O
período de luta do Espiritismo
Marco
Milani
Texto
publicado na Revista Dirigente Espírita – ed. 197, set/out 2023, p. 18-19
Na Revista Espírita de
Setembro/1858, Allan Kardec predisse que a propagação do Espiritismo ocorreria
em quatro períodos distintos, iniciando-se pela curiosidade despertada pelos
fenômenos de efeito físico, passando pela fase filosófica representada pela
estruturação doutrinária, depois consolidando-se como crença universalmente
reconhecida no chamado período de admissão e, finalmente, atingindo o período
de influência sobre a ordem social em decorrência da moralização do indivíduo, contribuindo
para a felicidade da Humanidade.
Cinco anos depois, diante de alguns
acontecimentos que fizeram com que Kardec revisse essas etapas, ele acrescentou
mais duas. Na Revista Espírita de dezembro/1863, são elencados os seis períodos
do Espiritismo, a saber:
1)
Período
da curiosidade;
2)
Período
filosófico;
3)
Período
de luta;
4)
Período
religioso (inicialmente chamado de admissão);
5)
Período
intermediário;
6)
Período
da renovação social.
Nos primeiros anos, a Doutrina Espírita atraiu a atenção social para as manifestações mediúnicas e rapidamente reuniu adeptos em diferentes países com a publicação dos princípios e valores doutrinários na obra O livro dos Espíritos.
Sua
rápida propagação passou a gerar preocupações e a atrair ataques cada vez mais
intensos de seus detratores. O período de luta foi adicionado na marcha do
Espiritismo considerando a forte resistência e os embates promovidos por
representantes de determinados segmentos da sociedade que viram suas convicções
ameaçadas pelas ideias espíritas.
O
Auto de Fé de Barcelona (Espanha), ocorrido em 9/10/1861, quando 300 livros
espíritas foram queimados em praça pública por ordem do bispo católico local, exemplificou
a ferocidade dos adversários que já pressentiam a profundidade das mudanças
trazidas pela nova filosofia espiritualista.
Em texto publicado na Revista
Espírita de janeiro/1867, avaliando a situação do movimento espírita na
ocasião, Kardec enfatizou que o período de luta não havia terminado e estava
longe de chegar ao fim.
Mesmo diante dos nítidos avanços na propagação
das ideias espíritas, os adversários agiam intransigentemente e o confronto era
inevitável e necessário, porém com a certeza de que o futuro reservaria a
bonança após a tempestade.
Em 31/03/1869, Kardec desencarnou
esforçando-se para promover o laço de fraternidade que deveria unir todos os
adeptos e era necessário para que o Espiritismo entrasse no período religioso,
tal qual ele mesmo já havia afirmado o sentido filosófico de religião (ver Revista
Espírita, dezembro/1868), porém, o período de luta ainda estava a pleno vapor.
Passados quase dois séculos após o
lançamento de sua primeira obra fundamental, o Espiritismo ainda encontra-se
lutando contra as investidas promovidas por materialistas e por representantes
de crenças fanatizadas e exclusivistas, além das tentativas de deturpação
sincrética e místicas que produzem bizarrices antidoutrinárias.
Um dos maiores desafios presentes
atualmente para se valorizar a unidade do corpo teórico do Espiritismo,
entretanto, é interno ao movimento espírita e liga-se à conscientização dos
adeptos sobre a superioridade metodológica de Kardec para validar as
informações doutrinárias diante de simples manifestações opinativas expressas
em livros e discursos individuais. Em outras palavras, não se pode abraçar
opiniões contidas em obras literárias sobre a temática espírita desse ou
daquele autor encarnado ou desencarnado, ou proferidas em discursos por
empolgados palestrantes, como sendo novas “revelações” que superariam os
ensinos dos Espíritos publicados por Allan Kardec. Para se reconhecer uma
informação como válida, antes ela deve contar com evidências objetivas que a
sustentem e não a façam depender de argumento de autoridade de médiuns ou
Espíritos específicos.
A
tática dos adversários ganhou contornos específicos, intensificando a
dissimulação corrosiva ao plantar focos de discórdia e ódio entre os próprios
adeptos como tentativa de fragmentação e corrosão dos princípios e valores
espíritas.[1]
Em
outra frente de combate, fruto de ilusões utópicas, muitos militantes
político-partidários que se autodenominam espíritas selecionam e reinterpretam
conceitos doutrinários para legitimar o modelo de relações socioeconômicas que veneram.
Sob a alegação de “atualização”, procuram adequar o Espiritismo às suas
ideologias partidárias, servindo-se do relativismo para distorcer princípios
espiritas e obter o desejado alinhamento à práxis social que concebem.
Paradoxalmente,
em nome de uma suposta justiça social e movidos pela certeza de que estão
construindo uma sociedade tolerante e fraterna, atacam e desrespeitam todos os
demais adeptos do Espiritismo que não se identificam com as mesmas bandeiras
partidárias, agindo contrariamente à própria concepção de tolerância e
fraternidade...
Sendo
os detratores internos relevantes adversários atualmente, um dos sinais para a
superação do período de luta ocorrerá quando os adeptos passarem a compreender
e valorizar a coerência doutrinária e priorizarem a principal batalha a ser
travada, não em arenas exteriores em discussões apaixonadas, mas no campo
íntimo de cada um combatendo o orgulho e o egoísmo e instruindo-se seriamente
sobre a realidade do ser.
O
exercício da benevolência para com todos, da indulgência para com as
imperfeições alheias e do perdão das ofensas, tal qual o verdadeiro sentido de
caridade sob a perspectiva espírita[2], é o caminho que ainda
parece distante do mundo atual, porém constitui-se na luta primordial que cabe
ao espírita exemplificar. Nesse estágio de superação, o Espiritismo avançará ao
período religioso, marcado pelos laços de afeição entre os seus adeptos e pela
fé raciocinada. Posteriormente, rumará ao período intermediário e o da
renovação social.
Fonte:
https://usesp.org.br/wp-content/uploads/2023/10/reDE-197.pdf
[1]
Ver o artigo “Trojan em grupos espíritas”, de minha autoria, publicado no
jornal Correio Fraterno, edição 501, out/21. Link: https://correio.news/reflexoes/trojan-em-grupos-espiritas
Nenhum comentário:
Postar um comentário