A Inteligência artificial não é um oráculo moderno
Marco Milani
Texto publicado na Revista Candeia Espírita, nº 41, fev/2025,
p. 9-10
O crescimento do uso de ferramentas de inteligência
artificial (IA), como o ChatGPT, trouxe à tona uma série de debates éticos e
filosóficos sobre o papel dessas tecnologias na sociedade. Entre essas
discussões, destaca-se uma preocupação relevante no campo do Espiritismo: a
possibilidade de se tentar transformar tais ferramentas em "oráculos
modernos", capazes de substituir os ensinos dos Espíritos sistematizados
por Allan Kardec. Essa intenção, embora compreensível frente à rapidez e
eficiência dessas tecnologias, apresenta graves implicações e desafios que
merecem análise crítica.
A Doutrina Espírita é fruto de uma investigação
criteriosa conduzida por Kardec, com base em comunicações mediúnicas cujas
informações foram validadas pelo método do Controle Universal. Esse
conhecimento não é fruto de opiniões pessoais, mas sim de um ensino coletivo
que trata da natureza, origem e destino dos Espíritos, bem como de suas relações
com o mundo corporal. O caráter experimental e a lógica que permeiam os
princípios espíritas refletem o cuidado de Kardec em evitar que influências
subjetivas ou interpretações enviesadas desvirtuassem o conteúdo recebido.
As ferramentas de inteligência artificial, por
outro lado, baseiam-se em dados coletados de fontes do mundo material,
acumulando e processando informações disponíveis na internet e em outros
repositórios de conhecimento. Embora impressionantes em sua capacidade de
resposta e emulando, por vezes, um tom "neutro" ou
"onisciente", esses sistemas são incapazes de alcançar o
discernimento moral que caracteriza as mensagens dos Espíritos. A IA não possui
consciência, intuição ou capacidade de acessar dimensões transcendentais; seu
alcance está restrito ao plano físico e técnico, refletindo os preconceitos,
limitações e lacunas das informações com as quais foi treinada.
A tentativa de usar a IA para rever e aperfeiçoar o
ensino espírita, portanto, esbarra na limitação natural da fonte e do método. A
linguagem precisa e objetiva de ferramentas como o ChatGPT pode dar uma falsa
impressão de autoridade, fazendo com que indivíduos não familiarizados com as
próprias limitações tecnológicas e, principalmente, imaturos quanto aos princípios
e conceitos doutrinários, aceitem prontamente as respostas geradas por IA como novas
verdades. Isso contraria a fé raciocinada, a qual convida à análise e ao estudo
aprofundado com a prudência necessária. Kardec sempre incentivou o
questionamento e a busca pela verdade, alertando contra a inconveniência da
aceitação cega, mesmo diante de mensagens mediúnicas assinadas por Espíritos
conhecidos.
Outra situação associada a essa prática é o
enfraquecimento do papel da mediunidade como meio pelo qual a humanidade pode
estabelecer comunicação direta com o mundo invisível, possibilitando a
continuidade do aprendizado e da interação com os Espíritos. Quando se tenta
substituir essa conexão viva e dinâmica por uma tecnologia artificial, há um
afastamento do aspecto experimental mediúnico. A IA, certamente, pode auxiliar
no estudo e na organização de informações, mas não pode replicar a profundidade
da experiência espiritual que a mediunidade proporciona.
Além disso, a transformação do uso da IA em oráculo
moderno contraria a proposta de autonomia racional promovida pelo Espiritismo.
Kardec não buscou criar seguidores passivos, mas indivíduos conscientes de sua
responsabilidade moral e de seu papel no progresso coletivo. Delegar o
discernimento sobre a realidade espiritual a uma máquina programada por homens encarnados
desvirtua a própria fonte e incentiva uma subordinação tecnológica.
É essencial reconhecer que a tecnologia desempenha
um papel relevante e positivo no apoio ao estudo do Espiritismo, desde que
utilizada com discernimento. Ferramentas de IA facilitam o acesso a obras
espíritas, organizam estudos e podem responder dúvidas comuns, mas são apenas instrumentos
e não substitutos do conhecimento doutrinário. Cabe aos espíritas acompanharem
e usarem com o bom senso que Kardec tanto prezava as potencialidades dessas
ferramentas.
Assim, o desafio não está em incentivar a
tecnologia, mas em saber utilizá-la de maneira responsável como poderosa aliada,
sem deslumbramento.
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