Fé
raciocinada e análise de comunicações
Marco
Milani
Texto
publicado na Revista Dirigente Espírita, ed. 199, jan/fev 2024, p. 27
A palavra "razão" pode ter
diferentes significados dependendo do contexto em que é utilizada. Um deles
refere-se à capacidade de pensar, analisar, e chegar a conclusões lógicas. Assim,
vincula-se diretamente ao raciocínio de maneira ordenada e coerente, seguindo
princípios e regras de inferência.
Um outro significado de
"razão" baseia-se na explicação ou causa por trás de algo. Por
exemplo, na frase "qual é a razão para sua decisão?" questiona-se
qual é a justificativa ou motivo para a respectiva decisão.
Essa discussão é pertinente quando se
busca compreender o conceito de fé raciocinada sob a perspectiva espírita,
considerando seu caráter analítico e causal para se aceitar algo como legítimo
e verdadeiro. Por outro lado, a fé cega seria aquela que não é fundamentada na
razão, nem em evidências empíricas ou no pensamento crítico.
Ao afirmar que a fé inabalável é
aquela “capaz de encarar de frente a razão, face a face, em todas as épocas da
humanidade”[1],
Allan Kardec reforça a crença em algo que esteja devidamente fundamentado pelos
fatos e pela razão. Não se trataria de uma crença cega, sustentada por
argumentos de autoridade e típica de religiões tradicionais, que poderia ser
abalada diante de fatos que expusessem sua falsidade.
Para se aplicar o princípio de crença
racional, entretanto, exige-se do adepto uma postura familiarizada com o
pensamento crítico e com o distanciamento emocional esperado do
objeto analisado para garantir objetividade e imparcialidade. Isso significa
que o adepto deve tentar minimizar influências pessoais e emoções que possam
afetar a interpretação dos resultados.
A análise racional de mensagens
mediúnicas, por exemplo, deve ser realizada indistintamente e independentemente
do nome do suposto Espírito e do médium. Conforme recomendação oferecida a
Kardec pelo Espírito São Luis (e que obviamente também se aplicava a ele) é a
seguinte:
“Qualquer que seja a confiança legítima que
vos inspirem os Espíritos que presidem aos vossos trabalhos, uma recomendação
há que nunca será demais repetir e que deveríeis ter presente sempre na vossa
lembrança, quando vos entregais aos vossos estudos: é a de pesar e meditar, é a
de submeter ao cadinho da razão mais severa todas as comunicações que
receberdes...”[2]
Não basta, portanto, que a comunicação
tenha sido recebida por um médium de confiança ou assinada por algum Espírito
conhecido, pois não há qualquer garantia de legitimação ou validação do
conteúdo por meio de argumento de autoridade. Essa recomendação era válida para
a época de Kardec e continua a ser hoje, uma vez que as relações entre
encarnados e desencarnados são perenes.
Uma demonstração sobre o problema de
se supor que médiuns de confiança não permitiriam a manifestação de Espíritos de
origem duvidosa ou que produzissem conteúdo falso encontra-se em O livro dos
médiuns, capítulo XXXI – Comunicações apócrifas. Os mesmos médiuns habituados a
receber mensagens de Espíritos de alta envergadura moral, receberam
comunicações que Kardec questionou a autenticidade e legitimidade das mesmas.
Por mais que se tenha afeição a
determinados médiuns e Espíritos, a análise crítica do conteúdo de todas as
comunicações deve prevalecer em nome da fé raciocinada.
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