Os
tempos são chegados, mas que tempos são esses?
Marco
Milani
(Texto
publicado na Revista Dirigente Espírita, mai/jun 2022 - ed. 189, p. 62-63)
Em diversas religiões, o “fim do mundo”
é um evento previsto em seus textos sagrados e nas tradições orais. As
predições escatológicas povoam as narrativas de igrejas e comunidades
salvacionistas, geralmente com a apresentação de um cenário que marca a divisão
entre bons e maus, eleitos e rejeitados, salvos e condenados. Não somente as
linhas cristãs assumem um período que demarca a transição de uma era em
decadência para outra renovada, mas também o Hinduísmo, o Zoroastrismo, o Islamismo
e o Judaísmo, dentre outras.
O Espiritismo, como filosofia
espiritualista, serve-se dos ensinos doutrinários apresentados por Kardec para a
análise do contexto histórico e cultural das tradições, basicamente da
judaico-cristã, para lançar luzes sobre a compreensão racional da marcha da
humanidade.
No
capítulo 18 da obra A Gênese, de Allan Kardec, intitulado “Os tempos são chegados”
esclarece-se que há na Terra dois tipos de progresso: o físico e o moral.
Enquanto o primeiro se refere às transformações geológicas que o planeta passa,
o segundo diz respeito ao aprimoramento dos Espíritos encarnados e
desencarnados que a povoam, tomando a conduta de Jesus como modelo e guia.
Como o homem sempre progride e nunca
retrograda em seu processo evolutivo, por mais imperceptível que seja o avanço
moral sob as lentes de uma única encarnação, é no conjunto das experiências do
ser que evidencia-se o seu desenvolvimento. A fieira reencarnatória do Espírito
faz com que sua jornada seja única e individualizada, ocupando diferentes orbes
e compartilhando vivências com outros seres em uma ampla rede solidária que
constitui a comunidade espiritual.
Materialmente, planetas formam-se e
colapsam-se. Estima-se que a idade da Terra seja de 4,5 bilhões de anos, assim
como daqui a 1,8 bilhão de anos a vida orgânica cessará e em cerca de 5 bilhões
de anos todo o planeta será absorvido pela expansão do Sol.[1]
Para o Espírito, entretanto, bilhões
de anos, trilhões de séculos ou qualquer medida temporal não alteram sua
perenidade, acrescentando-se a situação de que o mundo espiritual preexiste e
sobrevive ao mundo físico, portanto a idade do universo materialmente conhecido
não afeta a realidade espiritual. A própria noção de tempo que possuem os
encarnados desaparece perante a imortalidade da alma e, quanto mais evoluído é
o Espírito, os conceitos de passado, presente e futuro assumem características
que estamos longe de compreender.
No universo, tudo está em harmonia
conforme a vontade soberana de Deus e o que parece ser uma perturbação nada
mais é do que uma percepção limitada do homem que não compreende o todo[2]. Considerando que o
progresso é uma Lei da Natureza, depreende-se que todos realizarão a perfeição
de que o Espírito é suscetível e o nível moral dos habitantes da Terra atingirá
um estágio de regeneração, superando a classificação atual de mundo de
expiações e provas, conforme escala evolutiva.[3]
Uma
das percepções limitadas (e equivocadas) do homem é a suposição de que todo o
progresso do Espírito ocorre na Terra. Desde o momento em que o Espírito desperta
para a razão e moralidade, ele assume responsabilidade sobre os seus atos e
aprende com as respectivas consequências, sendo impulsionado pelas próprias
Leis Naturais a autoconhecer-se e atuar em consonância com a própria
consciência. Para tanto, o Espírito encarna em inúmeros corpos e condições
físicas no universo, a partir dos mundos primitivos. A Terra é um minúsculo
ponto nessa trajetória e os corpos aqui existentes não contêm todas as
desconhecidas constituições físicas possíveis. Exercita-se, inadvertidamente, a
especulação de qual seria o animal mais inteligente neste planeta que poderia vincular-se
à transição para o homem mais primitivo, ignorando-se o resto do universo.
Mas
afinal, que tempos são esses que foram anunciados pelos Espíritos a Kardec?
Como
referência evolutiva, quanto mais próximo da autorrealização espiritual pelo
seu desenvolvimento moral e intelectual, mais feliz será o ser humano. Uma vez
que todos se autorrealizarão, inexoravelmente, todos superarão, por mérito
individual, a necessidade de experiências reencarnatórias em locais dominados pelas
sensações brutas e paixões para vivenciar o convívio norteado pela sabedoria e
pela fraternidade. Como em qualquer mundo, são os habitantes que caracterizam o
estágio evolutivo da Terra. Atualmente, por força do progresso, vislumbra-se o
cenário no qual a prática da caridade em sua verdadeira acepção e o
conhecimento da realidade promoverão o bem comum.
A
expressão “os tempos são chegados” destaca que os homens e, consequentemente,
as sociedades nas quais participam, estão em dinâmico aprimoramento moral e
intelectual, devendo atrair e serem atraídos para os contextos necessários à
autorrealização. Por uma questão de afinidade e harmonia natural, os Espíritos
conviverão entre si e habitarão os planetas mais condizentes com o próprio
nível evolutivo. Entre uma e outra categoria de mundos habitados, há inúmeras
gradações. Assim, mais importante que a classificação moral que um orbe pode
ter, é saber que o tempo já chegou para cada indivíduo demonstrar o esforço
individual para construir o verdadeiro Reino de Deus dentro de si mesmo, seja
na Terra ou em mundos que nem suspeitamos existir.
Fonte: https://usesp.org.br/wp-content/uploads/2022/05/de189.pdf
[1] Ver
Rushby, A. J. et al. (2013). Habitable Zone Lifetimes of Exoplanets around
Main Sequence Stars. Astrobiology. V. 13, N. 9. Disponível em https://www.liebertpub.com/doi/abs/10.1089/ast.2012.0938?journalCode=ast
[2] Ver Kardec, A. (2021) A gênese. Cap. 18, item 4. Tradução da 4ª edição francesa. São Paulo: USE.
[3]
Ver Kardec, A. (2003). O evangelho segundo o Espiritismo. Cap. 3, item 4. São
Paulo: LAKE.
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