A
base doutrinária da USE
Marco Milani
(Texto
publicado na Revista Dirigente Espírita, mai/jun 2022 - ed. 189, p. 13-16)
A fé raciocinada, além de ser um dos
pilares espíritas, expressa uma mudança de paradigma sobre o conhecimento de
Deus, de suas criaturas e das leis naturais, rompendo com a crença cega sobre a
origem e o destino do homem.
O Espiritismo adentrou na vida de
milhões de brasileiros, adeptos ou não, por meio da divulgação de livros e
produções artísticas com a temática espírita. Nessa perspectiva, é esperado que
os estudiosos das obras de Allan Kardec e, ainda, leitores de obras de autores secundários,
formem uma ideia mais ou menos justa, conforme o entendimento individual, da
realidade espiritual e das relações naturais que regem todos os seres.
Se, por um lado, Kardec é a
referência espírita primária a ser considerada no mundo, por outro, não se pode
deixar de reconhecer a influência de autores como Leon Denis, Gabriel Delanne, José
Herculano Pires, Deolindo Amorim, Julio Abreu Filho e Carlos Imbassahy, dentre
muitos outros, na divulgação doutrinária no Brasil. Ressalta-se o impacto
gerado pela vasta produção mediúnica de Francisco Cândido Xavier e de Divaldo
Pereira Franco, ambos responsáveis pela venda de centenas de títulos em vários
países.
Metodologicamente, entretanto, as
obras fundamentais de Allan Kardec diferenciam-se de todas as demais, pelo fato
de lastrearem-se na universalidade do ensino dos Espíritos, ou seja,
representam a convergência das ideias obtidas em várias fontes independentes e
não se tratam de opiniões ou perspectivas de fonte única. Nas obras de Kardec
edificou-se o corpo teórico válido do Espiritismo e desenvolveu-se a sua
aplicação.
Desde a sua fundação, em 1947, a
União das Sociedades Espíritas do Estado de São Paulo (USE) possui o
compromisso estatutário de unificação das instituições com a difusão do
Espiritismo baseado nas obras kardequianas. Como entidade federativa, a
condição necessária para que o centro espírita integre seu quadro de entidades
unidas é, justamente, que suas atividades pautem-se pela Doutrina Espírita,
apresentada por Allan Kardec.
Em consulta às atas das reuniões do
Conselho Deliberativo disponibilizadas no acervo digital da USE[1], a preocupação com o
alinhamento doutrinário e o combate às infiltrações de conceitos e práticas
estranhas foram registrados consistentemente nas falas de inúmeros
colaboradores nos últimos setenta anos. Conselheiros como Herculano Pires e Ary
Lex, por exemplo, são reconhecidos pelas valiosas contribuições nesse sentido.
Outro exemplo de valorização da base
doutrinária do Espiritismo foi a Campanha Comece pelo Começo[2], lançada pela USE em 1972 e
posteriormente abraçada pelo Conselho Federativo Nacional. Seu propósito
principal, diante do grande interesse pelo Espiritismo fomentado pela
participação de Francisco Cândico Xavier no programa Pinga-Fogo da TV Tupi, foi
o de oferecer ao público o roteiro seguro para se conhecer a doutrina pelas
obras fundamentais de Allan Kardec. Em momento algum essa campanha objetivou
desmerecer a produção de outros autores, ainda que de fontes únicas.
A farta literatura sobre a temática,
por autores encarnados ou desencarnados, oferece interessante oportunidade para
a discussão dos princípios e valores espíritas, além de contribuir para a
própria divulgação do Espiritismo, mantendo-se a prudência de se analisar
criticamente a coerência doutrinária de seu respectivo conteúdo.
O esquema lógico utilizado
atualmente pelo Departamento de Doutrina para favorecer a análise do
alinhamento doutrinário de conceitos ou práticas é o seguinte:
Em síntese, analisa-se se o conteúdo
está em concordância com os princípios e valores doutrinários contidos nas
obras fundamentais de Allan Kardec ou se apresenta outro embasamento. Caso
trate-se de conceito ou informação que contrarie ou não possua respaldo
doutrinário, como uma “nova revelação”, verifica-se se isso possui evidência
objetiva amparada por observação científica ou critério metodológico (como a
universalidade, por exemplo). Se esse conteúdo referir-se a fonte única ou que
não possa ser comprovado, segue-se a recomendação de prudência e não é
considerado um ensino ou prática doutrinária, aguardando que evidências surjam
para novamente ser analisado.
Certamente, o dinamismo esperado
pelo avanço do conhecimento gera ansiedade em muitos adeptos que tendem a
abraçar novidades e informações de fonte única com alguma facilidade, enquanto
outros mostram-se mais ponderados. Nesse sentido, incentiva-se o diálogo
fraterno objetivando o esclarecimento doutrinário sobre os pontos que possam
contar com interpretações pessoais variadas.
Reunindo,
atualmente, cerca de 1.300 centros espíritas distribuídos pelo estado de São
Paulo, o estímulo ao estudo aprofundado do Espiritismo e sua aplicação prática
nas atividades das diferentes instituições com as respectivas consequências
morais aos indivíduos são compromissos useanos.
Análise
racional e prudência, portanto, marcam a postura doutrinária da USE, desde sua
fundação.
[1] https://usesp.org.br/a-usesp/memoria/
[2] Revista
Dirigente Espírita, ed. 187, p. 8. https://usesp.org.br/wp-content/uploads/2022/01/DE187-C.pdf
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