor que outra nem
significa que ele não cometa erros ou que não faça escolhas erradas. Segundo, o
espiritismo colabora para a melhoria da sociedade por meio do aprimoramento
moral e intelectual dos indivíduos, não por meio do partidarismo político ou
pelo apoio a determinados modelos de organização social e econômica.
O
rótulo religioso não é garantia de integridade na vida pública. Se assim fosse,
diversas siglas partidárias que se declaram cristãs nunca estariam envolvidas
em escândalos ou atos de improbidade. E não vale dizer que o espírita é melhor
que as demais denominações. O fato de termos mais conhecimento sobre o mundo
espiritual e sobre o que deveríamos fazer para evoluirmos implica responsabilidade, mas a conduta ilibada depende de cada um. Ainda estamos nos
aperfeiçoando e lutando contra as más tendências que trazemos do passado. Se já
tivéssemos atingido a perfeição não estaríamos reencarnados aqui.
“Ahhh...
mas é melhor ter um político espírita do que um materialista!”, afirmam alguns.
Vamos refletir sobre isso... Se tivéssemos que passar por um procedimento
cirúrgico e pudéssemos escolher o médico, a primeira coisa que iríamos nos
preocupar seria a crença religiosa do médico ou sua competência e experiência
na função? Muita gente, inclusive eu, procuraria alguém competente e
experiente. Se ele fosse espírita, católico ou ateu, seria uma questão
secundária.
“Ahhh...
mas político é diferente, pois ele precisa ser honesto!”, replicam os
entusiastas. Certamente a idoneidade é esperada por todos, assim como ele deve
ter competência e defender propostas adequadas para a função que ele desempenhará.
Mas o que pensar de políticos que se declaram espíritas, mas se engajam em
lutas para a legalização do aborto, defendem a revolução armada ou, ainda, que
apoiem regimes autoritários acostumados a prender ou assassinar seus inimigos?
Pois é... Quando consideramos um cenário mais realista e menos ingênuo,
passamos a refletir sobre bases que nos exigem maior aprofundamento político,
econômico e social. Tratam-se de questões polêmicas que não se resumem na
simples declaração de alguém ser ou não adepto do espiritismo, mas de propostas
que variarão de pessoa para pessoa e deixam a denominação religiosa em segundo
plano.
O
espiritismo, sem dúvida, apresenta uma das mais poderosas propostas para o
desenvolvimento humano já vistas, baseada no conhecimento da realidade
espiritual e que justifica e motiva a construção de uma sociedade harmônica
como reflexo do aprimoramento individual. Conforme aponta Kardec, no livro
Obras Póstumas, se quisermos que “os homens vivam como irmãos na Terra, não
basta dar-lhes lições de moral; é preciso destruir a causa do antagonismo
existente e atacar a origem do mal: o orgulho e o egoísmo” e a educação é o
mais poderoso caminho para isso. Sinteticamente, sob a perspectiva espírita, a
melhoria das condições sociais decorre, essencialmente, do aperfeiçoamento do
indivíduo e não o oposto, como pretendem os partidários de ideologias
totalitárias, nas quais sonha-se com uma sociedade “ideal” e obriga-se o
indivíduo a comportar-se dessa ou daquela maneira. O ambiente em que nos
encontramos constitui-se em oportunidade evolutiva e não será por decretos que
a liberdade, igualdade e fraternidade serão obtidas, pois antes se faz
necessário “mudar o coração dos homens”.
Responsáveis por nossos próprios atos e escolhas,
cabe a nós defender aquilo que considerarmos o mais correto e adequado, além de
buscarmos vencer as nossas próprias deficiências. Temos o livre-arbítrio para
nos posicionarmos politicamente na sociedade em que vivemos e, portanto,
devemos escolher, antes de tudo, a linha de atuação política e econômica para
depois identificarmos os melhores candidatos que se alinhem com nossas
propostas, sem nos iludir com aqueles que tentam usar o nome do espiritismo
para angariar votos e defender ideologias que podemos não concordar.
* Texto publicado no jornal Correio Fraterno, nº 456 mar/abr 2014, p. 11
Perfeito, Marco, concordo plenamente !!!
ResponderExcluirAbraços
Mauricio
Realmente, o rótulo "espírita" não garante honestidade, empenho e boa gestão. Todavia, poderemos sempre cobrar daqueles que se aventuraram a preferir esse rótulo que representa 2% da população, de outros que preferiam a abundância dos católicos e evangélicos.
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