domingo, 13 de janeiro de 2019

Comentários sobre as alterações da 5ª edição de A Gênese – Cap. XIV


A Gênese: Capítulo 14 – item 1

Natureza e matéria não são sinônimos

Marco Milani*

(Texto publicado originalmente no boletim Dirigente Espírita, n.169, jan/fev de 2019, p.5)

            Reafirmando a proposta de estudo e esclarecimento sobre as inconsistências doutrinárias encontradas na 5ª edição francesa da obra A Gênese: os milagres e as predições segundo o espiritismo, a USE-SP vem publicando tópicos comparativos de capítulos selecionados.
            No Dirigente Espírita, nº 167, p.5, apresentou-se a fragilização lógica do conteúdo do Capítulo 15 de A Gênese, ocorrido na 5ª edição francesa, decorrente da supressão do item 67 presente na 1ª edição da obra. Tal modificação não mais permitiu que se conhecessem as hipóteses propostas originalmente por Allan Kardec para se explicar o desaparecimento do corpo de Jesus.
            No Dirigente seguinte, nº 168, p.5, evidenciou-se a deturpação do conteúdo do Capítulo 18, destacando o viés místico e supersticioso provocado pelas alterações de trechos na 5ª edição francesa que associavam as transformações morais da humanidade às transformações físicas do globo ou a fenômenos naturais como estrelas cadentes. Tal associação não faz parte dos ensinamentos dos Espíritos contidos nas obras de Kardec.
Para a presente análise, escolheu-se o primeiro item do Capítulo 14 da 5ª edição francesa que, também, evidencia um grave problema semântico que distorce o significado doutrinário.
Ao se discorrer sobre os limites da ciência para investigar os fenômenos espirituais, Kardec destaca que esses não podem ser explicados unicamente pelas “leis da matéria”. As alterações sofridas na 5ª edição francesa distorceram essa afirmação, apontando que aqueles fenômenos não podiam ser explicados apenas pelas “leis da natureza”. A seguir, os trechos no original:

1ª edição (1868) – Cap. 14, item 1: “... mais les phénomènes où l'élément spirituel a une part prépondérante, ne pouvant être expliqués par les seules lois de la matière, échappent aux investigations de la science: c'est pourquoi ils ont, plus que les autres, les caractères apparents du merveilleux.”

5ª edição (1872) – Cap. 14, item 1: “... mais les phénomènes où l'élément spirituel a une part prépondérante, ne pouvant être expliqués par les seules lois de la nature, échappent aux investigations de la science: c'est pourquoi ils ont, plus que les autres, les caractères apparents du merveilleux.”

            Uma vez que matéria e natureza possuem significados diferentes e não são conceitos que foram utilizados como sinônimos por Kardec em suas obras, o texto modificado apresenta um claro contraste semântico.
            Por “natureza”, entende-se o conceito amplo que envolve tudo o que é natural, ou seja, todos os elementos do universo: espírito e matéria. Os fenômenos espirituais estão, portanto, dentro das leis naturais e podem ser explicados por elas. Na 5ª edição francesa de A Gênese, a alteração da frase faz com que se negue essa explicação natural e afirme-se que os fenômenos espirituais estariam fora na própria natureza.
            Na questão nº 617, de O Livro dos Espíritos, destaca-se a associação direta de que “todas as leis da Natureza são leis divinas, pois que Deus é o autor de tudo. O cientista estuda as leis da matéria, o homem de bem estuda e pratica as da alma.” Ainda nesta questão, reforça-se o conceito de que, dentre as leis divinas, “umas regulam o movimento e as relações da matéria bruta: as leis físicas, cujo estudo pertence ao domínio da Ciência” e “as outras dizem respeito especialmente ao homem considerado em si mesmo e nas suas relações com Deus e com seus semelhantes. Contêm as regras da vida do corpo, bem como as da vida da alma: são as leis morais.”
No item 41 do capítulo 1, em todas as edições de A Gênese, destaca-se que as leis da natureza reveladas pelo Espiritismo confirmam, explicam e desenvolvem tudo quanto Jesus disse e fez, elucidando os pontos obscuros do ensino cristão. As leis morais, portanto, são naturais. Essa condição impede qualquer tentativa de substituição semântica de leis da natureza por leis da matéria.
No capítulo 13 de A Gênese, em todas as edições, Kardec discorre sobre o conceito de milagre, o qual seria uma derrogação das leis da natureza. Uma vez que as leis da natureza são imutáveis, não existiriam milagres ou fatos não naturais. Essa frase seria distorcida se a mesma fosse reescrita substituindo-se leis da natureza por leis da matéria.
Igualmente, há muitas outras passagens em todas as obras da chamada Codificação que Kardec e os Espíritos reafirmaram o uso de leis da natureza para tudo o que é natural, inclusive abrangendo as leis morais e todos os fenômenos espirituais.
Assim, ao se substituir “leis da matéria” por “leis da natureza”, tal qual ocorrido no item 1 do capítulo 14 da 5ª edição de A Gênese, afirma-se que os fenômenos espirituais não seriam naturais e isso distorce seriamente o conteúdo lógico do texto original escrito por Kardec.

* Diretor do Departamento de Doutrina da USE-SP

Fonte: USE-SP. Boletim Dirigente Espírita, n.169, jan/fev de 2019, p.5


5 comentários:

  1. Lamentável essa adulteração. Ficamos 150 sem essa Luz.

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  2. Excelente artigo...é preciso divulgar o máximo possível...e restaurar o verdadeiro Espiritismo...esse trabalho é para nós Espiritas...

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  3. É lamentável,o pior são as tentativas de abafar o ocorrido, no espiritismo não tem espaço para o conservadorismo, a busca pela verdade deve ser constante.

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