domingo, 1 de maio de 2022

A base doutrinária da USE


 

A base doutrinária da USE

Marco Milani

 

(Texto publicado na Revista Dirigente Espírita, mai/jun 2022 - ed. 189, p. 13-16)

             Na conclusão de O Livro dos Espíritos, Allan Kardec destaca que a força do Espiritismo está na sua filosofia e não nos fenômenos mediúnicos que sempre ocorreram na humanidade. Ao se dirigir à razão e ao bom senso, a Doutrina Espírita não possui nada de místico nem alegorias suscetíveis de falsas interpretações, cabendo ao adepto a análise crítica do conteúdo revelado e a respectiva aplicação em sua vida.

            A fé raciocinada, além de ser um dos pilares espíritas, expressa uma mudança de paradigma sobre o conhecimento de Deus, de suas criaturas e das leis naturais, rompendo com a crença cega sobre a origem e o destino do homem.

            O Espiritismo adentrou na vida de milhões de brasileiros, adeptos ou não, por meio da divulgação de livros e produções artísticas com a temática espírita. Nessa perspectiva, é esperado que os estudiosos das obras de Allan Kardec e, ainda, leitores de obras de autores secundários, formem uma ideia mais ou menos justa, conforme o entendimento individual, da realidade espiritual e das relações naturais que regem todos os seres.

            Se, por um lado, Kardec é a referência espírita primária a ser considerada no mundo, por outro, não se pode deixar de reconhecer a influência de autores como Leon Denis, Gabriel Delanne, José Herculano Pires, Deolindo Amorim, Julio Abreu Filho e Carlos Imbassahy, dentre muitos outros, na divulgação doutrinária no Brasil. Ressalta-se o impacto gerado pela vasta produção mediúnica de Francisco Cândido Xavier e de Divaldo Pereira Franco, ambos responsáveis pela venda de centenas de títulos em vários países.

            Metodologicamente, entretanto, as obras fundamentais de Allan Kardec diferenciam-se de todas as demais, pelo fato de lastrearem-se na universalidade do ensino dos Espíritos, ou seja, representam a convergência das ideias obtidas em várias fontes independentes e não se tratam de opiniões ou perspectivas de fonte única. Nas obras de Kardec edificou-se o corpo teórico válido do Espiritismo e desenvolveu-se a sua aplicação.

            Desde a sua fundação, em 1947, a União das Sociedades Espíritas do Estado de São Paulo (USE) possui o compromisso estatutário de unificação das instituições com a difusão do Espiritismo baseado nas obras kardequianas. Como entidade federativa, a condição necessária para que o centro espírita integre seu quadro de entidades unidas é, justamente, que suas atividades pautem-se pela Doutrina Espírita, apresentada por Allan Kardec.

            Em consulta às atas das reuniões do Conselho Deliberativo disponibilizadas no acervo digital da USE[1], a preocupação com o alinhamento doutrinário e o combate às infiltrações de conceitos e práticas estranhas foram registrados consistentemente nas falas de inúmeros colaboradores nos últimos setenta anos. Conselheiros como Herculano Pires e Ary Lex, por exemplo, são reconhecidos pelas valiosas contribuições nesse sentido.

            Outro exemplo de valorização da base doutrinária do Espiritismo foi a Campanha Comece pelo Começo[2], lançada pela USE em 1972 e posteriormente abraçada pelo Conselho Federativo Nacional. Seu propósito principal, diante do grande interesse pelo Espiritismo fomentado pela participação de Francisco Cândico Xavier no programa Pinga-Fogo da TV Tupi, foi o de oferecer ao público o roteiro seguro para se conhecer a doutrina pelas obras fundamentais de Allan Kardec. Em momento algum essa campanha objetivou desmerecer a produção de outros autores, ainda que de fontes únicas.

            A farta literatura sobre a temática, por autores encarnados ou desencarnados, oferece interessante oportunidade para a discussão dos princípios e valores espíritas, além de contribuir para a própria divulgação do Espiritismo, mantendo-se a prudência de se analisar criticamente a coerência doutrinária de seu respectivo conteúdo.

            O esquema lógico utilizado atualmente pelo Departamento de Doutrina para favorecer a análise do alinhamento doutrinário de conceitos ou práticas é o seguinte:

 

                 Fonte: Elaborado pelo autor

            Em síntese, analisa-se se o conteúdo está em concordância com os princípios e valores doutrinários contidos nas obras fundamentais de Allan Kardec ou se apresenta outro embasamento. Caso trate-se de conceito ou informação que contrarie ou não possua respaldo doutrinário, como uma “nova revelação”, verifica-se se isso possui evidência objetiva amparada por observação científica ou critério metodológico (como a universalidade, por exemplo). Se esse conteúdo referir-se a fonte única ou que não possa ser comprovado, segue-se a recomendação de prudência e não é considerado um ensino ou prática doutrinária, aguardando que evidências surjam para novamente ser analisado.

            Certamente, o dinamismo esperado pelo avanço do conhecimento gera ansiedade em muitos adeptos que tendem a abraçar novidades e informações de fonte única com alguma facilidade, enquanto outros mostram-se mais ponderados. Nesse sentido, incentiva-se o diálogo fraterno objetivando o esclarecimento doutrinário sobre os pontos que possam contar com interpretações pessoais variadas.

Reunindo, atualmente, cerca de 1.300 centros espíritas distribuídos pelo estado de São Paulo, o estímulo ao estudo aprofundado do Espiritismo e sua aplicação prática nas atividades das diferentes instituições com as respectivas consequências morais aos indivíduos são compromissos useanos.

Análise racional e prudência, portanto, marcam a postura doutrinária da USE, desde sua fundação.

 

 Fonte: https://usesp.org.br/wp-content/uploads/2022/05/de189.pdf

 


[1] https://usesp.org.br/a-usesp/memoria/

[2] Revista Dirigente Espírita, ed. 187, p. 8. https://usesp.org.br/wp-content/uploads/2022/01/DE187-C.pdf

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