Cândido e o abacateiro
Marco Milani
Era uma vez um homem conhecido como Cândido, o ativista.
Cândido era moderno e possuía notebook, telefone celular e conexão wi-fi, o que lhe permitia participar de redes sociais e interagir com muita gente. Cândido gostava de discutir os assuntos mais “quentes” do momento, mesmo que não tivesse muita familiaridade prévia com o tema, mas bastavam alguns segundos lendo uma notícia e inexplicavelmente ele parecia dominar a questão com maestria.
Cândido era um homem resoluto, com posições firmes e diretas. Sentia-se realizado ao fazer comentários lacradores em acanhadas caixas de diálogo, pois suas verdades eram absolutas e mudariam o mundo, assim precisava dizer às pessoas como elas deveriam se comportar.
Em certa ocasião, Cândido se deparou com a divulgação de um congresso que uma grande instituição espírita costumava realizar a cada três anos. Qual não foi a surpresa e a indignação de Cândido ao saber que seria cobrada uma taxa de inscrição para cobrir parte dos custos do evento.
Cândido revoltou-se com essa cobrança, afinal, o que aconteceu com a máxima “fora da caridade não há salvação” e com a relação de troca expressa na frase “dai de graça o que de graça recebeste”? Onde já se viu cobrar de espíritas?! Só porque se tratava de um congresso para mil pessoas com atividades durante três dias e contando com palestrantes e expositores convidados que se deslocariam de diferentes regiões do país, em nada justificaria, segundo Cândido, essa cobrança.
Cândido também lembrou da “sombra do abacateiro”, citada em algumas leituras que havia feito, simbolizando a singeleza e a simplicidade esperadas em eventos dessa natureza. Pronto, esse é o modelo ideal, pensou, e logo visualizou um grande abacateiro que abrigasse as mil pessoas em todos os dias do evento. Seus frutos alimentariam todos os participantes, os quais poderiam ficar ali acampados, também de graça. O abacateiro possuiria um sistema próprio de som e transmissão via internet, sem a necessidade de se contratar empresa especializada.
Cândido estava se sentindo motivado, teclando freneticamente. Como ativista, destacava que o povo passava fome e qualquer taxa era absurda.
Ainda que não conhecesse a teoria e muito menos a prática das ciências contábeis, Cândido supôs-se um experiente contador e bradou: “Eventos espíritas não possuem custos”!
Como a população brasileira bancaria aquela cobrança? Milhões seriam excluídos e não importava o fato de que as atividades programadas para o evento seriam transmitidas ao vivo ou posteriormente ficassem disponíveis gratuitamente nos canais de divulgação dessa instituição. O que importava para Cândido, no fundo, era dar vazão à sua indignação e... lacrar.
E com a sensação de dever cumprido na reforma do mundo, Cândido buscou outras notícias para opinar.
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