Leitura (ou não) das obras
fundamentais de Allan Kardec por dirigentes espíritas
Marco Milani
Texto publicado na Revista Candeia
Espírita, nº 31, abril de 2024, p. 9-10
Conforme levantamento realizado com 115
dirigentes espíritas (MILANI FILHO, 2022), constatou-se uma situação
preocupante com relação à divulgação doutrinária: em média, apenas 56,5% dos
respondentes afirmaram ter lido, integralmente e pelo menos uma vez, todas as 5
obras consideradas fundamentais do Espiritismo, de autoria de Allan Kardec.
Na Tabela 1, observa-se a frequência de
respostas, por tempo declarado pelo dirigente de adesão ao Espiritismo.
Tabela 1 – Leitura integral das obras fundamentais
Fonte: Milani Filho, 2022
LE – O livro dos espíritos; LM – O livro dos médiuns; ESE – O evangelho
segundo o espiritismo; CI – O céu e o inferno; GEN – A gênese.
Entre
todos os respondentes, as obras mais lidas são: O livro dos espíritos (93,0%) e
O evangelho segundo o espiritismo (91,3%). As obras menos lidas, por sua vez,
são: O livro dos médiuns (78,3%), O céu e o inferno (70,4%) e A gênese (69,9%).
Conforme o esperado, os respondentes com mais
tempo de vivência espírita apresentam maior familiaridade com as obras
indicadas. Por exemplo, 71,2% dos dirigentes com mais de 30 anos declarados de
adesão ao Espiritismo já leram todas as obras fundamentais, entretanto, isso
significa que 28,8% desse grupo experiente não leram esse conjunto de livros.
Certamente, essa ausência de leitura pode implicar desconhecimento de conteúdo
doutrinário relevante.
A participação dos respondentes com tempo
inferior a 5 anos de adesão é pequena (3,5%), mas verifica-se que desses, 50%
nunca leram uma das obras fundamentais de maneira integral, 25% leram todas e
os demais 25% leram, ao menos uma delas, de maneira completa.
No
grupo com tempo entre 6 e 10 anos de adesão, representando 8,7% do total da
amostra, 90% já leram integralmente ao menos uma das obras, ou seja, 10% não
leram integralmente nenhuma delas. Quase os mesmos percentuais do grupo de 11 a
20 anos.
Na
faixa de 21 a 30 anos, 52,0% leram todas as obras e, consequentemente, 48,0%
desses dirigentes espíritas não leram pelo menos uma das cinco obras
fundamentais em sua totalidade.
O
fato de 56,5% dos respondentes não terem lido integralmente ao menos uma das
obras fundamentais pode sinalizar um problema na argumentação doutrinária,
principalmente pelo fato dessas pessoas ocuparem posições de dirigentes em
casas espiritas. Diante da frequência de leitura inferior de obras como O livro
dos médiuns, O céu e o inferno e A gênese, a própria compreensão dos princípios
e valores doutrinários fica comprometida.
O
desconhecimento das cinco obras fundamentais, sem contar o restante dos livros
com riquíssimo conteúdo doutrinário que deveriam ser leitura obrigatória a qualquer
um que realmente queira conhecer e praticar o Espiritismo, como a coleção da
Revista Espírita, O que é o Espiritismo, Viagem espírita de 1862 etc., faz com
que alguns adotem narrativas compensatórias para relativizar a relevância do
estudo. Ao justificar, por exemplo, que o importante é fazer o bem e não ficar
preocupado em estudar sobre a natureza, a origem e o destino dos Espíritos, assim
como sobre as suas relações com o mundo corporal, aquele que se autodeclara
espírita e não conhece os princípios da doutrina que supõe abraçar, pode
desorientar alguém que realmente deseja conhecer o Espiritismo com ideias
fantasiosas, místicas e supersticiosas se estiver na posição de dirigente de
uma instituição espírita.
Na edição de dez/1868 da Revista Espírita, ao apontar os riscos de cismas
no Espiritismo, Allan Kardec destacou que o personalismo e as interpretações
equivocadas do conteúdo doutrinário seriam algumas de suas causas.
Ressaltando-se que a clareza e a objetividade do ensino deveriam ser os
fatores relevantes para a unidade doutrinária, os diferentes graus de
compreensão do Espiritismo, aliados às paixões pessoais de alguns supostos
adeptos, podem promover a disseminação de ideias divergentes dos princípios
doutrinários e provocar a desunião.
Desde sua origem, não faltaram no movimento
espírita propostas fantasiosas feitas por místicos que desafiavam a lógica em
nome do ocultismo e revelações exclusivas. Sempre “em nome do bem”. Todos
foram, com fraternidade e firmeza, contra-argumentados por Kardec, o qual
demonstrava a falta de coerência doutrinária e de sustentação filosófica e
científica dessas propostas mirabolantes e supersticiosas.
Ao
dirigente espírita, portanto, não basta a boa vontade, mas o conhecimento para
desempenhar seu papel orientador de maneira coerente. Estudar as obras de
Kardec é fundamental.
*MILANI FILHO, M. A. F. Coerência
doutrinária espírita: limites e desafios. In: FONSECA, A. Coerência doutrinária
na pesquisa espírita. 1ª ed. São Paulo: CCDPE, 2022. Cap. 1, p. 21-51.
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